Faz hoje 32 anos que a minha queridíssima mãe Anjeipo Có morreu. Foi precisamente no dia como o de hoje que ela morreu. Morreu repentina e prematuramente para surpresa de todos nós – os seus filhos, familiares e amigos. Morreu deste mundo da mentira para se encontrar com o mundo da eterna verdade. Morreu seguramente contrariada por saber que ia deixar órfãos e desprotegidos os seus sete amados filhos neste mundo discriminatório, hostil e injusto. Morreu sem que a sua previsão clínica apontasse nesse sentido funesto. Foi tudo surpreendente, rápido, inconcebível, pesaroso e completamente trágico.
A minha querida mãe Anjeipo Có morreu bastante nova. Tinha na altura, aquando da sua morte, apenas 48 anos de idade. Se estivesse ainda viva hoje teria 80 anos de idade. Morreu deixando muitas coisas por viver e por realizar. Não chegou a vislumbrar a emancipação e afirmação dos seus filhos e filhas, que ela tanto se orgulhava. Filhos e filhas estes que, graças a DEUS, se tornaram homens e mulheres responsáveis na sociedade, sendo pais e mães de muitos filhos. Não chegou a conhecer parte significativa dos seus netos e nenhum dos bisnetos. Se ela estivesse ainda viva connosco sentir-se-ia imensamente feliz pela numerosa família que teria. Estaria cercada de muitos mimos, abraços, amor e protecção dos filhos, netos e bisnetos. Ela recebia estas manifestações de amor e, simultaneamente, sem dúvida, devolvia-as com maiores proporções como costumava sempre fazer quando estava ainda viva connosco. Infelizmente, por força do destino, a minha mãe partiu precedentemente sem poder presenciar tudo isto.
A minha querida mãe Anjeipo Có não teve uma vida fácil. Viveu sempre de grandes contradições e contrariedades até ao fim da sua curta vida. Atravessou, ao longo de toda a sua vida, batalhas espantosas sem vergar-se perante elas. As coisas agravaram-se ainda mais para ela com a morte do meu pai, Jorge Vieira, em 1987, ficando ela sozinha como responsável pela nossa educação e formação. Não foi nada fácil para ela, enquanto viúva, arcar sozinha com tamanha responsabilidade de cuidar de todos nós. Mesmo assim, procurou na medida do possível dar prosseguimento ao legado nobre do meu pai. Ela foi determinada neste simultâneo papel de mãe e pai para connosco até a morte. Foi solitária e viveu solitariamente os seus dilemas e grandes desafios da vida, sem poder partilhá-los com os outros, até ao fim dos seus dias. E assim foi, infelizmente.
No dia 01 de Novembro de 1992, contra todas as evidencias e prognósticos, a minha querida mãe Anjeipo Có morreu. A partir dessa funesta data, eu e os meus irmãos, ficámos definitivamente órfãos, pobres, desventurados e desamparados no mundo. Perdemos, com o desaparecimento físico dela, o núcleo fundamental e suporte insubstituível e irreparável da nossa família. Nada nesta transitória vida poderá preencher o incomensurável vazio e a falta que ela vai sempre fazendo durante todo o nosso percurso terreno neste “vale de lágrimas”. Perdemos tudo e estamos praticamente sozinhos no mundo.
Não temos, desde muito cedo, a legítima proteção dos nossos progenitores, com as profundas mazelas que tudo isto representa no nosso crescimento e equilíbrio humano-emocional. Tivemos de crescer “fora do tempo”. Ganhar cedo o juízo e a noção de responsabilidade. Aprender, acima de tudo, a conviver com as injustiças, o abuso, a discriminação e toda a sorte de arbitrariedades que somente uma pessoa órfã conhece tão perfeitamente.
Ter uma mãe viva e presente é das melhores preciosidades que uma pessoa pode ter nesta vida. Tanto que, por esta razão, para vincar esta grande verdade antropológica, diz a sabedoria popular: “quem tem uma mãe tem tudo, quem não tem mãe não tem nada”. E, de facto, eu e os meus irmãos já não temos uma das maiores e melhores preciosidades que um ser humano pode ter nesta vida. Mesmo assim, temos connosco o Todo-Poderoso DEUS que defende a nossa causa, orientando-nos e suprindo todas as nossas necessidades (Dt 10:18; Sl 146:9), bem como a maravilhosa família que ainda nos resta.
Cientes da nossa limitada condição de orfandade, continuaremos a ornamentarmo-nos com a herança que recebemos dos nossos progenitores. Procurar ser coerentes com a nobre educação que humildemente nos confiaram, isto é, de nunca renegarmos aquilo que é o nosso substrato identitário e afirmarmo-nos na sociedade como homens e mulheres de bem. Só assim poderemos, de forma vigorosa, perpetuar a memória dos nossos queridos pais.
A minha querida mãe Anjeipo Có morreu precocemente num dia como o de hoje, para tamanha infelicidade de todos nós. Resta-nos agora, como filhos dela, recordá-la com a mesma saudade de sempre: da mulher guerreira que ela foi e representa para a nossa família, bem como transmitir isso aos nossos filhos, netos, bisnetos e por aí fora.
A mesma saudade de sempre, minha querida eterna mãezinha Anjeipo Có! “O Senhor o deu, e o Senhor o tomou: bendito seja o nome do Senhor” (Jb 1:21). Que assim seja.