Um Epílogo Sentimental de Quem Muito Sofre VII


«Salva-me, ó Deus, porque estou quase a afogar-me;
estou a afundar-me num pântano profundo,
não tenho onde apoiar os pés.
Vim parar em águas muito fundas
e a corrente está a arrastar-me.
Estou rouco de gritar, dói-me a garganta;
os meus olhos cansaram-se de esperar, ó meu Deus!
São mais os que me odeiam sem razão
do que os cabelos da minha cabeça;
mais numerosos são ainda os inimigos
que mentem contra mim.
Terei então de restituir aquilo que não roubei? 

Tu, ó Deus, conheces bem a minha insensatez;
não posso esconder de ti as minhas culpas.
Que não passem vergonha por minha causa
os que confiam em ti, ó Senhor, Deus todo-poderoso.
Que aqueles que te procuram
não fiquem desiludidos por causa de mim, ó Deus de Israel.
Por amor de ti tenho sofrido insultos;
a minha cara cobriu-se de vergonha.
Sou como um estranho para os meus irmãos;
sou um desconhecido para os filhos da minha mãe. 

O zelo da tua casa me consome;
as ofensas dos que te insultam caíram sobre mim.
Mesmo quando eu choro e jejuo
eles fazem troça de mim;
mesmo quando me visto de luto
eles escarnecem de mim.
Falam de mim pelas ruas da cidade
e os bêbedos cantam cantigas sobre mim. 

Eu, porém, Senhor, dirijo-me a ti em oração;
responde-me, ó Deus, quando achares oportuno,
responde-me, pelo teu grande amor!
Tu que és ajuda fiel,
tira-me do lodo para que não me afunde!
Salva-me dos que me odeiam e das águas profundas!
Não deixes que a corrente me arraste;
não deixes que o abismo me engula,
nem que a boca do poço se feche sobre mim! 

Responde-me, Senhor, porque o teu amor é bondade;
olha para mim, pela tua grande compaixão.
Não desvies o olhar deste teu servo;
responde-me depressa, porque estou em perigo!
Aproxima-te de mim e salva-me;
livra-me dos meus inimigos!
Tu sabes as ofensas, a vergonha e a desonra, que sofri;
tu conheces os meus inimigos!
As ofensas e a doença despedaçam-me o coração.
Esperei compaixão de alguém, mas foi em vão;
não encontrei ninguém que me confortasse.
Deram-me fel, em vez de comida
e, quando tive sede, deram-me vinagre. 

Que os seus banquetes se transformem em armadilha,
para ele e para os seus convidados.
Escurece-lhes a vista, para que não vejam;
enfraquece-lhes os músculos, para que tremam.
Descarrega sobre eles a tua indignação;
Sejam atingidos pelo furor da tua ira!
Que o seu acampamento fique deserto
e que não haja quem habite nas suas tendas,
pois perseguem aqueles que tu castigaste
e troçam das dores dos que tu feriste.
Deixa que aumentem o rol dos seus pecados
e não permitas que alcancem o teu perdão.
Risca-os do livro da vida!
Não os ponhas na lista dos justos!
Mas a mim, que estou aflito e triste,
levanta-me, ó Deus, e salva-me. 

Louvarei com cânticos o nosso Deus;
glorificá-lo-ei, com ações de graças.
Isto será mais agradável para o Senhor
do que sacrifícios de touros e novilhos.
Que os humildes vejam isto e se alegrem
e os que procuram a Deus se encham de coragem,
porque o Senhor escuta os necessitados
e não despreza o seu povo na aflição. 

Louvem o Senhor os céus e a terra,
o mar e todos os seres que o habitam!
Na verdade, Deus há de restaurar Sião,
e reconstruir as cidades de Judá,
e hão de regressar os que tinham sido expulsos.
Os descendentes dos seus servos são herdeiros de Sião
e lá hão de habitar aqueles que o amam.» 

(Ao regente do coro, um Salmo de David, para ser entoado com a melodia de “Os Lírios”, in Salmo 69:1-36, A Boa Nova Em Português Corrente, Lisboa, Sociedade Bíblica de Portugal, 2004).