"Durante muito tempo, a moralidade social era ancorada em tábuas de valores de origem religiosa. Tal origem concedia a essas tábuas duas importantes características: uma autoridade, que tornava absolutos (e, por isso, indiscutíveis) tais valores; e uma predominância dos valores intangíveis (ou espirituais) sobre os valores matérias. E, por consequência, a moralidade social, através dos incentivos de reconhecimentos e censura social, assegurava a prevalência, na sociedade, dessa escala de valores e da hierarquia nela estabelecida. É dessa natureza, por exemplo, a moralidade implícita nas concepções de vida social de Adam Smith e de outros autores clássicos a que atrás se fez referência.
Com avanço da modernidade, as “âncoras” religiosas e a sua hierarquia de valores foram gradualmente disputadas e postas em causa, sem que nenhuma alternativa surgisse com suficiente consenso social para preencher o vazio de referências nas sociedades. Emergiu assim um relativismo moral que praticamente remeteu para o foro de cada um a hierarquia dos valores intangíveis e, por conseguinte, desvalorizou o seu papel na orientação dos comportamentos sociais.
Mais como a vida social precisa de valores comuns para se poderem regular as interacções sociais com um mínimo de eficácia funcional, a relativização dos valores intangíveis acabou por fazer emergir como “ancoras” socialmente reconhecida o único valor cuja tangibilidade permite estabelecer facilmente comparações e hierarquizações: a riqueza material. O relativismo moral, aplicável por natureza sobretudo aos valores intangíveis, contribui assim para que a riqueza material e a sua ostentação se tivessem tornado os objectos dominantes do reconhecimento social, orientando os comportamentos na sua direcção.
De facto, a riqueza material tem uma existência visível, palpável, podendo ostentar-se e comparar-se objectivamente, enquanto valores intangíveis, como a honestidade ou a humildade, por exemplo, são de mais difícil demonstração objectiva e são mais susceptíveis de resultar de diferentes interpretações dos comportamentos (mais dependentes de juízos subjectivos e, portanto, relativos). Estes são assim mais difícil de medir e comparar objectivamente, tanto mais que, também por isso, se tornam mais facilmente sujeitos de escala de valores subjectivas (uma vez recusada uma “ancoras” valorativa comum que absolutize os valores morais). Logo, é natural que o valor tangível – isto é, a riqueza material – facilmente sobressaia como o valor dominante do relativismo moral.
Se os êxitos da economia – funcionando apoiada nos modelos que têm subjacente, pela convergência de conceitos atrás referida, a maximização de riqueza – e a sua repercussão nos êxitos individuais, contribuíram para que a moralidade social se fosse orientando no sentido de privilegiar a prevalência social deste valor na regulação dos comportamentos sociais; e se esta orientação, por sua vez, foi validando êxitos e estimulando a reprodução das teorias económicas que possuem escolhas baseadas no predomínio de uma tal moralidade social, assim se alimentando reciprocamente; é matéria cuja plausibilidade justifica estudo mais aprofundado.".
(Economista Vitor Bento, em “Economia, Moral e Política”).