"O sábio Qohelet, diz: «Ilusão! Pura ilusão! Tudo é uma ilusão.» Que proveito tira uma pessoa de tantos trabalhos que tem neste mundo? Uma geração vai, outra geração vem, mas a terra continua sempre a mesma. O Sol nasce e depois esconde-se; regressa cansado ao seu lugar, para dali voltar a nascer. O vento sopra para o sul e roda para o norte; o vento gira e vira sem parar. Todos os rios correm para o mar, mas o mar nunca se enche. Voltam para a sua origem para retomarem o mesmo caminho. Todas as coisas nos enfadam tanto, que não há palavras que cheguem para explicar. Ninguém se satisfaz com aquilo que os seus olhos vêem, nem com aquilo que os seus ouvidos ouvem (…) Eu, o sábio Qohelet, fui rei de Israel, em Jerusalém. Dediquei-me inteiramente a averiguar com profundidade e a meditar em tudo o que acontece neste mundo. Deus destinou aos homens uma tarefa bem pesada, que eles têm de suportar. Dei-me conta de que tudo aquilo que se faz neste mundo é realmente ilusão, é correr atrás do vento. Não se pode endireitar o que é torto, nem se pode contar o que não existe. Disse então para comigo mesmo: «Aqui estou eu, que me tornei o mais importante e o mais sábio de quantos, antes de mim, reinaram em Jerusalém. Tive ocasião de adquirir muita sabedoria e experiência. Entreguei-me completamente ao estudo do que é sabedoria e do que é loucura e ignorância; mas concluí que também isto é correr atrás do vento. De facto, quanto maior a sabedoria, maiores as preocupações; quanto mais se sabe, mais se sofre.» Eu disse então para mim mesmo: «Vou mas é tentar divertir-me e gozar bem a vida.» Mas também isso é uma ilusão. Concluí que o riso é uma tolice e os prazeres de nada valem. Pensei então entregar-me ao prazer do vinho, embora o meu espírito continuasse guiado pela sabedoria. Quis experimentar, para ver se seria essa a melhor maneira de gozar o pouco tempo que vivemos neste mundo. Realizei grandes coisas. Construí casas, plantei vinhas. Cultivei hortas e pomares e plantei toda a espécie de árvores de fruto. Fiz represas de água para fazer verdejar todas essas árvores e plantas. Adquiri escravos e escravas e tive também alguns nascidos em minha casa. Possuí muito mais vacas e ovelhas do que todos os que existiram antes de mim em Jerusalém. Juntei tesouros de prata e ouro, riquezas que antes pertenceram a outros reis e a outros reinos. Tive cantores e cantoras e muitas concubinas, prazeres humanos. Fui mais importante e mais rico do que todos os que existiram antes de mim em Jerusalém. E além disso, a minha sabedoria não me abandonava. Não renunciei a nada daquilo que me agradava, nem deixei de saborear nenhum prazer. Estou contente com tudo o que passei e esta é a recompensa que me ficou. Pus-me a reconsiderar todas as coisas que eu próprio tinha feito e o esforço que me tinham custado. Realmente, é tudo ilusão. É correr atrás do vento! Não há interesse nenhum em andar neste mundo. Isto fez-me reflectir de novo sobre a sabedoria, a loucura e a ignorância. Que pode fazer aquele que sucede a um rei? Só pode fazer aquilo que os outros já fizeram. Vi que, apesar de tudo, a sabedoria vale mais do que a ignorância, tal como a luz vale mais do que as trevas. O sábio tem olhos que vêem, ao passo que o ignorante caminha às escuras. Compreendi também que um destino comum os espera a ambos. E concluí que o destino do ignorante é o que me está reservado a mim também. Então para que me dediquei eu mais à sabedoria? De facto, também isto é uma ilusão. Pois nem do sábio nem do ignorante ficará recordação que dure para sempre. Com o passar dos tempos, tudo se esquece. Tanto morre o sábio como o ignorante. Acabei por perder o gosto pela vida, pois tudo o que tive de passar neste mundo era demasiado duro para mim. Sim, tudo é ilusão. É correr atrás do vento! (…) O melhor que uma pessoa tem é comer e beber e saborear os frutos do seu trabalho. E quanto a isto, já cheguei à conclusão de que é um dom de Deus. Pois quem é que pode comer ou gozar a vida, sem a sua ajuda? Deus dá sabedoria, conhecimento e alegria aos bons. Aos maus, porém, Deus destina a tarefa de produzirem e de acumularem bens, que depois vai distribuir aos bons. Também isto é ilusão. É correr atrás do vento!”
(Rei Salomão, in A Bíblia Sagrada, Versão: "A Boa Nova em Português Corrente, Eclesiastes 1:1-8 ; 12-18 ; 2:1-17 ; 24-26").