Assinala-se este mês o dia de África. Foi
precisamente no dia 25 de Maio de 1963 que os líderes africanos se reuniram em
Adis Abeba, capital da Etiópia, e fundaram a Organização da Unidade Africana
(OUA), conhecida actualmente como a União Africana (UA). Realmente, este é uma ocasião bastante especial para os africanos repensarem, da melhor forma possível, a
situação vigente no Continente e os desafios presentes de um mundo pós-moderno.
Para compreendermos holisticamente o que
levou ao atraso de África em relação aos outros continentes precisamos, em
primeiro lugar, de recorrer à História a fim de extrairmos os factores
determinantes que condicionaram negativamente o seu retrocesso
económico-social. O primeiro factor tem que ver com o modelo de colonização
europeia. O segundo deve-se à incapacidade dos sucessivos líderes em contornar
a onda de miséria e de pobreza extrema, que assolam drasticamente a vida de milhões de
africanos ao longo dos tempos.
Ora, inicialmente, os europeus entraram em
África pacificamente, sopitando as desconfianças dos nativos, fazendo-lhes crer
que vinham simplesmente fazer comércio. E com o inequívoco apoio de alguns
chefes autóctones, acabaram por se instalar nos seus territórios, reforçando
assim a sua posição dominante. Com efeito, depois de se sentirem fortemente
instalados e seguros, começaram a impor manifestamente as suas dominações,
obrigando ao pagamento de impostos e ao trabalho forçado das populações. Foi
assim que, ao longo de cinco séculos, a África foi devorada, sem precedentes,
pelo domínio imperial europeu, que explorava, a vários níveis, os africanos e
as suas preciosas matérias-primas.
Durante esses cinco séculos de opressão, os
africanos foram insensivelmente negados à sua condição de cidadãos, privados e
destituídos de todos os direitos que mereciam: oprimidos, marginalizados,
explorados e escravizados. Um povo que, desde então, somente experimentou o
sofrimento. Para piorar este cenário da ignomínia, homens e mulheres foram
brutalmente amarrados e vendidos como animais para o continente americano, a
fim de trabalharem nas grandes plantações de canas-de-açúcar, vulgarmente
conhecido como "O Comércio Triangular" ou "Tráfico Negreiro".
Como se estas atrocidades não bastassem,
assiste-se, em pleno século XIX, à divisão arbitrária de África (a maldita "Conferência de Berlim"!), sem respeitar as fronteiras naturais, as realidades
sociopolíticas, bem como as estruturas etnográficas. Esta profunda divisão
teve, infelizmente, impactos e consequências nefastas para o continente: provocou uma
ruptura profunda entre as miscigenadas populações, que ainda hoje se
repercutem negativamente no seio dos africanos, nomeadamente o não
reconhecimento de uma etnia em relação à outra e outras vicissitudes
supervenientes que enfermam as relações entre os povos africanos. Por isso, a
Europa jamais deixará de ser visceralmente responsabilizada como co-autora da
patente instabilidade política que ainda hoje reina em África, que se deve, na
maior parte, às razões acabadas de se mencionar (LER).
Sucedeu, no entanto, que, nos finais dos
anos 40, surgiram grandes Pan-africanistas e tantos outros valentes homens e
mulheres, que reivindicaram ideais nobres para África. Lutaram incansavelmente
no sentido de devolver a Liberdade, a Soberania e a Dignidade aos nativos do
continente. Mesmo sabendo que as suas vidas podiam ser postas em causa, tiveram
a ousadia e suficiente coragem de confrontar a realidade tal como ela é,
defendendo os africanos até às últimas consequências. Muitos deles, por razões
várias, foram brutalmente assassinados pelos colonialistas europeus: mesmo
neste hostil contexto de intimidação, conseguiram fazer valer heroicamente as
suas legítimas pretensões. Graças a DEUS, depois de tantos anos de vexames,
sofrimentos, perseguições e de intensas lutas, África acabou por se tornar um
Continente livre de dominação colonial.
Partindo da verdade exposta, na qualidade de
africano, é revoltante ver a gritante miséria e o sofrimento generalizado com
que os nossos povos irmãos continuam ainda hoje a serem confrontados no seu
quotidiano. Condenados a viverem na fome e na pobreza extrema, sem qualquer
tipo de alternativa política credível para inverter o rumo funesto das coisas.
Actualmente o problema de África passa pela
incompetência dos seus líderes políticos, relacionado sobretudo com a má
política de gestão de recursos públicos do continente e à total nulidade do
papel interventivo da União Africana (UA) para coadjuvar, de forma eficaz, os
países mais frágeis a prosseguirem as linhas mestras traçadas pelos
Pan-africanistas, a saber uma África unida e próspera.
O mais ridículo de tudo isto tem que ver com
o facto do Acto Constitutivo que rege a União Africana (UA) permitir a
intervenção directa num Estado-membro, caso se verifiquem "circunstâncias
graves, designadamente crimes de guerra, genocídio e crimes contra a
Humanidade" (artigo 4.º alínea h [LER] Não obstante este
preceito inovador (numa perspectiva de modalidade de intervenção consagrada na
Carta das Nações Unidas, bem entendido (LER), a Organização, infelizmente,
não tem conseguido dar respostas satisfatórias aos inúmeros flagelos que têm
vindo a ameaçar progressivamente o continente, nomeadamente o genocídio
étnico-religioso na República Centro-Africana, o sangrento conflito armado no
Sudão do Sul, no Darfur, no Mali, na República Democrática do Congo, na Somália
e o terrorismo galopante do fundamentalismo islâmico na região do Sahel. E
questionamos: porquê todo este fracasso político? Para o analista Martin Plaut,
no seu artigo de opinião intitulado "As Falhas da União Africana", "o problema
tem origem na falta de autoridade dos dirigentes africanos. (…) Durante algum
tempo pensou-se que a ideia de “renascimento africano” poderia tornar-se
realidade. Mas essa esperança desvaneceu-se" (Jornal Londrino African
Arguments, reproduzido pelo Courrier International, pág. 39, Número 217, Março
2014, Lisboa).
A orientação política que os sucessivos
líderes africanos têm seguido, ao longo da autodeterminação de África, não
passa de um autêntico fracasso. Jamais souberam honrar ou sequer concretizar os
ideais firmados e defendidos pelos Pan-africanistas, para desenvolver o
continente. A maioria só pensa no seu umbigo, no dos seus familiares, sem olhar
ao gritante sofrimento do Povo; desprovidos de capacidade governativa para
travar a onda de miséria e de pobreza que assola gravemente a vida de milhões,
e, consequentemente, adiando o futuro de jovens, a tal ponto de levarem alguns
à frustração e ao desespero de forçarem a entrada na Europa através do
Mediterrâneo (LER), numa imigração clandestina de
alto risco, em que milhares, inclusive, já perderam a vida nesta aventura
desnecessária (ver as tocantes imagens AQUI).
Para vergonha nossa, a forma como África e
os africanos são vistos no mundo fica muito aquém daquilo que deveria ser. É um
Continente desprestigiado a todos os níveis no plano internacional, e ainda o
menos desenvolvido quando se compara com os outros continentes. Tem as maiores
carências económico-financeiras, o que por sua vez vai atraindo toda a sorte de
calamidades sociais, nomeadamente o baixo índice de desenvolvimento humano, a
pouca esperança média de vida dos seus cidadãos, a elevada taxa da mortalidade
materno-infantil e adulta, e uma série de doenças fatais, mormente a malária, a
cólera e o VIH que continuam, ainda hoje, a dizimar, consideravelmente, a vida
de milhões dos africanos. Acresce, da mesma sorte, o problema da exclusão
social e da exorbitante taxa do analfabetismo que já poderiam ter sido
solucionados há bastante tempo, a patente realidade do narcotráfico e do
sistema corrupto e autoritário que praticamente vigora em todos os Estados, que
se traduz em tremendas violações de Direitos Humanos.
Por não conseguir colmatar estes flagelos
humanos, sobretudo ajustar a sua política governativa aos imperativos
universais da Globalização, vinga a "desumanização da África" para ilustrar
melhor a ineficiência do Continente em responder positivamente aos inúmeros
desafios do mundo coevo. O aparecimento do capitalismo informacional no quarto
do século XX, escreve Manuel Castells, "coincidiu com o colapso das economias
africanas, a desintegração de muitos dos seus Estados e a dissolução da maioria
das suas sociedades. Como consequências, fome, epidemias, violências, guerras
civis, massacres, êxodo em massa e caos social e político". (in O Fim do
Milénio [A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura, pág. 99, Volume
III, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2007).
Por maioria de razão, África ainda está
muito longe de superar os referidos problemas político-governativos. Apesar do
inúmero rol de riquezas naturais, que o continente dispõe, mesmo assim estas não
estão a ser repartidas de forma equitativa, isto é, a contribuir para mudar a
qualidade de vida das pessoas; mas sim servir meros caprichos dos poderosos,
que fazem de tudo para expropriar abusivamente aquilo que deveria ser o bem
comum de todos. Vejamos: segundo consta nos relatórios internacionais, neste
momento, a China e os EUA são um dos principais parceiros comerciais de África.
A nível de trocas comerciais, aquele país representa 125 mil milhões de dólares
(90 mil milhões de euros) por ano. A maioria das estimativas eleva esse número
a 200 mil milhões de dólares (144 mil milhões de euros); e está pronta a
empenhar-se na exploração dos recursos de África – com um orçamento de um
bilhão de dólares (720 mil milhões de euros) para gastar em estradas, ferrovias
e aeroportos até 2025. Ao passo que os EUA contabilizam 100 mil milhões de
dólares (72 mil milhões de euros por ano em trocas comerciais com o continente
africano (LER). E voltamos a interrogar: para
onde vai todo este rio de dinheiro? Como é que está a ser investido? Até quando
África continuará a perpetuar essa maléfica herança da ilegalidade? Eis a
grande questão para reflexão.
Não temos a mínima dúvida de que se África
tivesse tido bons governantes ao longo da sua história de auto-determinação,
dotados de bom senso, empenhados em trabalhar seriamente na construção e
desenvolvimento sustentável do continente, certamente que a nossa sorte seria
bem diferente no sentido positivo, uma vez que temos todo o potencial
necessário para nos afirmarmos no mundo como um grande continente.
Infelizmente, a realidade prática tem provado o contrário.
Para desenvolver África é preciso, acima de
tudo, fazer uma reviravolta política profunda, no sentido de deixar o
individualismo e dar oportunidade aos mais capacitados na condução dos destinos
políticos do continente. E isto passa, condicionalmente, por corresponder na
íntegra aos exigentes desafios da Globalização. E para que tal aconteça na
prática, é necessário melhorar drasticamente a qualidade da democracia
participativa em vários países e, concomitantemente, respeitar o primado dos
Direitos do Homem. E mais, investir consideravelmente na área da Educação,
Saúde, Justiça, Economia, Infra-estruturas, Cultura, Desporto, Turismo, etc.
Incentivar a produtividade, a competitividade e a economia concorrencial
através de mecanismos de inovação e, de forma especial, da informação.
Aplicando na prática os supra valores enumerados, e procurando ao mesmo tempo minimizar o
abismal fosso de separação entre ricos e pobres, não há margem de dúvida que o
Continente erguer-se-ia e tornar-se-ia numa grande potência mundial. Em
consequência disso, estaria a honrar sabiamente os ideais firmados e defendidos intrepidamente pelos Pan-africanistas, de uma África Ordeira, Unida, Justa,
Trabalhadora, Próspera e Progressista.
Não obstante os significativos avanços e recuos que África experimentou durante a sua História de auto-determinação, a data de 25 de Maio de 1963 jamais será esquecida pelos nativos do Continente. Contribuiu decisivamente para abolir, de forma definitiva, a marginalização e a escravatura que outrora marcaram profundamente a vida de milhões de africanos ao longo dos séculos. Graças a DEUS vivemos hoje, e todos os dias, lutando para construí-la.