Faz hoje
precisamente 20 anos que alguns insubordinados militares guineenses,
coadjuvados por politiqueiros que grassam na nossa praça pública, fizeram a
sublevação militar que ceifou prematuramente a vida de inúmeras pessoas,
deixando sequelas indeléveis e rastos de destruição que ainda hoje se
repercutem negativamente na vida quotidiana da generalidade dos guineenses. 7
de Junho de 1998 ficará definitivamente registado nos anais da História da
Guiné-Bissau como uma data funesta, que contribuiu decisivamente para agravar o
elevado índice de pobreza e de mortalidade que já vinham afectando drasticamente
o nosso ostracizado povo.
Apesar do
despotismo político-governativo implementado por João Bernardo Vieira (Nino) ao
longo dos anos no país era, de todo, dispensável a hedionda guerra civil. Não
fazia qualquer tipo de sentido. Foi uma opção irresponsável e errada por parte
dos nossos militares e políticos, tal como os anos subsequentes vieram
manifestamente a confirmar. A classe castrense imbuída pelos seus obscuros interesses – como sempre – decidiu enveredar unilateralmente pelo
caminho da violência armada sem, no entanto, dispor de uma agenda republicana e
alternativa política credível para dinamizar e fazer definitivamente avançar o país. Usurparam o poder pela
força e locupletaram-se ilicitamente, fazendo escandalosamente no curto espaço
do tempo pior do que o regime anterior tinha feito.
Eis, em suma, de forma abreviada, a penosa receita da guerra 7 de Junho de 1998: a mortandade
sem precedentes, o anarquismo absoluto, o esvaziamento do poder e autoritarismo
governativo, a corrupção generalizada dentro e fora do aparelho do Estado, a
promiscuidade, o nepotismo e impunidade dos actores políticos, tremendas desigualdades sociais, miséria galopante,
nulidade das instituições do país, o abuso de poder, a inexistência de classes
sociais e o triunfo da mediocridade em todos os sectores e domínios da Res Publica. Retrocedemos, como se pode ver, a todos os
níveis. Perdemos literalmente tudo, inclusive a estabilidade, o sossego e a esperança média de vida. Ficamos cada vez mais vulneráveis, sem qualquer tipo de benefício concreto para
o povo guineense, e com agravantes preocupantes que tudo isto representa do ponto de vista humano-social. Nascemos pobres e morremos miseráveis. Tudo o que incorpora
as injustiças recaíram tragicamente sobre nós. Somos, por assim dizer, parentes
pobres da má sorte.
Quero, antes de terminar, do
fundo do meu coração, prestar uma singela homenagem a todos os guineenses e não
guineenses que tombaram nesta fratricida guerra, bem como aos que foram
prejudicados por ela e continuam ainda hoje a carregar o enorme fardo dos seus
efeitos colaterais. Agradeço profundamente ao meu Eterno e Todo-Poderoso DEUS
por me ter poupado a vida, juntamente com toda a minha família e amigos[1].
DEUS seja eternamente louvado!
[1] Ficámos em Bissau, a título de
exemplo, nos momentos mais intensos e críticos da guerra, nomeadamente a
violação do cessar-fogo de 31 de Janeiro do ano seguinte e posteriormente o
massacre perpetrado deliberadamente no campo eclesiástico do CIFAB, que acolhia muitas pessoas, aquando da tomada de Bissau e o triunfo
final dos rebeldes da Junta Militar sobre o governo. Foram lançadas ali quatro
bombas. Três delas caíram literalmente em cima dos inofensivos refugiados,
matando um número bastante significativo de pessoas. Eu e parte considerável da
minha família estávamos abrigados no referido local da Igreja Católica.
Presenciámos todo este horror humano – para não falar de outras flagrantes
situações em que nos encontrávamos mesmo perante “o vale da sombra da morte”.
Mesmo assim, pela maravilhosa graça do nosso Bom DEUS, nenhum mal nos aconteceu,
confirmando assim a célebre afirmação bíblica que expressamente diz: “muitas
são as aflições do justo, mas o Senhor o livra de todas” [Salmos 34:19]. O
SENHOR, de facto, protegeu-nos e livrou-nos da morte certa que se teria abatido
sobre nós no decorrer da guerra. Por isso, estou-Lhe penhoradamente grato por
tudo o que fez por mim e pela minha família e amigos. DEUS obrigado. Muitíssimo obrigado pela permanente ajuda e protecção.