OS EQUÍVOCOS TEOLÓGICO-DOUTRINÁRIOS SOBRE A CEIA DO SENHOR (6): Um Tratado Teológico da Mais Importante Ordenança da Igreja



(1). A Ceia do Senhor, à semelhança do Baptismo, faz parte do sacramento deixado pelo Senhor Jesus Cristo antes da Sua gloriosa assunção. É um ritual que nos remete indubitavelmente ao sacrifício expiatório do Messias em favor dos eleitos de DEUS e aponta-nos futuramente para o grande banquete celestial das “bodas do Cordeiro” (Apocalipse 19:9). Foi expressamente narrada nos Evangelhos e também na 1 Carta do Apóstolo Paulo aos Coríntios 11:23-32, confirmando assim o carácter importante que ela reveste na história e vida da Igreja. A Ceia do Senhor, de forma subsumida e abreviada, segundo a profissão da Fé Baptista Portuguesa, “é um acto de obediência pelo qual os membros da Igreja participam do pão e do vinho, comemorando juntos a morte de Jesus Cristo e apontando para a sua segunda vinda. Esta ordenança da igreja local representa também a nossa comunhão espiritual com Ele, a nossa participação na sua morte e o testemunho vivo da nossa esperança” (LER)

Não há, no entanto, patente divergência no meio Cristão sobre o seu sentido teleológico e teológico. A querela doutrinária prende-se, mais, sobretudo, com a sua datação, os elementos contidos nela e como se deve ajustar ao dinamismo da Igreja, razão pela qual procuraremos humildemente tentar descortinar estas seculares divergências e equívocos teológico-doutrinários. Apesar disso, não tencionámos abordar a aparente contradição na datação seguida pelos Evangelhos sinópticos e o Evangelista João, sem prejuízo obviamente da pertinência que o debate em apreço comporta. A primeira narrativa reduzida a escrito sobre a Ceia do Senhor foi a do Apóstolo Paulo que, nas sugestivas palavras de alguns reputados biblistas, terá sido posteriormente seguida pelo evangelista Lucas, diferentemente da narrativa de Marcos que Mateus seguiu. As quatro narrativas não diferem umas das outras no seu substrato teológico. Apenas evidenciam algumas diferenças pontuais que, a nosso ver, têm mais a ver com o estilo literário dos referidos autores. Por isso, não tencionámos destacar os dois modelos descritivos sobre a Ceia do Senhor, visto que ambos convergem manifestamente no seu núcleo e alcance soteriológico. 

O Apóstolo Paulo, o primeiro autor sagrado a escrever sobre esta importantíssima temática eclesiástica, que Lucas seguiu, insistimos, dizia expressamente: “porque eu recebi do Senhor o que também vos entreguei: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou pão; e, havendo dado graças, o partiu e disse: Isto é o meu corpo que é por vós; fazei isto em memória de mim. Semelhantemente também, depois de cear, tomou o cálice, dizendo: Este cálice é o novo pacto no meu sangue; fazei isto, todas as vezes que o beberdes, em memória de mim. Porque todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes do cálice estareis anunciando a morte do Senhor, até que ele venha (1 Coríntios 11:23-26). O Evangelista Mateus, por sua vez, seguindo na mesma esteira do pensamento de Marcos sobre esta nobre ordenança, escrevia nestes termos: “e, quando comiam, Jesus tomou o pão, e abençoando-o, o partiu, e o deu aos discípulos, e disse: Tomai, comei, isto é o meu corpo. E, tomando o cálice, e dando graças, deu-lho, dizendo: Bebei dele todos; Porque isto é o meu sangue, o sangue do novo testamento, que é derramado por muitos, para remissão dos pecados. E digo-vos que, desde agora, não beberei deste fruto da vide, até aquele dia em que o beba novo convosco no reino de meu Pai. E, tendo cantado o hino, saíram para o Monte das Oliveiras” (Mateus 26:26-30). Os intérpretes bíblicos, ao longo da História do Cristinismo, têm questionado de que forma o Apóstolo Paulo terá “recebido” do Senhor a narrativa sobre a última Ceia. Alguns admitem a possibilidade de ter sido através de revelação directa (2 Coríntios 12:1-4; Gálatas 1:12). Outros, com um entendimento diferente, sustentam que Paulo recebeu as palavras da Ceia no seio da comunidade primitiva, oriunda dos discípulos. Tendemos mais para este último entendimento. É o que nos parece mais plausível. Apesar de argumentos e contra-argumentos que se poderão invocar sobre as duas leituras, a verdade é que o Apóstolo Paulo “recebeu” do Senhor e fidedignamente “entregou” a Igreja às sagradas instruções, sem adulterá-las. Já quanto às fontes do Evangelista Marcos não se levantam grandes questões. Os estudiosos não têm margem de dúvida que foi através do Apóstolo Pedro. Papias, Bispo de Hierápolis e mártir da Igreja no segundo século, refere-se a Marcos como o “interprete de Pedro”

Depois desta breve consideração, importa enumerar as três clássicas posições doutrinárias predominantes sobre o sentido dos elementos pão e vinho na Ceia do Senhor. Desde logo, a tese da “Transubstanciação”. Ela foi abraçada, desde muito cedo, pela Igreja Católica Romana. Preconiza que o pão e o vinho tornam-se realmente o corpo e o sangue de Cristo – a eucaristia. Tal acontece quando o sacerdote diz: “isto é o meu corpo” durante a celebração da missa. Quando o sacerdote diz isso, escreve Wayne Grudem na sua Teologia Sistemática, “o pão é levantado (elevado) e adorado. Esse acto de elevar o pão e de pronunciá-lo corpo de Cristo só pode ser feito por um sacerdote”. Quando isso acontece, segundo a doutrina católica, concede-se graça aos presentes ex opere operato, isto é, “realizada a obra”, mas a quantidade de graça dispensada ocorre em proporção à disposição subjectiva de quem recebe a graça. Além disso, toda vez que se celebra a missa, o sacrifício de Cristo é repetido (em algum sentido) e a igreja católica é cautelosa em afirmar que se trata de um sacrifício real, embora não corresponda ao sacrifício que Cristo fez na cruz. O Reformador Martinho Lutero demarca-se deste dogma do Vaticano, formulando a tese da “Consubstanciação”, isto é, que o pão e o vinho não se transformam, de facto, no corpo e sangue do Senhor Jesus, mas ganham o seu cunho. Por outras palavras, o corpo do Senhor Jesus está presente através das preposições “em”“com” e “sob” o pão e o vinho da Ceia do Senhor. Acontece que, por razões de divergências doutrinárias, a generalidade dos teólogos Evangélico-protestantes discordam liminarmente de Lutero e da Igreja Católica, formulando um entendimento diferente que consiste na doutrina da “Substanciação”, ou seja, que os elementos contidos na Ceia do Senhor não passam meramente da presença simbólica e espiritual do Senhor Jesus. Este é o entendimento que ganha mais relevo e acolhimento favorável no mundo Evangélico-protestante. 

A nosso ver a doutrina da “Transubstanciação” defendida pela Igreja Católica Romana não tem qualquer tipo de suporte bíblico, uma vez que se limita apenas a fazer uma interpretação literal das palavras do Senhor Jesus sobre os elementos da Ceia. Uma interpretação, segundo as regras da hermenêutica, não deve cingir-se unicamente à letra. Deve procurar através da letra o espírito do autor, “pois a letra mata, mas o Espírito vivifica” (2 Coríntios 3:6). Quando o Senhor Jesus afirma: “isto é o meu corpo e sangue” estava apenas a usar de uma análise analógica, tal como tem feito ao longo de todo o Seu ministério terreno, nomeadamente nas afirmações “eu sou o pão da vida”(João 6:48-59)“eu sou a porta” (João 10:9), “eu sou o bom pastor” (João 10:11-16), “eu sou a luz do mundo” (João 12:8), “eu sou o bom pastor”, “eu sou o caminho, e a verdade e a vida” (João 14:6), respectivamente. É nesta lógica que as palavras “isto é o meu corpo e sangue” devem ser enquadradas, extraindo depois as verdades salvíficas que elas encerram. E mais, há ainda uma tamanha incongruência da Igreja Católica de não servir o vinho aos seus fiéis, limitando-o apenas aos sacerdotes, entrando assim em flagrante contradição com o sentido da sagrada ordenança – que é para todos e de todos os fiéis. 

Quanto à tese da “Consubstanciação” também fica bastante aquém. O argumento esgrimido que o pão e o vinho não se transformam no corpo e sangue do Senhor Jesus, mas ganham o Seu “cunho” é um raciocínio falacioso. Desde logo, sabemos que DEUS é Omnipresente e “toda a terra está cheia da sua glória” (Isaías 6:3). Porque, tal como dizia o Senhor Jesus, “onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles” (Mateus 18:20), confirmando assim a presença constante do Senhor Jesus nas nossas vidas, bem como em todo o Universo. Logo, nesta ordem de pensamento, podemos concluir que todas as coisas de alguma certa forma ganham “cunho” da presença do Senhor Jesus, sem cairmos no erro de julgar que os elementos da Ceia acompanham o corpo do Filho de DEUS. E, por fim, a tese da “Substanciação” parece-nos, em abono da verdade, ser a que se coaduna melhor com a afirmação do Senhor Jesus. O pão e o vinho não passam exclusivamente de meros elementos. Não mais que substâncias que foram usadas pelo Senhor Jesus para transmitir a grande verdade soteriológica sobre a Santa Ceia, razão pela qual subscrevemos integralmente esta tese: há apenas a presença simbólica e espiritual do Senhor Jesus na Ceia. Os elementos pão e vinho não sofrem nenhuma metamorfose. Apenas servem como ilustração daquilo que o Senhor Jesus fez por nós. Julgamos que, sem qualquer tipo de hesitação prévia, é assim que os discípulos interpretaram as analógicas palavras do Senhor Jesus sobre o pão e o vinho. 

(2). Depois dos enquadramentos teológicos que fizemos sobre o alcance último da Ceia do Senhor e o significado dos elementos contidos nela (LER), levanta-se agora a pertinente questão: Quem são as pessoas que poderão tomar a Ceia do Senhor? Numa leitura descuidada à primeira vista esta pergunta poderá parecer bastante facílima de responder e, até de alguma certa forma, inoportuna de fazer, tendo em conta a convicção reiterada de obrigatoriedade que vigora praticamente em todas as denominações Cristãs, que somente conferem o privilégio de tomar a Ceia aos membros baptizados. E ainda em alguns círculos Evangélico-protestantes aplica-se o conceito restrito da Ceia, isto é, só a dão para os membros da mesma denominação e, em casos extremos, exclusivo apenas a membros da referida Igreja. Essas observâncias, importa salientar, não têm nenhum fundamento bíblico e constituem uma clara distorção do alcance teológico da Ceia do Senhor. Não há nenhuma passagem bíblica que diz expressamente que para tomar a Ceia é necessário de antemão ser baptizado e pertencer a uma determinada denominação e/ou ser membro de uma igreja local[1]. O Senhor Jesus, na inauguração do mesmo sacramento, apenas celebrou-o com os seus discípulos (Mateus 26:18; Marcos 14:14, Lucas 22.11) pelo que, entendemos, que o crivo e o requisito indispensável para comungar dela é a pessoa “nascer de novo”. E sabemos que, em casos excepcionais, pode-se nascer de novo, sem corresponder momentaneamente o mandamento do baptismo por imersão. É verdade que as duas realidades são concomitantemente intrínsecas, indissociáveis e irrenunciáveis. Não se pode ser discípulo do Senhor Jesus, sem almejar concomitantemente cumprir todas as suas ordenanças. Crer no Senhor Jesus leva-nos indubitavelmente a querer dar também o testemunho público da nossa profissão de fé. Não há ninguém que se converta genuinamente e jamais se queira baptizar. Se tal, porventura, acontecer é porque não foi uma autêntica conversão. Sabemos, contudo, que em determinadas situações, nem sempre tal acontece por razões de várias ordens. 

A começar, desde logo, pela burocracia de certas igrejas que levam algum tempo a baptizar o recém-convertido, com o intuito de “atestar” realmente a veracidade e firmeza da sua decisão, bem como alguma patente ignorância por parte do próprio convertido que vai adiando o testemunho público da sua conversão no Senhor Jesus, somando outros imprevisíveis entraves que vão surgindo-lhe pelo caminho, adiando-lhe assim provisoriamente tão importante decisão. E nestas circunstâncias excepcionais, parece-nos que não há qualquer impedimento bíblico para o recém-convertido não comungar da Ceia, visto que ele já faz parte pleno do corpo de Cristo – por ter sido baptizado no Espírito Santo, tal como todos os santos e eleitos filhos de DEUS. Já passou pelo processo da justificação, regeneração e percorre paulatinamente a santificação, tendo como meta final a glorificação. A única diferença é que ainda não deu o testemunho público da sua conversão, pelas razões supostamente supramencionadas ou objectivamente cognoscíveis. Mas que vai acabar sempre por fazê-lo. E durante este “compasso de espera” não faz qualquer tipo de sentido ele não tomar a Ceia, como obstaculizam a generalidade das Igrejas (para não dizer todas). 

A nosso ver, compreendemos muito bem o alcance prático dessa barreira eclesiástica – de não conferir de imediato a Ceia a quem ainda não é baptizado por imersão –, uma vez que a genuína conversão automaticamente impõe o baptismo do arrependimento (Mateus 3:8; 11; Actos 26:2). Também, numa outra perspectiva, é uma forma sábia de pressionar, no bom sentido do termo, o recém-convertido a baptizar-se. Mesmo assim, sem prejuízo desta santa preocupação, na nossa humilde opinião, ela não devia ser rigidamente inultrapassável. As lideranças das igrejas deveriam procurar sempre aplicar a “justiça do caso concreto” nessas situações para depois tomar uma decisão final, que se coadune com a impoluta verdade bíblica. E não meramente negar a priori a Ceia a quem ainda não for baptizado. 

(3). A outra questão pertinente é a de saber se, de facto, um Cristão baptizado poderá deliberadamente privar-se da Ceia do Senhor? Entendemos obviamente que não. Jamais um crente poderá abdicar de comungar da Ceia do Senhor, uma vez que é uma ordenança bíblica que transcende o seu livre-arbítrio. Uma ordenança é uma ordem, mandado, lei e, portanto, revestido de força obrigatória geral. Não está à disposição do particular, neste caso do Cristão, razão pela qual tem imperiosamente de ser reverenciada e escrupulosamente cumprida. Ademais, ela retrata a comunhão visível do crente com o Senhor Jesus e a sua Santa Igreja. E todo o redimido no Senhor Jesus não está autorizado a furtar-se a tão sagrada comunhão eclesiástica, mesmo que seja temporária. O vínculo com DEUS é permanente e eterno. 

No entanto, tendo em atenção tais importantes observações, importa ainda salientar que o crente também não pode tomar a Ceia de forma indigna, sob pena   de ser culpado do corpo e do sangue do Senhor Jesus (1 Coríntios 11:27). Por outras palavras, o crente não pode tomar a Ceia do Senhor em condições de pecado. Precisa esclarecidamente estar consciente da sua condição espiritual, no sentido de não ter qualquer tipo de diferendo com DEUS ou com o seu próximo, para assim poder comungar da Ceia[2]. Por isso, zelar diariamente pela nossa santidade é condição indispensável para a vitória espiritual.  Infelizmente, na generalidade das situações, não é isso que acontece. Mesmo assim, não é desculpa para não estar em devida comunhão com DEUS. Podemos sempre pedir-Lhe perdão dos nossos pecados, bem como reconciliar-se oportunamente com Ele e com o nosso próximo o mais rápido possível.  Se for possível, quanto depender de nós, exortava inspiradamente o Apóstolo Paulo, “tende paz com todos os homens” (Romanos 12:18). Assim sendo, nesta linha de orientação, de acordo ainda com a revelação da Palavra de DEUS, “se trouxeres a tua oferta ao altar e te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa ali mesmo diante do altar a tua oferta, e primeiro vai reconciliar-te com teu irmão, e depois volta e apresenta a tua oferta” (Mateus 5:23-24). O mesmo critério se aplica no tocante a Ceia do Senhor. Se tivermos algum pecado temos a total liberdade de confessá-lo a DEUS e consequentemente tomar a Ceia, contando que a confissão seja realmente genuína. Não há pecado que DEUS não perdoe, excepto a blasfémia contra o Espírito Santo que não será perdoada aos homens, nem neste século nem no futuro (Mateus 12:31-32). Cremos que um autêntico Cristão jamais cometeria este pecado, tendo em conta a sua natureza abominável. O crente jamais poderá abdicar de tomar a Ceia do Senhor, insistimos, da mesma forma não pode tomá-la em condição de pecado. Por isso, como advertia o Apóstolo Paulo, “examine-se, pois, o homem a si mesmo, e assim coma deste pão e beba deste cálice. Porque o que come e bebe indignamente, come e bebe para sua própria condenação, não discernindo o corpo do Senhor”. Por causa disto, prosseguia ainda, “há entre vós muitos fracos e doentes, e muitos que dormem” (1 Coríntios 11:28-30). Esta é uma das consequências inevitáveis de tomar a Ceia do Senhor indignamente, sem previamente examinar-se a verdadeira condição espiritual. Acreditamos, da mesma sorte, que todos aqueles crentes que deliberadamente privam-se da Ceia do Senhor incorre exactamente nas mesmas penalidades acabadas de se mencionar, isto é, fraqueza espiritual, doença e, por fim, morte física, não obstante continuarem a ser salvos e assegurados a promessa da vida eterna em Cristo Jesus. A finalidade última de serem infringidos estas “penalidades” por Omnisciente Jeová, segundo ainda o Apóstolo Paulo, é para não serem condenados com o mundo (1 Coríntios 11:32). A condenação do mundo é para a perdição eterna. Ao passo que esta condenação dos Cristãos do versículo trinta e dois do capítulo onze de primeira Coríntios visa meramente poupar os Cristãos infractores da Ceia do Senhor a serem condenados com o mundo incrédulo. 

É sempre conveniente pedir sistematicamente perdão a DEUS, especialmente nos momentos antecedentes à Ceia, e não se furtar dela, como alguns crentes fazem como “antídoto”. Isto porque, como diziam alguns conceituados teólogos, o Diabo tem usado de forma distorcida os versículos 28 até 30 do capítulo 11 de 1 Coríntios para afastar os crentes da comunhão da Ceia. O objectivo das referidas passagens bíblicas não é para os crentes ficarem assustados ou temorosos em não tomar a Ceia do Senhor. Apenas servem para despertar ainda mais a nossa consciência e permanente vigilância espiritual sobre o temor reverencial perante tão grandiosa ordenança – de modo que a postura correcta do crente não é fugir da Ceia, mas sim fugir do pecado e, deste modo, comungar da Ceia. O segredo é sempre pedir perdão a DEUS e procurar ter uma vida espiritual regrada, comprometida, santa e irrepreensível. 

(4). Uma outra pertinente questão que se coloca é a seguinte: um Cristão disciplinado pela Igreja pode tomar a Ceia do Senhor? Antes de respondermos directamente a esta pertinente pergunta, julgamos oportuno manifestar previamente aqui a nossa opinião sobre a disciplina eclesiástica. Desde logo, a disciplina eclesiástica não é um tema consensual no meio Evangélico-protestante. Além de ser praticamente tabu há, no entanto, denominações e igrejas que não a aplicam nos seus regulamentos internos e consequentemente na vida dos seus membros. Outras denominações e Igrejas, diferentemente, aplicam-na nos seus estatutos regulamentares, concretamente na vida dos seus respectivos membros que vivem deliberadamente na prática do pecado, sem a capacidade de reconhecer a sua miserável condição espiritual. Neste diferendo doutrinário, cada ala procura esgrimir argumentos bíblicos “irrefutáveis” para fazer vincar a sua posição teológica. É verdade que a Igreja de Cristo não pode ser um espaço de “punição”, tal como, da mesma sorte, em circunstância alguma, pode ser um sítio de legitimar comportamentos indecorosos, desviantes da ética Cristã. 

Por isso, da nossa parte, sem qualquer tipo de hesitação prévia, somos manifestamente apologistas da disciplina eclesiástica, uma vez que está contemplada nas Escrituras Sagradas. A Igreja do Senhor Jesus tem toda a autoridade para aplicar sanções disciplinares aos seus membros desordeiros, que vivem sistematicamente no pecado, sem espiritualmente reconhecer as suas censuráveis condutas Cristãs, contando que não seja uma decisão discricionária e despótica. Ela deve ser, acima de tudo, justificada à luz da impoluta Palavra de DEUS. Dito por outras palavras, deve ser uma decisão espiritual tomada por deliberação comunitária, da Direcção ou Conselho da Igreja, e não se circunscrever meramente ao Pastor ou qualquer outro líder.  Tal extrema decisão deve visar, em última instância, convencer o irmão insubordinado da sua miserável condição espiritual que teima em não se retratar. É uma forma de chamá-lo para abandonar a prática do pecado, arrepender-se o mais rápido possível e procurar uma vida sacrossanta. 

A disciplina da Igreja pode passar por, entendemos nós, dependendo da situação e gravidade do pecado em questão, perder o privilégio de participar nos ministérios da Igreja, não tomar parte na Ceia do Senhor e, em casos extremos, a exclusão da membresia. Antes da Igreja considerar o infractor de “gentio”“publicano” ou “herege” (Mateus 18:15-17; Tito 3:10) e posteriormente “entregá-lo a Satanás para destruição da carne, para que o espírito seja salvo no dia do Senhor Jesus” (1 Coríntios 5:5), é preciso previamente tentar persuadi-lo das eventuais consequências eclesiásticas em que ele incorre ao permanecer resolutamente no pecado e, deste modo, continuar a confrontar as autoridades da Igreja. A Igreja é chamada a não associar “com aquele que, dizendo-se irmão, for devasso, ou avarento, ou idólatra, ou maldizente, ou beberrão, ou roubador; com os tais nem se deve comer (1 Coríntios 5:11; 2 Tessalonicenses 2:6; 14). Ao homem “faccioso”“contencioso” ou “herege”, exortava ainda o autor sagrado, “depois de uma e outra admoestação, evita-o, sabendo que esse tal está pervertido, e peca, estando já em si mesmo condenado” (Tito 3:10-11). É importante apenas não o tomar como inimigo, mas admoestai-o como irmão (2 Tessalonicenses 3:15). Se, no entanto, houver por parte do disciplinado a postura de arrependimento e mudança de vida, a Igreja deve recebê-lo novamente como irmão e reintegrá-lo na comunidade, uma vez que “a punição que lhe foi imposta pela maioria é suficiente. Agora, pelo contrário, vocês devem perdoar-lhe e consolá-lo, para que ele não seja dominado por excessiva tristeza. Portanto, eu lhes recomendo que reafirmem o amor que têm por ele” (2 Coríntios 2:6-8), advertia afectuosamente o Apóstolo Paulo. 

Estamos agora em condições de responder directamente à pergunta supra-mencionada, isto é, se uma pessoa disciplinada pela Igreja pode comungar da Ceia do Senhor? Numa prespectiva geral, obviamente que não. Não pode. Não está e condições espirituais para tomar a Ceia. Uma pessoa disciplinada pela Igreja não pode tomar parte nos ministérios da Igreja, bem como comungar da sagrada Ceia do Senhor, independentemente da gravidade da situação, tendo em conta o seu testemunho manchado dentro da comunidade. Não está em condições espirituais devidas de assumir nenhum cargo na Igreja e tomar a Ceia, insistimos. Não se pode confrontar a Igreja, através da prática propositada do pecado, e concomitantemente estar bem com o Senhor Jesus ao ponto de ter responsabilidades eclesiásticas e consequentemente tomar a Ceia. Quem desafia a Igreja está a desafiar o Senhor Jesus e a Palavra de DEUS. A Igreja pertence ao Senhor Jesus, razão pela qual a partir do momento em que uma pessoa não está bem com a Igreja passa automaticamente a não estar bem também com o Senhor Jesus. Jamais ninguém poderá ter diferendo com a Igreja e, ao mesmo tempo, reclamar a pretensão de ter boas relações com o Senhor Jesus. É completamente falso e um autêntico paradoxo. O relacionamento com o Senhor é manifestamente indissociável da Sua Igreja, visto que Ele é a cabeça da Igreja (Colossenses 1:18) e os crentes fazem parte do corpo de Cristo (1 Coríntios 12:27). Caso diferente, é a pessoa que está disciplinada e que reconhece de facto a sua condição pecaminosa, aceitando de bom grado a disciplina da Igreja, dando sinais evidentes de confissão e arrependimento do seu pecado, parece-nos que não há motivos para ela não se comungar da ordenança da Ceia do Senhor. 

Julgámos desta forma porque, independentemente de a Igreja ainda não levantar a sua disciplina por razões de vária natureza, a pessoa em causa já deu sinais claros que aprendeu a lição com a disciplina e também o Todo-poderoso DEUS já lhe perdoou pelo que está em condições espirituais necessárias de poder voltar a tomar a Ceia do Senhor. Não nos parece sensato privá-lo da Ceia somente porque a Igreja ainda não decidiu levantar formalmente a sanção, até porque, em determinados casos, a disciplina pode demorar mais por causa da própria burocracia associada à Igreja. Por isso, não faz qualquer tipo de sentido um crente genuinamente arrependido continuar inutilmente a ser privado dos privilégios dos ministérios da Igreja. Com efeito, somos da opinião que o levantamento da disciplina deve respeitar as mesmas formalidades eclesiásticas da sanção. Ela não pode ser deixada à mercê do Pastor ou qualquer outro líder ou titular da Igreja. Tem que ser feita perante a comunidade, mediante uma reunião deliberativa da Direcção ou Conselho da Igreja. 

Somos, para finalizar este sub-tópico, a favor da disciplina da Igreja. Da mesma sorte, somos contra os crentes que estão na disciplina da Igreja comungarem da Ceia do Senhor, exceptuando em condições de claro arrependimento e mudança radical da sua condição pecaminosa, tal como acabámos de defender, dependendo de cada caso em concreto. 

(5). A outra questão que queremos abordar aqui nesta problemática teológica-doutrinária sobre a Ceia do Senhor prende-se com o seguinte: os Cristãos que padecem de doenças mentais podem ou não participar na santa Ceia do Senhor? Esta pertinente pergunta remete-nos ainda para as outras várias considerações no que toca às subcategorias de anomalias psíquicas existentes, nomeadamente, por todas elas, transtorno bipolar do terceiro grau, depressão severa, Alzheimer, demência, esquizofrenia e outras psicoses, etc. Todas estas doenças cognitivas têm graduações diferentes na sua actuação, que podem consubstanciar na inabilitação ou interdição do paciente. Uma pessoa, a título exemplificativo, inabilitada é diferente de uma pessoa interdita a nível da incapacitação. Esta última comporta uma maior agravante do ponto de vista psíquico, não obstante as duas convergirem na obstrução e incapacidade mental. Levanta-se ainda uma outra pertinente questão: a de saber se um autêntico Cristão pode ficar totalmente afectado do ponto de vista psicológico ao ponto de perder as suas faculdades mentais? Esta resposta, a nosso ver, não pode ser taxativa pelas seguintes razões: desde logo, depende de cada situação em particular e a forma como a doença está a manifestar-se na pessoa. No entanto, admitimos que os genuínos Cristãos podem ser atingidos por doenças degenerativas que podem, em última instância, incapacitá-los, levando-os a perder completamente a memória em consequência do envelhecimento. Nas demais situações, é preciso acima de tudo ater à “justiça do caso concreto” e constatar a manifestação da doença na pessoa para depois formular esclarecidamente uma posição final. 

Essas temáticas são de difícil posicionamento do ponto de vista bíblico-teológico. Tanto que, por esta razão, têm sido objecto de infindáveis querelas doutrinárias ao longo dos tempos. Mesmo assim, somos da opinião que a generalidade das doenças mentais são de procedência maligna, ou seja, têm mais o cunho diabólico por detrás delas do que propriamente uma mera doença natural[3]. Somos também da inteira opinião que, respondendo directamente à pergunta inicial, todos os Cristãos que padecem de problemas psíquicos incapacitantes não podem comungar da Ceia do SENHOR. Não estão em condições espirituais de tomar a Ceia. Têm de ser vedados categoricamente pela Igreja a esta nobre ordenança bíblica. 

Afirmamos isto convictamente porque um dos pressupostos bíblicos para qualquer Cristão tomar a Ceia do Senhor é o autoexame para assim evitar “comer o pão e beber o cálice do Senhor de modo indigno”, sob pena de ser “culpado de ofensa ao corpo e sangue do Senhor (1 Coríntios 11:27), por “não discernindo o corpo do Senhor” (1 Coríntios 11:29). Por isso, espera-se “que cada um se examine a si mesmo e, assim, coma deste pão e beba deste cálice. Pois se não reconhece o corpo do Senhor, o que faz é comer e beber a sentença da sua própria condenação” (1 Coríntios 11:28). A autoavaliação do crente é extremamente importante e decisiva para tomar a Ceia do Senhor. Ora, uma pessoa incapacitada mentalmente não está em condições de se autoexaminar sobre a sua real condição espiritual. Para se examinar é preciso ter a consciência do que se está a examinar em concreto. Se a pessoa não tem essa consciência não pode, naturalmente, participar da Ceia do Senhor. Uma pessoa com perturbações mentais e consequentemente interdita deve ser-lhe vedada a possibilidade de tomar a Ceia. Não está em condições mentais e espirituais para participar dela, até quando voltar à situação normal, isto é, ficar definitivamente curada da sua patologia para, deste modo, sempre que comer o pão e beber o cálice da Ceia, consciencializando que  está a anunciar a morte do Senhor Jesus no seu testemunho de vida até que Ele venha (1 Coríntios 11:26)

Com isso, em circunstância alguma, estamos a discriminar ou excluir os doentes mentais das bênçãos divinas, antes pelo contrário. Simplesmente estamos a respeitar na integra aquilo que são os pressupostos e exigências necessárias para comungar da Ceia do SENHOR, especialmente o factor da consciência para assim poder discernir correctamente “o corpo do Senhor (1 Coríntios 11:29). Mesmo nas ordens jurídicas modernas, os doentes mentais não são permitidos a capacidade de exercício, nomeadamente não podem tirar a carta de condução, não podem casar, não podem celebrar negócios jurídicos, etc., mesmo assim não deixam de ter a personalidade jurídica e a capacidade de gozo dos direitos fundamentais. Esta restrição tem como finalidade última proteger os próprios doentes mentais de praticar asneiras, que podem prejudicá-los drasticamente a todos os níveis, visto que não estão no seu perfeito juízo. Da mesma sorte, o facto de os doentes mentais serem vedados a comunhão da Ceia do SENHOR não tem nada a ver com a discriminação, insistimos, mas sim o próprio acto do amor Cristão para com eles, evitando banalizar a tão importantíssima ordenança da Igreja de Cristo, uma vez que eles não têm a consciência apurada para poder participar nela. Por isso, é mais sensato espiritualmente vedá-los a Ceia do Senhor do que propriamente deixá-los tomar parte nela. 

Esta restrição, importa ainda salientar, não tem nada a ver com o papel importante destes mesmos doentes mentais no seio das igrejas. Também não tem nada a ver com o facto de deixarem de ser cristãos ao ponto de perderem a salvação. Estes nossos irmãos incapacitados continuam a ser Cristãos, filhos de DEUS, eleitos para a salvação e herdeiros da vida eterna em Cristo Jesus. Só não podem participar na Ceia do Senhor temporariamente, por não estarem em devidas condições de autoexaminar a sua condição espiritual, tal como manda escrupulosamente o texto sagrado que citamos. Com base nesta ordem de ideias, é bastante importante a Igreja continuar a estimar estes irmãos doentes, como os demais doentes das nossas congregações, intercedendo sempre por eles no sentido de DEUS providenciar-lhes auxílio e cura. Que assim seja. 

Em suma, para terminar mesmo, tal como se pode verificar na nossa longa explanação, há ainda muitos equívocos teológico-doutrinários nas nossas congregações sobre a sagrada Ceia do Senhor Jesus Cristo, que urge mudar para o bem e o dinamismo da obra Missionaria neste ímpio e perverso mundo. Que DEUS realmente nos ajude, através do Seu Santo Espírito, para continuarmos sempre firme e com fé todos os dias a celebrá-Lo, proclamá-Lo, adorá-Lo e glorificá-Lo nas nossas vidas, na Igreja e no mundo. Aleluia! Que assim seja. E assim será pela fé no Senhor Jesus Cristo! Amém! 


[1] Chamamos a atenção que este vídeo é bastante curto, tendo em conta a complexidade da pergunta em apreço e o facto da nossa posição ter ido em “contramão” daquilo que tem sido a prática generalizada e reiterada dentro do Cristianismo, razão pela qual, para não induzir ninguém a cair no erro teológico, recomendamos também a leitura na íntegra do artigo incorporado ao nosso vídeo para ficar melhor esclarecido. 
Desde logo, sem quaisquer tipos de reservas, não subscrevemos a posição inultrapassável que somente confere o privilégio da Ceia do Senhor aos irmãos baptizados. Também somos manifestamente contra o conceito restrito da Ceia que algumas Igrejas continuam erradamente a aplicar, isto é, só a dão para os membros da mesma denominação e, em casos extremos, exclusivo apenas a membros da referida Igreja. Essas observâncias não têm nenhum fundamento bíblico e constituem uma clara distorção do alcance teológico da Ceia do Senhor.  

[2] Mais uma vez, chamamos a atenção que este vídeo é bastante curto, tendo em conta a problemática doutrinária que encerra no juízo do Cristão tomar ou não a Ceia do Senhor, razão pela qual, para não induzir ninguém a cair no erro teológico, recomendamos também a leitura na íntegra do artigo incorporado ao nosso vídeo para ficar mais bem esclarecido. Entendemos, sem quaisquer tipos de reservas, que nenhum Cristão Baptizado poderá abdicar de tomar a Ceia do Senhor, da mesma forma não pode tomá-la em condição de pecado, sob pena de cair nas penalidades dos versículos 28 até 30 do capítulo 11 de 1Coríntios. Entendemos ainda que o crente tanto caí nestas penalidades, tomando indevidamente a Ceia do Senhor, bem como recusando deliberadamente comungar dela. A Ceia do Senhor é uma ordenança com força obrigatória geral para todos os Cristãos “nascidos de novo”.  

[3] Não vamos agora aqui, por enquanto, abordar a nossa formada opinião sobre estas questões. Numa outra ocasião, querendo o Todo-Poderoso DEUS, teremos a oportunidade de dar a conhecer, com mais pormenores e precisão, a nossa humilde convicção sobre estas complexas questões.