Adeus ao Nosso Grande e Estimado Eusébio!


Lisboa,
Hospital da C.U.F.
Dezembro de 1960



 «Aqui estou neste Hospital depois de operação que há dias me fizeram. Espero que hei-de ficar bom depressa. Deus há-de-me ajudar. 

Desde que vim de Moçambique lembro-me muito da minha mãe. Escrevo-lhe muitas vezes a dar notícias minhas, porque sei que ela gosta de muito de as receber. Eu gosto de lhe dar alegria. No futuro, se as coisas me correrem bem, ela nunca será esquecida. Se eu triunfar no futebol e os jornais vierem a falar de mim e se eu ganhar dinheiro grande, não quero isso para vaidade minha. Quero dar alegria à minha Mãe. Não gosto de ser vaidoso, mas quero que os meus triunfos vão dar gosto à minha Mãe. Ela merece. Fez muito pelos filhos, por mim e pelos meus irmãos. Não esqueço a formação que me deu, para ser um homem bom e honrado. 

A formação cristã que minha Mãe me deu e que recebi também dos padres missionários que estava lá perto da minha terra hão-de ajudar-me muito na minha vida. 

A minha Mãe Elisa é extraordinária. Também quero ajudá-la com o dinheiro que eu ganhar. 

Lembra-se da conversa que tivemos aqui, a pouco, neste quarto de hospital, com o sr. José Travassos que veio também visitar-me? Estávamos só os três. Conversamos muito. O sr. Travassos, que foi grande jogador, foi muito largo nos elogios que me dirigiu. Ouviu aquilo que me disse e que eu não esperava? 

- «O Eusébio, se trabalhar e tiver sempre juízo, pode ir longe no futebol. Já o vi jogar, e digo-lhe que tem qualidades para vir a ser o melhor jogador português de todos os tempos. Aproveite-as, trabalhe e nunca seja vaidoso». 

Isto foi que disse o sr. José Travassos ou querer se amável comigo, lembra-se? Como sou muito novo e estou a começar a minha carreira, naturalmente ele disse aquelas coisas só para me estimular. Mas vou aproveitar o estímulo e vou trabalhar a sério, para vir a ser alguém. Não quero vaidades. Quero ser um homem, e quero dar muitas alegrias à minha Mãe Elisa. (…) Ao que então disse a respeito da mãe, junto agora o novo amor, a mulher com quem casei. 

A vida, a experiência destes 7 anos, ensinaram-me algumas coisas úteis. Tenho viajado muito, visitei muitos países, imensas cidades, convivi com muita gente e aprendi alguma coisa. 

Não sei se o futebol me deverá alguma coisa, mas o que sei é que eu devo muito ao futebol. 

Na vida há sempre dificuldades a vencer e problemas que temos de resolver. Mas resolvem-se quando a nossa vontade é forte. E Deus ajuda sempre…» 

Eusébio da Silva Ferreira 

(António de Azavedo Pires, in O que as Almas são por Dentro [99 Testemunhos], Pág. 218, 219, Lisboa, 1968).