«Então há os
teólogos, grupo notavelmente arrogante e melindroso. […] Eles interpretam os
mistérios ocultos como lhes convém: como o mundo foi criado e planejado; por
que canais a mancha do pecado infiltrou-se na posteridade; de que maneira, em
que medida e em quanto tempo Cristo foi formado no ventre de Maria; como, na
Eucaristia, os acidentes podem subsistir sem lugar estabelecido. Mas esses
tipos de questões têm sido discutidos exaustivamente. Há outros tópicos mais
dignos de teólogos importantes e iluminados (como chamam a si mesmos), que
podem realmente incitá-los à acção se forem enfrentados. Qual foi o momento
exato da geração divina? Há diversas filiações em Cristo? É uma proposição
plausível que Deus Pai pudesse odiar seu Filho? Poderia Deus ter tomado a forma
de uma mulher, de um demónio, de um burro, de uma abóbora ou de pederneira?
Nesse caso, como uma abóbora poderia ter pregado sermões, realizado milagres e
sido pregado na cruz? E o que Pedro teria consagrado se o tivesse feito quando
o corpo de Cristo ainda estava na cruz? E mais, Cristo poderia ao mesmo tempo
ter sido chamado de homem? Teremos permissão de comer e beber após a
ressurreição? Estamos tomando as devidas precauções contra a fome e a sede
enquanto há tempo. Estes sutis refinamentos de minucias tornam-se ainda mais
sutis mediante todas as diferentes linhas de argumentos escolástico, tanto que
você sairia mais facilmente de um labirinto do que das tortuosas obscuridades
dos realistas, nominalistas, tomistas, albertistas, occamistas e scotistas - e
não mencionei todas as divisões, somente as principais».
(Erasmo de
Roterdão, citado por Timothy George, in “Teologia dos Reformadores”, p. 49,
Vida Nova, São Paulo, 2004).