Arte de Amar, de Ovídio


«Mas tu, se alguma preocupação tens de conservar a tua amada,

faz com que pense estares espantado com a sua beleza:
se vestir a púrpura de Tiro, louva os mantos de púrpura de Tiro;
se vestir tecidos de Cós, considera que os tecidos de Cós lhe ficam bem;
enfeita-se de ouro? Tem-na por mais preciosa que o próprio ouro;
se enverga um manto, aplaude o manto que escolheu;
se apenas usar uma túnica, grita-lhe: “ateias-me labaredas”,
mas, com voz assustada, pede-lhe que tenha cuidado com o frio;
usa um penteado de risco ao meio? Louva-lhe o risco ao meio;
frisou o cabelo com ferro em brasa? Cabelo frisado, és do meu agrado!
Admira-lhe os braços quando dança, a voz quando canta,
e, quando parar, solta palavras de queixumes.
O próprio amor entre os corpos, aquilo mesmo que te dá prazer, é-te consentido
celebrá-lo e os prazeres que experimenta no segredo da noite.
Ainda que tenhas mostrado mais furor que a terrível Medusa,
há-de tornar-se doce e simpática para com o seu amante.
Tem, apenas, o cuidado de não dares mostras de fingimento nas tuas palavras,
e não deites a perder, com o teu semblante, tudo quanto disseste;
é útil a arte, se for camuflada; quando descoberta, traz consigo a vergonha
e, com razão, faz desaparecer, para sempre, a confiança». 


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(Poeta Romano Ovídeo, Trad. Carlos Ascenso André, Lisboa, Livros Cotovia, editora, 2006, Pg. 64 do Livro II).