«Interrogado o régulo declarou que êle nunca se submeteria, porque êle odiava os brancos; que tinha mandado sempre 500 homens a cada combate que tinha havido e que enquanto êle fosse vivo e houvesse um papel de Biombo haviam de fazer guerra ao Govêrno e que se morresse, e lá no outro mundo encontrasse brancos, lhes havia de fazer guerra. Disse que se considerava o mais valente de todos os régulos porque não tinha fugido da sua terra, pois queria ali morrer (…)»
Declaração do Rei de Biombo KANANDÉ, relatada por João Teixeira Pinto, colhida no interrogatório que se seguia à sua captura em 20 de Julho de 1914. Citado pelo Prof. Doutor Emílio Kafft Kosta, in Estado de Direito (O Paradigma Zero: Entre Lipoaspiração e Dispensabilidade), Pág. 169, Almedina, Coimbra, 2007.
Há três semanas atrás, o chefe de
Estado-maior das Forças Armadas da Guiné-Bissau proferiu um discurso (que não
passa de mais um autêntico disparate sem precedentes) quase similar com o do régulo supra mencionado (embora provavelmente sem
o saber), com uma única diferença: o régulo Kanandé estava a lutar contra os
brancos a favor do seu povo, opondo-se duramente à campanha de conquista e de pacificação
levado a cabo pelas forças armadas Portuguesas com vista a efectivar a sua
colonização na Guiné-Bissau; contrariamente, o Chefe de Estado-maior luta
contra os seus patrícios, defendendo estritamente obscuros interesses, seus e
da sua etnia, a balanta.
Não obstante a força que Kanandé
julgava possuir perante os seus adversários, foi, infelizmente, capturado,
humilhado e posteriormente morto pelos colonistas portugueses. Não desejo tal
sorte ao nosso actual Chefe de Estado-maior das Forças Armadas, mas o seu
discurso dá entender um prenúncio da sua captura. Aquelas pessoas que estavam
com ele na sala a aplaudi-lo vivamente são, neste momento, o seu núcleo duro de
protecção; não tenho margem para dúvidas de que serão as mesmas pessoas que num
futuro breve vão ser o seu carrasco. A história da Guiné-Bissau está repleta
disso desde a sua génesis. E só tem a ganhar quem sabe dela tirar um bom
proveito, que não é o caso dos nossos incapacitados militares e políticos em
geral.
Deixo aqui alguns excertos, do
discurso do Chefe de Estado-maior da Forças Armadas da Guiné-Bissau, para
fazer a comparação com o de Kanandé:
– (...) Eu jamais me demitirei, os americanos terão de vir prender-me aqui porque eles costumam prender-nos aqui na nossa terra por sermos Balantas e nós é que prejudicamos a Guiné. Há-de chegar a hora em que serei demitido legalmente por um presidente eleito, porque a função não é casa do meu pai, nem Encheia nem Mpotche. Nem fui nomeado aqui para ser eterno. Eu não sou mudo, eu oiço dizer que não sou esperto – como posso não ser esperto enquanto fiz a academia? Sabeis quantos anos eu fiz em Cuba? Eu regressei de lá com um diploma vermelho. Conheço muito a tropa e em Cuba falou-se comigo em língua espanhola. Noutro dia, eu ouvi dizer ‘aquela etnia analfabeta que se apoderou do poder’. Alguém ligou para a Rádio Sol Mansi, a amaldiçoada que já não é política, mas de traição. Alguém ligou para lá a dizer ‘enquanto aquela gente não sair’ essa é apelidação que nos dão agora. Mas, desta vez, nós vamos mostrar-lhes o seu lugar. (…) Hoje, na educação, se você tiver os nomes de Mbana e Ndafa, nunca poderá conseguir uma bolsa de estudos mesmo neste governo, sobretudo no tempo de Vicente Pungura. Eles começaram a matar-nos politicamente. Há muita falta de respeito na Guiné Bissau. Quando eu ouço isso pela rádio eu fico a rir a inocência da Guiné Bissau e fico a dizer também, se a Guiné Bissau soubesse o que é a inter-arma, é lá onde eu vou apanhar os americanos. Todos se calaram e ficaram a aguardar o dia em que eu serei detido. Mas eu vos digo publicamente que ninguém me vai prender com as suas mãos. Eu matar-me-ei. Eu odeio brancos e pessoas de pele clara, porque eu sei como é que mataram o meu pai no início da luta sob os meus olhares, e depois impediram que o seu corpo tivesse sepultado e foi totalmente consumido por aves de rapina…”