Quem Diz que Cachupa Não se Come com o Arroz?


Num evento anteontem em Massamá de apresentação da autobiografia do atleta cabo-verdiano António Bruno da Silva Araújo, intitulado "Percurso e Memórias" (LER), depois de assistir a brilhante apresentação feita pelo Advogado António Neves e o meu pupilo Robert Neves (VER), bem como do prefaciador da obra o Dr. Francisco Fragoso e uma breve descrição do autor, seguiu-se o período de confraternização entre os presentes. 

Como seria de esperar, as comezainas que faziam parte dos aperitivos estava a tradicional cachupa cabo-verdiana. É uma comida deliciosa, que dispensa apresentação e de inquestionável qualidade gastronómica (LER). Só que tudo isto não chega para o vernáculo guineense. O "guigui" para alimentar e sentir plenamente satisfeito tem, acima de tudo, que saborear a almejada bianda. Ela não pode faltar no cardápio. Bianda é a conjugação de arroz com qualquer tipo de acompanhamento, que pode ser de peixe, carne ou macrobiótico. Apenas é imprescindível o arroz no prato, a base fundamental da nossa dieta alimentar. O arroz que faz a verdadeira bianda. E o guineense pode comer de tudo que há, no entanto, se não encher o estômago com a bianda é como se não experimentasse nada de facto. 

Foi o que aconteceu comigo. Como sabia que não iria ficar plenamente saciado se não comesse bianda, resolvi pedir para misturarem-me arroz com a cachupa. Acontece que, por razões várias, a cachupa não se come com o arroz, ou melhor, os cabo-verdianos não mesclam ambos. E como não tinha outra alternativa no momento, resolvi quebrar o protocolo, misturando os dois. Alguns, da maioria dos cabo-verdianos presentes no evento, ficaram "escandalizados" com a minha intrépida postura, e de imediato replicaram-me em tom pedagógico: a cachupa não se entremeia com arroz. Procurei, de forma paciente, justificar-lhes por que razão estava a agir daquela forma peculiar, tal como supra mencionei. Foi debalde a minha tentativa de redenção, exceptuando duas das minhas patrícias que me compreenderam muito bem. 

Qualquer prato pode ser consumido de múltiplas formas, independentemente da convenção que lhe é dado pelos comuns dos mortais. Até porque, tal como fui ensinado, "não é o que entra pela boca o que contamina o homem, mas o que sai da boca"  (Mateus 15:11). E a deliciosa cachupa não foge, igualmente, a este brocardo gastronómico.