A Piroga Fantasma (7): Humilhados e Ofendidos


«Jurei, sobre o altar de Deus, eterna hostilidade contra todas as formas de tirania sobre o espírito do Homem». 

(Thomas Jefferson, citado pelo Professor Doutor Jónatas E. M. Machado, in Liberdade de Expressão [Dimensões Constitucionais da Esfera Pública no Sistema Social, Pág. 9, Coimbra Editora, 2002).


Desde a sua génesis a história do povo Guineense foi reiteradamente caracterizada pelo esmagamento metódico a todos os níveis, principalmente do ponto de vista sociopolítico, persistindo esta triste realidade até aos nossos dias pelos espíritos tacanhos que sucessivamente tiveram um papel de relevo no destino da nação. 

Não é novidade para ninguém que o povo Guineense foi sempre governado por líderes déspotas, que se limitam ao longo dos tempos a reduzi-lo a um servilismo atroz e de complexidades, infligindo-lhe duramente toda a sorte de flagelos humano-sociais com todas as suas agravantes e nefastas consequências. 

Por isso não me espanta em nada, e jamais me espantará – embora com imensa dor e tristeza no meu coração – quando vejo os urubus políticos que temos actualmente no País a lutarem incansavelmente – às vezes indo até ao ponto extremo da vileza moral, sacrificando a vida do próximo como já tem acontecido em inúmeras ocasiões – com o único intuito de conseguirem protagonismo nacional e uma parcela de poleiro governativo para se poderem afirmar momentaneamente as suas egocêntricas ambições e, com isso, elevar a sua auto-estima de pigmeuzinhos políticos que são. 

Também não me espanta em nada, e jamais me espantará – embora com a imensa dor e tristeza no meu coração – quando vejo o declínio político-moral a que a Guiné-Bissau está confinada no seu impingido muro da ignorância, imperando sobretudo a lei do mais forte em detrimento do mais fraco – di kin ku ka mama pá i sinta! – e, assim, de forma manifesta, a Força vai-se sobrepondo ao Direito, o Interesse à Verdade, o Dinheiro à Consciência, tudo isto se consubstanciando, em termos práticos, numa tamanha violação de Direitos Humanos sem precedentes, designadamente em nepotismo, intimidação, censuras, arbitrariedades, traições, espancamentos, golpes de estados ininterruptos, execuções sumárias, crimes de várias ordens, etc. 

Também não me espanta em nada, e jamais me espantará – embora com a imensa dor e tristeza no meu coração – quando vejo o vexame a que a Guiné-Bissau se encontra sujeita na arena internacional, sendo inclusive apelidado como um narco-estado ou Estado falhado, tomado pelos patifes políticos, com o conluio dos malditos e insubordinados militares (pessoas que estão completamente desprovidas de uma holística visão política consistente para o desenvolvimento sustentável do País), mas que tudo fazem para se agarrar ao poder e perpetuar nele, ignorando todas as evidências em sentido contrário e o gritante sofrimento do povo. 

Não obstante este patente cenário desolador aos olhos de todos nós, Guineenses, não se vislumbra ainda nenhuma postura de resiliência por parte da sociedade em geral para inverter os tais maléficos vícios que nos direccionam cada vez mais para um abismo social irreversível. Que triste realidade a nossa! 

A chave da resolução de toda essa cíclica praga nacional passa acima de tudo em mudar aquilo que deve ser mudado, tendo como finalidade última superar, de forma rápida, este opróbrio nacional. É impreterível – com carácter de urgência – uma conjugação de esforço adicional e boa vontade de todas as forças vivas no País, inclusive as latentes, para uma revolução comportamental; revolução sem armas, sem ódio e muito menos de vingança; mas sim de amor, de compreensão, de perdão, de justiça e de espírito de entreajuda uns pelos outros. Revolução que deve ser revestida de um grito profundo de mudança, que nas sábias palavras de Francisco de Assis, "não deixa o juízo apodrecer. Face à passividade, à indiferença e à inacção, perante o abuso, o excesso, a insensibilidade e o despudor dos que, podendo, nada fazem; quando tudo é relativo e cinzento e nada importa, nada muda, precisamos urgentemente de um grito; com o risco da loucura, pela ruptura diferencial que comporta" (Professor Doutor Eduardo Vera-Cruz Pinto, in Curso Livre de Ética e Filosofia do Direito, Pág. 9, Principia, Cascais, 2010).