A grave crise
institucional que se vive há muito tempo em Bissau é o resultado manifesto do
mau carácter da generalidade dos seus concidadãos e da ganância desenfreada da
corrupta classe política que lhes governa. A Guiné-Bissau é um país de
traidores. Se Roma não paga a traidores, na celebre afirmação dos chefes
romanos da antiguidade, a Guiné promove-os aos mais elevados cargos da Res Publica. Desde a sua
autodeterminação foi sempre caracterizada por este pernicioso vício humano.
Trai-se por tudo e por nada, máxime para conseguir um poleiro governativo e
enriquecer facilmente à custa do povo. A concupiscência pelos bens materiais é
de tal ordem que sobrepõe-se à honra e à convicção ideológica. Mesmo que tal
envolva conspirações e o hediondo crime de sangue contra o próximo. Os fins
sempre justificaram os meios na praça de bissausinho. É uma sociedade onde
reina a incompetência, o autoritarismo, a injustiça, o nepotismo, o abuso, a
violência, a impunidade. Um autêntico império de anarquia.
A traição iniciou,
desde logo, muito cedo, em plena luta de libertação nacional, em 1964, quando
alguns insubordinados comandos estavam a falsear os esforços da guerra, através
dos seus perversos actos, motivando a convocação da vindicta que foi o
malogrado congresso de Cassacá. Tais pessoas, na resolução dos trabalhos finais,
foram sentenciadas ao fuzilamento sumário pelo politburo do Partido Africano
para Independência da Guiné e Cabo-verde (PAIGC). E, de seguida, foi o mesmo
partido, em vésperas do final da guerra, num acto de alta traição, a assassinar
em Conacri o seu “querido líder”, o
Engenheiro Amílcar Lopes Cabral.
Todos os antigos
combatentes que vieram das matas da Guiné, depois da pseudo-independência que
não trouxe objectivamente qualquer tipo de independência nacional, com o ideal
de devolver a dignidade ao martirizado povo guineense e fazer avançar
definitivamente o país rumo ao desenvolvimento, começaram a provocar atritos
internos. Em consequência disso, a veia da traição veio novamente à tona.
Muitos dos destacados “camaradas” do
partido foram presos, torturados e mortos de forma arbitrária, sem que o povo
soubesse a razão de tão despótica decisão. Ainda durante a ditadura de Luís de
Almeida Cabral, que se iniciou em 1973 e durou até 1980, foi abafado qualquer
tipo de liberdade e oposição no país. Todas as vozes críticas que se levantavam
contra o regime marxista foram arbitrariamente silenciadas. O país teve a mesma
sorte com o “Movimento Reajustador”,
de 14 de Novembro de 1980, liderado pelo falecido General João Bernardo Vieira
(Nino), conhecendo somente o absolutismo, o abuso de poder e as matanças, tendo
como casos mais flagrantes 17 de Outubro de 1986 e a fratricida guerra civil de
1998. Ao longo deste penoso período não houve progressos assinaláveis do ponto
de vista humano-social e político, excepto uma aparente abertura à democracia
participativa, em 1994, para ludibriar a já insatisfeita opinião pública do
país.
O povo, bastante
cansado das diatribes do PAIGC, deixou-se cair no engodo do Partido da
Renovação Social (PRS), liderado na altura pelo palrador Kumba Yalá e os seus
broncos correligionários, dando-lhe uma indubitável vitória nas eleições
legislativas e presidenciais de 1999/2000. Esta opção política custou bastante
caro ao povo guineense. Kumba Yalá, em vez de dinamizar o país e colocá-lo na senda
do desenvolvimento, tal como prometera fazer durante a campanha eleitoral,
reduziu-o à completa banalidade e ao caos absoluto. Limitou-se apenas a
concentrar todos os poderes do Estado em torno da sua narcisista pessoa, bem
como a fomentar disfarçadamente o tribalismo e as intrigas entre os patrícios
guineenses. Esta deriva demagógica levou à sua destituição pelos militares, em
2003.
Devido a todas estas
vicissitudes supervenientes, o país não se conseguiu erguer e encontrar a
estabilidade política que tanto almeja, pois mergulhou num ciclo de golpes e
contragolpes sem precedentes. A situação social agudizou-se profundamente,
nomeadamente a escassez de recursos, a fome, o elevado índice de mortalidade
(sobretudo materno-infantil) e a degradação das instituições da república. Com
isso, abriu-se a caixa de pandora para os badamecos ascenderem a relevantes
cargos públicos, tal como temos vindo a assistir.
O impasse
político-governativo que afecta dramaticamente o país só pode ser compreendido
holisticamente neste prisma, mormente a mediocridade e a traição supra evidenciadas. O sanguinário PAIGC
traiu reiteradamente a esperança do povo guineense, tal como o tribalista PRS.
Este batoteiro partido consegue ser ainda pior do que o comum guineense possa
imaginar. Se com o PAIGC sabemos praticamente “o que a casa gasta”, o PRS não passa de uma fraude política. Uma
das piores faces da Guiné-Bissau (vide
o dissimulado jogo político que está a fazer neste momento com o país. E pensa
que está a enganar, afinal, a quem? Não era suposto estar ao lado do povo
contra deslealdade institucional do PAIGC e da tirania do pigmeuzinho José
Mário Vaz?). Ninguém pensa nos superiores interesses do país. Olham somente
para os respectivos umbigos. Todos querem chegar ao poder e apoderar-se, o mais
rápido possível, dos escassos recursos e fundos do país. Num estado normal,
sejamos realistas, desde quando é que o PAIGC estaria sistematicamente a ganhar
eleições? Ou o inabilitado PRS a ser chamado de Partido Político? De ter
presidentes da república da estirpe que temos vindo a ter até à data presente e
obtusa classe castrense? Só mesmo na Guiné-Bissau, infelizmente.
Estes filhos da
perdição roubaram aos guineenses tudo o que conforma a dignidade de uma nação,
levando-os a perder completamente o respeito pela pátria. São, na arena
internacional, apelidados de marginais e acusados de tutelar um Estado falhado.
Os guineenses são um povo com carências em praticamente todas as áreas do
desenvolvimento. Nascem pobres e morrem miseráveis. Tudo o que incorpora as
injustiças recaíram tragicamente sobre eles. São, por assim dizer, parentes
pobres da má sorte em virtude da imperícia dos politiqueiros que os governaram
ao longo dos anos.
A única alternativa
soteriológica exequível que o país dispõe neste momento para superar
definitivamente o leviatã do estado, que lhe obsta ao progresso nacional, tal
como dizia sabiamente um ilustre bem conhecido da nossa praça, “os homens inteligentes não devem
instruí-lo, nem doutriná-lo, nem discutir com ele — devem farpeá-lo. As Farpas
foram isso mesmo: a pilhéria, a ironia, o epigrama, o ferro em brasa, o chicote
— postos ao serviço da revolução”. Já!