Somos Todos um Bocado Saúl Dias


Que horas são? O meu relógio está parado, 
Há quanto tempo!... 
Que pena o meu relógio estar parado 
E eu não poder marcar esta hora extraordinária!
 Hora em que o sonho ascende, lento, muito lento, 
Hora som de violino a expirar... 
Hora vária, Hora sombra alongada de convento... 

 Hora feita de nostalgia 
Dos degredados... 
Hora dos abandonados 
E dos que o tédio abate sem cessar... 
Hora dos que nunca tiveram alegria, 
Hora dos que cismam noite e dia, 
Hora dos que morrem sem amar...

 Hora em que os doentes de corpo e alma, 
Pedem ao Senhor para os sarar... 
Hora de febre e de calma, 
Hora em que morre o sol e nasce o luar... 
Hora em que os pinheiros pela encosta acima, 
São monges a rezar... 

 Hora irmã da caridade 
Que dá remédio aos que o não têm...
 Hora saudade... 
Hora dos Pedro Sem... 
Hora dos que choram por não ter vivido, 
Hora dos que vivem a chorar alguém... 

 Hora dos que têm um sonho águia mas... ai!
 Águia sem asas para voar... 
Hora dos que não têm mãe nem pai 
E dos que não têm um berço p'ra embalar...
 Hora dos que passam por este mundo, 
De olhos fechados, a sonhar... 

Hora de sonhos... A minha hora
 - 'Stertor's de sol, vagidos de luar -
 Mas... ai! a lua lá vem agora... 
- Senhora lua, minha senhora, 
Mais um minuto para a minha hora, 
Mais um minuto para sonhar...

(Poeta Português Saúl Dias (Júlio Maria dos Reis Pereira), in "Dispersos (Primeiros Poemas)".