Depois de nos termos desdobrado em
inúmeras análises sobre a situação política vigente na Guiné-Bissau, com vista
a realizar um diagnóstico apurado do imbróglio jurídico-governativo que tem
obstaculizado o seu desenvolvimento ao longo dos últimos anos, sentimo-nos
agora compelidos a fazer uma antevisão daquilo que será o país na próxima
década, isto é, depois das eleições legislativas e presidenciais.
A nosso ver, e diferentemente da
posição preconizada pela generalidade das elites do país, não nos parece que as
próximas eleições legislativas e presidenciais resolverão o crónico problema
que afecta o poder político. Antes pelo contrário, servirão apenas como
paliativo para continuar a adiar o nosso futuro colectivo. É importante
devolver a palavra ao povo, tal como oportunamente defendemos aqui e também em
outros fóruns, através de eleições livres, justas e transparentes para este
escolher democraticamente os seus legítimos representantes. No entanto,
não nos iludamos, organizar as eleições só por si não chega para fazer um país
avançar. É preciso, acima de tudo, que os actores políticos se consciencializem
e implementem uma agenda governativa reformista e progressista, que assente no
respeito escrupuloso da Constituição e das Leis Orgânicas da República. E isto
requer, em última instância, um compromisso sério com a causa nacional e não
com interesses assombreados como reiteradamente tem sido praxe no país desde a
sua auto-determinação. Só assim abrir-se-ão horizontes de esperança para o
nosso ostracizado povo, visto que o país já teve várias experiências
eleitorais/governativas e mesmo assim continua cada vez pior.
Feito este brevíssimo introito, a
pertinente questão que se coloca é: quem serão os protagonistas políticos na
Guiné-Bissau nos próximos anos, mormente que partido ganhará as eleições
legislativas e ver, concomitantemente, o seu candidato vencer as eleições
presidenciais? Aqui o cenário é mais complicado do que, porventura, imaginamos.
Por isso, ater-nos-emos, em primeiro lugar, às eleições legislativas. Não
cremos, em abono da verdade, que haverá legislativas este ano como manda o
calendário eleitoral. Há pressupostos legais cognoscíveis que, infelizmente,
neste momento, não estão ainda preenchidos para proporcionar as referidas
eleições. O espectáculo degradante, portanto, que o Presidente José Mário Vaz
está a fazer na auscultação dos partidos políticos para encontrarem uma data
ideal para a marcação das eleições não passa de uma manobra política
simplesmente para “o inglês ver”. Ele tão bem sabe, tal como
qualquer outro cidadão guineense no seu perfeito juízo, que não há mesmo
condições técnicas para organizar este ano eleições livres, justas e
transparentes. Na melhor das hipóteses, tendo em conta previsões mais
realistas, só será possível realizar eleições legislativas no próximo ano. Um
péssimo augúrio, mais uma vez, para o nosso país!
Respondendo directamente à pergunta supra:
Julgamos, sem qualquer tipo de hesitação, que o PAIGC vai voltar novamente a
ganhar as eleições legislativas. Desta vez com maioria relativa, diferentemente
dos resultados obtidos nesta legislatura. O histórico partido vai ser
penalizado, bem como o PRS, por causa da cisão interna que enfrenta. O PRS por
ter conspurcado a sua imagem com a do Presidente da República José Mário Vaz
(Jomav) e visto alguns dos seus destacados líderes atingidos pelas sanções
da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO). Vamos
assistir à proeminência dos partidos pequenos e, com isso, à fragmentação da
Assembleia Nacional Popular (ANP), ou seja, vamos ter muitos partidos pequenos
com representação parlamentar – por causa da descrença notória da maioria dos
guineenses no PAIGC e PRS. O partido que vai sair mesmo reforçado com toda esta
situação de impasse governativo é o APU-PDGB do Engenheiro Nuno Gomes
Nabiam. Vai retirar muito eleitorado ao PAIGC e PRS, sobretudo este último
partido. Atrevo-me mesmo a afiançar que o APU-PDGB poderá vir mesmo a ter
o mesmo resultado eleitoral com o PRS.
E perante este cenário político
fragmentado será extremamente difícil augurar quem será o próximo
Primeiro-ministro do país, uma vez que tudo vai depender dos resultados
eleitorais que o PAIGC, o PRS e o APU-PDGB alcançarão. Só assim
conseguiremos vislumbrar o possível Primeiro-ministro. Dizemos isto porque os
políticos guineenses aprenderam muito bem com a “gerigonça” que
existe em Portugal. Interiorizaram que agora não basta apenas ganhar as
eleições, mas ter acima de tudo o número de deputados suficientes para poder
aprovar o programa do governo. Mas, desde já, estamos em condições de avançar
que o Engenheiro Domingos Simões Pereira não vai ser o futuro
Primeiro-ministro, mesmo que o PAIGC ganhe as eleições com maioria absoluta.
Afirmamos isto porque vai ser o Presidente José Mário Vaz a nomear novamente o
próximo Primeiro-ministro do país. E de acordo com a Constituição guineense,
nomeadamente no seu artigo 68º alínea g), o Presidente deve “nomear
e exonerar o Primeiro-Ministro, tendo em conta os resultados eleitorais e
ouvidas as forças políticas representadas na Assembleia Nacional Popular”.
Há, no entanto, além deste preceito
constitucional, aquilo a que os distintos jurisconsultos apelidam de “poderes
implícitos” do Presidente da República, que consiste em nomear um
Primeiro-ministro da sua confiança, sem prejuízo naturalmente do partido que
lhe dê mais garantias de estabilidade governativa. E Jomav vai,
tão-simplesmente, usar desta prerrogativa constitucional para acertar contas
com o seu principal adversário político – o Engenheiro Simões Pereira. Não é a
postura ideal, mas como Jomav nos tem demonstrado ao longo da sua presidência
trata-se de um homem belicoso e manifestamente inflexível nas suas convicções,
razão pela qual procurará por todos os meios fechar as portas do poder ao
Engenheiro Domingos Simões Pereira. E pode livremente não o nomear, solicitando
ao PAIGC a indicação de um outro nome para Primeiro-ministro, uma vez que nas
eleições legislativas não há candidatos a Primeiro-ministro como erradamente
tem sido veiculado no seio partidário em Portugal nos últimos anos. Conta mais
o partido vencedor do que propriamente alguma individualidade do mesmo,
independentemente do seu estatuto ou arcaboiço político. Levando avante este “acerto
de contas com o passado” com o Engenheiro Domingos Simões Pereira, tal
como tudo indica que fará, o Presidente Jomav estará novamente a defraudar as
legítimas espectativas do povo guineense – porque muitos guineenses estarão a
votar no PAIGC para ver Simões Pereira como Primeiro-ministro do país. E
julgamos que o Engenheiro Domingos Simões está plenamente consciente deste
cenário, máxime os manifestos obstáculos futuros que terá ainda com o
Presidente Jomav. E julgamos que o próprio já descarta definitivamente
pretensões de vir a ser Primeiro-ministro, tendo agora como grande objectivo
candidatar-se às eleições presidenciais e, deste modo, confrontar directamente
Jomav. A questão que se levanta novamente é: conseguirá ter o apoio do PAIGC
neste propósito? Eis o mistério que nos interpela e que procuraremos
desvendar.
No entanto, antes de respondermos se o
Engenheiro terá ou não o apoio do PAIGC para as eleições presidenciais, importa
prognosticar os possíveis nomes que poderão vir a ser Primeiro-ministro, bem
como o Presidente da Assembleia Nacional Popular. Achamos que o PAIGC vai
primeiramente propor ao Presidente da República o nome de Domingos Simões
Pereira para Primeiro-ministro que, por sua vez, não vai receber acolhimento
favorável por parte de Jomav, tal como já evidenciámos. O partido vai avançar
com a segunda opção que poderá gerar algum consenso entre o Presidente e o
PAIGC. E tudo indica que sairá do núcleo duro da direcção, ou seja, uma pessoa
leal ao Presidente do partido e que também não tenha relações “insanáveis” com
o Presidente Jomav. Neste caso, provavelmente, será a segunda vice-Presidente
Dr.ª Maria Odete Semedo ou, possibilidade pouco possível, um dos senadores
do partido. Jomav não vai aceitar o nome do primeiro vice-presidente do
partido, Cipriano Cassamá. A Dr.ª Maria Odete Semedo será, possivelmente, a
próxima Primeira-Ministra da Guiné-Bissau. Tem vários factores conjugados a seu
favor. Na actual direção do PAIGC é a pessoa mais bem posicionada e
qualificada, somando ao facto determinante de ser mulher. E Jomav vai querer,
pelo menos, ficar na história por ser o primeiro Presidente da República da
Guiné a nomear uma mulher como Primeiro-ministro e levar este significativo “triunfo” para
a campanha presidencial. Califa Seide, o terceiro vice-presidente, Adiatu Djaló
Nandigna, a quarta vice-presidente, bem como o secretário Aly Hijazi terão
poucas possibilidades de verem os seus nomes propostos pelo partido e receber a
anuência do Presidente da República, razão pela qual a escolhida potencialmente
será Odete Semedo e talvez, remotamente, um dos senadores do PAIGC.
E nesta senda, o futuro Presidente da
Assembleia Nacional Popular provavelmente continuará a ser o Engenheiro
Cipriano Cassamá, porque terá poucas hipóteses de ser nomeado Primeiro-ministro
e simultaneamente ser apoiado pelo PAIGC nas eleições presidenciais o que neste
momento deve ser a sua maior ambição pessoal. Se Domingos Simões Pereira
conseguisse ser Primeiro-ministro, Cipriano Cassamá teria algumas hipóteses de
ter o apoio do PAIGC para eleições Presidenciais, na medida em que o actual
Presidente do PAIGC tem total confiança política nele e sabe que
poderá sempre contar com ele no futuro, tendo em conta o papel
preponderante e determinante que teve na derrota de Jomav e do grupo dos
quinze, apesar de ser uma opção política bastante arriscada. É arriscada,
entendemos, porque Cipriano Cassamá não tem uma boa imagem aos olhos da
generalidade dos guineenses. Mas, como dissemos, esta situação não vai
acontecer. Também ele não vai querer ser “despromovido” ao
cargo de ministro, mas apenas conformar-se com a função da segunda figura do
Estado – a do Presidente da Assembleia Nacional Popular que actualmente ocupa.
E assim será.
Posto isto, estamos agora em condições
necessárias para avaliar os putativos nomes de onde poderá sair o futuro
Presidente da República da Guiné-Bissau. À semelhança das eleições
legislativas, as eleições presidenciais também vão dispersar votos pelos muitos
candidatos que se apresentarão no escrutínio. Os candidatos que vão sobressair,
sem margem de dúvida, serão: José Mário Vaz, Domingos Simões Pereira, Nuno
Gomes Nabiam, Carlos Gomes Júnior e Paulo Gomes (este último vai avançar para a
corrida como candidato independente). Não vai ter o apoio do PAIGC, tendo em
conta a infeliz conspiração falhada que tentou para descredibilizar o líder dos
libertadores; e por se ter demonstrado muito próximo de Jomav e do grupo dos
quinze. Por isso, vai acabar por avançar sozinho na corrida presidencial.
Nenhum dos cinco candidatos enumerados terá a maioria absoluta na primeira
volta, isto é, só na segunda volta é que o país conseguirá eleger o seu
Presidente da República. E, mais uma vez, quais serão os dois nomes que
passarão à segunda volta? Parece-nos, sem certezas absolutas, que será o
candidato apoiado pelo PAIGC, o Engenheiro Domingos Simões Pereira, e o
candidato independente Carlos Gomes Júnior. Os restantes ficarão todos para
trás. O vencedor da segunda volta, entre o Engenheiro Domingos Simões Pereira e
Carlos Gomes Júnior, vai depender de quem o PRS, o APU de Nuno Nabiam, Jomav e
Paulo Gomes apoiarem. O apoio deles vai ser determinante para sabermos quem
será o futuro Presidente da República. Mas, mais uma vez, estamos em condições
de avançar que Jomav vai apoiar Carlos Gomes Júnior na segunda volta, ao passo
que Paulo Gomes e APU de Nuno Nabiam apoiarão Domingos Simões Pereira (este
apoio da APU dever-se-á, desde logo, ao laço cordial que une os dois partidos
por causa da crise e impasse político criado por Jomav, somando ao facto de que
o APU e alguns pequenos partidos estarão coligados com o PAIGC no futuro
governo para garantir a estabilidade governativa. O apoio de Paulo Gomes
prender-se-á meramente por uma questão de identificação “ideológica”),
enquanto o PRS vai abster-se formalmente de direcionar o seu voto entre os dois
primeiros candidatos. Não vai apoiar o candidato do PAIGC por razões
cognoscíveis que dispensam a consideração. Em relação ao não apoio a Carlos
Gomes Júnior, prender-se-á com as reservas e suspeitas que alguns sectores
mais tradicionais do PRS têm sobre ele – relativamente ao misterioso
assassinato do General João Bernardo Vieira e General Baptista Tagme Na Waie,
sobretudo em relação a este último. Na segunda volta Simões Pereira vai
derrotar o candidato Carlos Gomes Júnior, com uma vantagem mínima,
consagrando-se assim como Presidente da República da Guiné-Bissau.
No
próximo artigo procuraremos desenvolver o cenário da governação, especialmente
a coabitação entre o putativo Governo liderado pela Dra. Maria Odete Semedo e o
Presidente da República Domingos Simões Pereira, bem como a coabitação entre os
órgãos de soberania e a agenda para o futuro. Este artigo insere-se nas
prolixas e ininterruptas reflexões que temos vindo a fazer em Defesa do Futuro
da Guiné-Bissau.