«Marco,
meu filho, por já ter, no livro precedente, explicando o suficiente acerca da
maneira como os deveres se fundamentam, a saber: Naquilo que é honesto e, de
modo particular, em cada uma das virtudes; seguidamente, é meu desejo falar
acerca das diversas classes de deveres, as quais dizem respeito a
uma vida civilizada bem como à disponibilidade daquelas coisas – riquezas,
haveres e meios de influência – que para os homens são de grande utilidade.
Segundo afirmei anteriormente, constitui nosso dever indagar acerca daquilo que
é útil e aquilo que não é útil e, depois, investigar acerca daquilo que é mais
útil, entre as várias circunstâncias relativas à questão da utilidade. Acerca
destas questões será meu empenho prosseguir com a sua discussão; antes, porém,
cabe-me alguma coisa dizer, em primeiro lugar, acerca deste projecto bem como,
ainda, sobre a minha posição filosófica.
Não obstante terem os meus livros em
algumas pessoas despertado o gosto tanto pela história como pela escrita
também, receio, no entanto, que para alguns homens de bem o nome da filosofia
constitua, todavia, um alvo de hostilidade e que se admirem com o facto de a
ela dedicar tanto tempo e com ela despender tanto esforço. Pelo que me diz
respeito, quando a república era governada por homens a quem ela mesma se havia
confiado, a ela dediquei eu, contudo, todo o meu empenho e todo o meu
pensamento. Mas, eis que tudo ficava sob o domínio de um único homem, deixando
assim de existir espaço para se poder consultar ou invocar a autoridade moral;
por fim, perdi eu os meus aliados, homens de grande excelência, quando tentava
salvar a república. Não me entreguei ao desespero, ele que me teria, a mim,
consumido, não tivesse eu a ele resistido, nem tão pouco me afundei eu, ao
contrário, em prazeres pouco dignos de um homem cultivado. (…) A sabedoria,
segundo a definição dos filósofos de antigamente, é o conhecimento não só de
tudo aquilo que é divino e humano como também das causas que os determinam. Se
alguém despreza essa busca, jamais coisa alguma a merecer estima poderá
existir.»
(Filósofo
Cícero, in “Dos Deveres [De Offciis], pág. 77, 78, Edições 70, Lisboa, 2000).