Não é preciso ser douto em economia para se aperceber que a culpa da crise em que estamos profundamente mergulhados deve-se muito aos desequilíbrios e desregulamentação dos Mercados Financeiros. Os Mercados Financeiros estão a arruinar-nos até ao limite. Obrigam os Estados e as Instituições da República a adoptarem severas medidas de austeridade e de contenção nas despesas para se ajustarem escrupulosamente às suas exigências. Estamos sufocados de tal forma que não temos alternativas consistentes para travar esta dependência e monopólio dos mercados (o objectivo do nosso artigo, não é fazer um tratado sobre os Mercados Financeiros uma vez que isso levar-nos-ia a ter que debater o funcionamento da Banca, dos Seguros e dos Valores Mobiliários. E para tal há variadíssimas bibliografias muito boas no assunto, vide, por todos, Carlos Costa Pina – “Instituições e Mercados Financeiros”, Editora: Almedina, 2004 onde estes assuntos são muito bem explorados). O objectivo do presente texto é, tão simplesmente, fazer uma análise crítica da situação económico-política actual que está a levar os países a fazerem um esforço fora do comum.
Todos nós já tomámos plena consciência de que com os Mercados Financeiros “não se brinca”, se nos é permitida a expressão. Eles estão constantemente a “olhar” para a nossa política de governação, e se não concordarem com ela ficam “nervosos” e alteram unilateralmente as regras do jogo sem aviso prévio, aplicando uma factura elevada a pagar, através dos mecanismos especulativos que consubstanciam a queda nas cotações de bolsas e o aumento dos juros das dívidas públicas dos países, que por sua vez vai tendo reflexos preocupantes na vida dos particulares, os governados.
Os Mercados Financeiros exigem como condição sine qua non políticas concretas, exequíveis e sustentadoras do curto, médio e longo prazo, de forma a que se proporcione um ambiente que lhes é o desejável: um ambiente de confiança e de estabilidade nos investimentos, evitando assim as oscilações económicas imprevisíveis. Isto quer dizer que a credibilidade e a confiança são requisitos indispensáveis para um bom relacionamento com os mercados, e, em consequência disso, são concedidos certos benefícios adicionais aos Estados e Instituições que souberam dignamente honrar tais virtudes.
Os países estão inteiramente dependentes dos sinais e imposições que os Mercados Financeiros lhes impõem, condicionando as suas agendas políticas de governação. É aquilo a que alguns especialistas na matéria denominam da vertente negra do “capitalismo selvagem” nas suas múltiplas formas de actuação e manifestação.
Não é surpresa para ninguém que este modelo a que nos habituámos já não funciona, e a maioria das pessoas não pactua mais com ele. Basta constatarmos as ondas de revolta e de indignações do chamado “movimento dos indignados”, que renasceu rapidamente nos Estados Unidos da América, alastrando-se para a Europa, Ásia e Oceânia, contestando duramente a maldita política financeira, para percebermos que de facto ninguém está mais satisfeito com a situação económico-financeira actual.
Com efeito, não basta somente ficar indignado ou não pactuar com o modelo económico imposto. Mais do que tudo isso, é preciso haver a boa vontade política daqueles que nos representam, os governos dos Países, para travar essa prepotência dos mercados financeiros. Há menos de quatro anos atrás (se a minha memória não me trai), quando estávamos ainda no auge dos efeitos nocivos da crise de subprime nos EUA, que acabou por afectar quase todo o mundo, os governantes dos países mais industrializados do mundo (G8), colocaram nas respectivas agendas políticas a alteração significativa do sistema financeiro mundial, o que demonstrava nos horizontes não dar tréguas aos países, através de uma política regularizadora e mais fiscalizadora das mesmas.
Por vicissitudes várias, tais condoeteris, acabaram por esquecer completamente o tão ambicioso programa político, ou, pelo menos, mantê-lo na gaveta, por enquanto. E não há margem para dúvidas de que os nossos próprios representantes, não estão minimamente interessados em resolver definitivamente essa questão de mais fiscalização e transparência do funcionamento dos Mercados.
A questão que se levanta perante todo este panorama, é saber o porquê de continuarmos à mercê dos mercados financeiros, não obstante os seus nefastos ataques à economia real. E como é que nos deixámos chegar até este ponto de quase total estado de necessidade económica? Porventura os mercados financeiros terão assim superpoderes face aos países, como aparentam?
Respondendo à primeira interrogação, de facto continuamos reféns dos mercados financeiros, porque colocamos as nossas frustrantes expectativas onde não convém depositá-las; imbuídos pelo espírito de ganância e de lucro fácil, querendo, com aquilo que dispomos, ganhar tudo de uma vez só. Ora, não admira que com essa tentação egoística e individualista, caiamos em sérias ciladas e artimanhas dos Mercados, como temos vindo a assistir atemorizadamente.
A resposta à segunda pergunta, na perspectiva do Professor Álvaro Santos Pereira, in “Medo do Insucesso Nacional”, pode-se dizer que chegámos a esse ponto devido à falha no sector “imobiliário americano, mais concretamente no chamado mercado do subprime, no qual se concediam empréstimos bancários para aquisição de casa a clientes de alto risco, ou seja, pessoas que não têm os meios financeiros nem um bom historial habitualmente necessários para aquisição de casa própria”. Álvaro Pereira escreve ainda que “não só estes empréstimos eram altamente lucrativos para as instituições financeiras que os concediam, mas também eram extremamente tentadores para muitas famílias americanas, que viam neles a única possibilidade de poderem comprar a sua própria habitação”.
Colaborando com as explicações dadas, o reconhecido Economista Vítor Bento no seu livro “Economia, Moral e Política”, considera que “tal convicção vai atraindo cada vez mais gente, alimentando um boom que muitos acreditam ser infindável e que vai gerando um incomensurável riqueza artificial (i.e., sem sustentação económica), até que… não há mais ninguém para entrar no jogo e alimentar o boom! Quando isso acontece, gera-se o pânico, dando-se origem a um crash desordenado”. E perante essa onda de “optimização”, as taxas de juros, que eram consideravelmente baixas, de um dia para outro subiram drasticamente, após esse período inicial, fazendo com que as famílias “que contraiam esses empréstimos viam, em poucos meses, as suas prestações imobiliárias mensais triplicar ou mesmo quadruplicar”, sustenta Álvaro Pereira. E tudo isso acabou por alastrar rapidamente, afectando significativamente os grandes bancos americanos e europeus e, consequentemente, os respectivos países, uma vez que foram obrigados a injectar milhares de milhões para travar a falência dos bancos e, deste modo, evitar o contágio e colapso económico-financeira mundial.
Essa onda de crash desordenado contribuiu para levar à especulação dos preços dos produtos nos mercados, que eram até então acessíveis ao consumidor, nomeadamente a gasolina, o gasóleo e os cereais, que dispararam descontroladamente, obrigando os países a fazerem esforços adicionais, acabando por se prejudicarem gravemente. E tudo isto deixou sequelas enormes nas grandes economias mundiais, que não conseguiram libertar-se tão-facilmente da crise, fazendo com que esta persistisse até aos nossos dias, mas já com configurações e contornos de uma outra natureza, que tem a ver sobretudo com a disciplina orçamental, nomeadamente o elevado défice nas contas públicas nacionais e insuportável dívida pública soberana.
E por fim, os Mercados Financeiros, obviamente, não têm assim tanto poder como em princípio poderia parecer, na medida em que tudo depende de políticas concertadas dos países e de medidas de fiscalização adequadas que vão ao encontro das reais expectativas da economia. Só assim os Estados poderão livrar-se dos efeitos nocivos dos Mercados e da austeridade desnecessária que visa, única e exclusivamente, complicar a vida dos países e dos seus cidadãos em particular.
Perante a verdade exposta, perguntamos: de quem é a culpa? “A culpa é de muita gente, ainda que com quotas de responsabilidade diferentes”, escreve Vitor Bento. Eu diria que não só podemos atribuir a culpa aos reguladores, aos banqueiros, e aos gestores, como também, e acima de tudo, aos políticos e governantes que continuam a não demonstrar coragem suficiente para adoptarem uma política económico-financeira firme, capaz de mudar drasticamente o rumo das coisas. Mantendo-se a mesma política económica até aqui vigente, certamente que vamos continuar a caminhar para um abismo cada vez mais profundo, no qual teremos muita dificuldade de sair tão facilmente.
O grande cerne da questão está no “bloqueio da democracia” (onde é que estão os conceitos de Heródoto e Tucicles sobre os valores fundamentais da democracia?) nas palavras do Professor Paulo Trigo Pereira, justificando a afirmação com o facto de esta (a democracia) ter “dificuldades em promover o bem comum”.
A promoção do bem comum deve ser o ideal supremo de qualquer Governo, com vista a melhorar a qualidade de vida dos seus cidadãos. Caso contrário, continuaremos neste lamaçal económico-financeiro sem fim à vista, que não é com certeza benéfico para ninguém: nem para os Estados, nem para as Instituições, muito menos para os Cidadãos em geral.