Já lá vão 23 de Janeiro de 1963, em que os combatentes
guineenses, liderados pelo Engenheiro Amílcar Lopes Cabral, desencadearam uma
forte ofensiva militar contra as colunas portuguesas no sul do país, sob
comando do quartel de Titi, com o pretexto de erradicar definitivamente toda a
dominação e exploração colonial do regime imperial que reinava no país há mais
de cinco séculos. Luta essa, que se prolongou durante 11 anos consecutivos, e
que só veio culminar, felizmente, com a proclamação unilateral da Independência
nacional pelo Partido Africano para a Independente da Guiné e
Cabo-verde (PAIGC), no dia 24 de Setembro de 1973, na cidade de Medina
de Boé, pelo então Comandante das Forças Armadas, João Bernardo Vieira, vulgo Nino; e
reconhecida posteriormente (um ano depois) pelo Estado Português e toda a Comunidade
Internacional.
Perante a referida guerra que marcou decisivamente a vida de
milhares dos nossos Antigos Combatentes e o povo guineense em geral, importa
tecer algumas reflexões concernente ao estado do país pré e pós luta de
libertação nacional e, sobretudo, no que toca ao impacto significativo que essa
opção política teve no processo de reconstrução da Guiné-Bissau como um Estado
soberano na condução do seu destino político.
Tal como já tive a oportunidade de manifestar publicamente
neste espaço, considero desvantajoso e uma opção política completamente errada
o facto de Amílcar Lopes Cabral, ter conduzido a Guiné-Bissau, para uma guerra
colonial, uma vez que os ideais que motivaram a referida
guerra, acabaram por tornar inexequível (desde logo, o insucesso da
unidade de dois povos, que fora bastantemente apregoado no início da luta, que
nunca chegou de se concretizar na prática), contrariamente, o cenário que
assistimos - nomeadamente por parte da Guiné-Bissau - é de total incapacidade
governativa e um retrocesso abismal que o país se mergulhou ao longo dos
tempos, com consequências penosas na vida de todos nós, guineenses.
Dito por outras palavras, todos os valores defendidos na
defesa da luta de libertação nacional no sentido de devolver os guineenses a
liberdade plena, a cidadania, a dignidade e o progresso que o povo tanto
almejou na altura e continua almejar incansavelmente acabaram por revelar-se um autêntico
fracasso, fazendo com que o país se tornasse palco
de espectáculos degradantes, que se traduzem em ciclos viciosos de
tremendas violações de Direitos Humanos,
motivados por ambições individualistas, daqueles que um dia ousaram
apropriar-se dignamente do bom nome do povo guineense, para se autopromoverem e
enriquecerem à sua custa.
A meu ver, a questão da colonização dos portugueses na
Guiné-Bissau, era tudo uma questão de tempo, ou seja, mais cedo ou mais tarde, Portugal
não teria outra opção se não abandonar o nosso país e, consequentemente,
conceder-nos a independência nacional (a título exemplificativo da nossa afirmação:
neste momento em África, só há praticamente uma região que vive sob
protectorado francês, Reunião (Ilha); mas com o consentimento
pleno do povo). E fazia todo sentido que sofrêssemos mais um pouco e tomássemos
a nossa independência sem qualquer tipo de derramamento de sangue, mas sim, de
uma forma ordeira, pacífica, justa. Até porque o país já estava sob o domínio
português há mais de cinco séculos, pelo que, esperar mais umas dezenas ou
alguns anos, não criaria certamente enormes transtornos, tal como a luta de
libertação nacional acabou por criar, reflectindo os seus efeitos nefastos na
vida dos guineenses até aos dias de hoje.
Digo isto, convictamente, porque estavam em curso em
Portugal algumas pressões políticas, do ponto de vista interno e externo, que o
governo de Salazar vinha confrontando diariamente. Aqui, havia quase uma total
unanimidade perante as potências europeias no que toca ao “Princípio de
Autodeterminação dos Povos" consagrado na Carta das
Nações Unidas (nesta altura, em 1963, Inglaterra e França já
haviam perdidos a maioria das suas colónias em África, bem como as grandes
potências mundiais como a União Soviética (URSS), Alemanha, China - sem
praticamente colónias - estavam na linha da frente para que se acabasse de vez
com a colonização dos povos. Do ponto de vista interno, existia um certo
descontentamento na maioria dos sectores de Portugal, para com o regime de Salazar, o Estado
Novo, e uma ânsia maior por parte da população portuguesa em aderir à Democracia
Participativa [em sentido pleno da acepção], tal como outros
bem-sucedidos países europeus. Todos estes factores, acabariam por condicionar
decisivamente a política externa portuguesa e, em consequência disso, a
libertação total dos países colonizados.
Passados estes anos todos da independência do país,
pergunto: Onde é que estão os valores defendidos na luta de libertação
nacional? Será que os guineenses podem-se orgulhar da data de 23 de Janeiro de
1963? Podemos considerar que temos a Verdadeira Paz, a Liberdade em sentido Pleno, a Democracia, a Dignidade que
tanto motivaram a referida guerra? Os seus Ideais estão a ser prosseguidos? Será
que temos alguma credibilidade do ponto de vista Internacional? Como é que
somos vistos hoje no mundo? Valeu mesmo a pena, termos tomado a nossa independência
da forma como foi? A vida dos guineenses mudou em alguma coisa com todo este
árduo sacrifício feito? Infelizmente, as respostas destas perguntas, não podiam ser mais do que negativas, por razões várias, que já vou pormenorizar de
seguida.
De facto a conclusão a que podemos chegar com a luta de
libertação nacional, é a seguinte: o povo guineense foi astutamente
enganado por oportunistas frustrados com a condição de vida de miséria que
dispunham; e que lutaram única e exclusivamente pelos seus insaciáveis
caprichos, enganaram o povo guineense que estavam a lutar pela causa nacional
do nosso país.
Não é preciso ser douto em ciência política para reconhecer
esta grande verdade; basta pensarmos nos males e sérios males, que a maioria
dos ditos Antigos Combatentes e os políticos em geral causaram à Guiné-Bissau e
ao nosso povo em particular, para compreendermos que de facto estas pessoas
nunca pensaram na causa do país, pensaram sim, nos seus próprios interesses e
dos seus familiares.
E mais: acresce ainda o facto de o país ter mergulhado numa
crise sociopolítica profunda sem precedentes logo no período de
pós-independência, persistindo até aos dias de hoje, através de ajustes de
contas, que, por exemplo, envolvem os diversos assassinatos de pessoas e
de altas figuras públicas dos sucessivos governos do país, consubstanciando
flagrantes violações dos Direitos Humanos.
E, diante de tudo que ficou dito, volto novamente a
interrogar: para que serve então a nossa luta da libertação nacional? Para
lutarmos e continuarmos pior, tal como nos encontramos agora? Certamente que a
resposta é não. Partindo deste entendimento, razão pela qual, jamais
apoiaria a maldita luta colonial, uma vez que morreram injustamente muitos
guineenses, sem no entanto, nada ter sido feito para compensar o sangue
derramado, desde logo através de uma prática de boa governação, em prol do
desenvolvimento sustentável do nosso país, isto é, honrar os verdadeiros
mártires da pátria que tombaram injustamente na defesa da Guiné-Bissau.
Como contra-argumentos, alguns me dirão (como já pude
constatar em várias ocasiões nos intensos debates que tenho travado com
alguns guineenses sobre o mesmo assunto), que, esse processo que a
Guiné-Bissau está a atravessar faz parte do percurso "natural" dos
países. Não concordo minimamente com esse entendimento, visto que o que
se passa no nosso país, ultrapassa todos os limites, daquilo que podemos
considerar “fases normais” que é comum a muitos outros países,
que tiveram a mesma infelicidade de ter que passar por este percurso
difícil da consolidação do seu Estado de Direito Democrático. Temos
várias alternativas, de trilhar um caminho credível de desenvolvimento, sem no
entanto, ter estes sobressaltos político-governativos em que estamos amarrados.
Vejamos a título de exemplo: se virmos os ratings da Organização
das Nações Unidas (ONU), a Guiné-Bissau, consta sempre nos relatórios dessa
instituição internacional em última posição e figura ainda nos cinco países
mais pobres do mundo, com um elevado índice de analfabetismo e mortalidade
infantil, para não falar da pouca esperança média de vida para os seus
cidadãos. Se isso que são “fases” que alguns consideram “natural” para
a Guiné-Bissau, então vivo num mundo totalmente diferente, porque jamais me
conformarei com estas péssimas evidências para o nosso país.
Julgo ainda que a resistência feita para a nossa
independência, não precisava categoricamente ser através de uma luta armada.
Acredito profundamente que, podíamos tomar a nossa independência
através de uma resistência pacífica, contrariamente da grosseira mentira que
fora difundida pelo PAIGC, que havia total impossibilidade da
resistência ser feita por meios pacíficos. Isto não corresponde à mínima verdade, tendo em conta que a Guiné-Bissau, tinha outros exemplos muito
bem-sucedidos em África de países que conseguiram tomar as suas independências,
sem necessitarem de recorrer à via armada para tal. Os exemplos mais perto de
nós, são o de Senegal e a Guiné-Conacri, que tiveram as suas independências por
via negocial/diplomática, e por aí fora...
Vendo à realidade política actual na Guiné-Bissau, não tenho
a mínima dúvida que levaremos ainda muito tempo para superar as profundas
sequelas deixadas pela guerra colonial e mais tarde pela guerra civil de 7 de
Junho de 1998 (que dizimaram milhares de vidas ao povo guineense), uma vez que
há ainda um clima de ódio e de vingança que paira em todos os sectores do país - quer da sociedade civil, dos partidos políticos, dos militares, dos
governantes etc -, que vai continuar a perseguir-nos enquanto não pararmos para
auto-avaliar sabiamente a nossa condição como um povo que somos, e pôr
interesses do país acima de qualquer outro tipo de interesse, jamais
experimentaremos a verdadeira paz, a reconciliação e nem tão pouco o
desenvolvimento nacional que a maioria dos guineenses tanto desejam
incansavelmente.
Perante tudo que ficou dito, quero lembrar sem excepção, no
fundo do meu coração, todos os guineenses que lutaram e morreram injustamente
na guerra colonial, bem como na guerra civil de 7 de Junho de 1998,
contando com aqueles que infelizmente foram vitimados ou traídos em vários
domínios pelo sistema corrupto e autoritário que vigora no nosso país ao
longo dos tempos, que possam de facto alcançar a misericórdia e a Justiça
Divina.
Espero de facto que DEUS abençoe grandemente a
Guiné-Bissau, e que possa levantar mulheres e homens valentes, com senso
patriótico, com vista a fazê-lo prosperar/avançar em todos os domínios, para o
bem-estar de todos nós, os guineenses. Este é meu sincero e ardente desejo para
com o meu amado país, a Guiné-Bissau.