O Orçamento do Estado

Tenho evitado nos últimos tempos escrever aqui no blog sobre a realidade política quer do meu país (a Guiné-Bissau), quer de Portugal, não obstante procurando, na medida do possível, estar ao corrente das notícias que me vão chegando, através dos media, da dramática situação – embora com graduação diferente – que os dois países enfrentam.

Em Portugal, tem-se falado exaustivamente sobre o Orçamento do Estado para o próximo ano, na possibilidade do Presidente da República, no âmbito da sua competência, recorrer ao Tribunal Constitucional a apreciação preventiva da constitucionalidade de normas constantes no referido Orçamento do Estado, uma vez que este – entendem alguns – viola flagrantemente certos princípios constitucionais.

Sem querer propriamente tomar partido neste pertinente e aliciante debate político, gostaria apenas de salientar que depois de ter ouvido com muita atenção os vários comentários vindos de diferentes sectores do país, partidos políticos, analistas e de especialistas na matéria (nomeadamente, quatros grandes constitucionalistas portugueses da actualidade no debate que tiveram ontem no auditório da minha faculdade para analisar a sustentabilidade do Estado Social: os senhores Professores Jorge Miranda, Gomes Canotilho, Jorge Reis Novais e Blanco de Morais, que convergem unanimemente na necessidade de o Presidente da República enviar o Orçamento para o Tribunal Constitucional, dado suscitar dúvidas de inconstitucionalidade – posição que o Professor Jorge Miranda veio novamente reiterar ontem a noite na sua entrevista no programa “Ultima Palavra” da RTP Informação), fiquei ainda mais com pena do Presidente da República na tamanha responsabilidade que pesa sobre os seus ombros e ao mesmo tempo na difícil e controversa decisão que terá que tomar, no prazo máximo de oito dias como impoe a Consituição, sobre se vai ou não enviar o Orçamento do Estado para o Tribunal Constitucional ou  optar por promulgá-lo.

Afirmo isto na medida em que o Presidente da República neste momento encontra-se duplamente comprometido: por um lado, defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição, e, de outro lado, defender a imagem do país no exterior, nomeadamente a credibilidade que este tem que transmitir aos mercados financeiros, evitando assim eventuais transtornos na retoma do país ao financiamento, pois Portugal continua ainda sob a égide de assistência financeira e um pouco refém dos mercados financeiros, que presa muito pela estabilidade governativa dos países. E tudo isto releva significativamente em ter o Orçamento de Estado logo nos primeiros dias do próximo ano. 

Tendo presente todas estas realidades em consideração, por isso, tenho tido uma postura muito serena no que toca à emissão de um juízo de valor sobre este Orçamento, evitando concordar com ele e concomitantemente também não lançar anátema sobre ele. Trata-se, a meu ver, de uma questão de prudência, embora tal não deva significar – como já tive oportunidade de manifestar – que não tenho já formado uma posição sobre o assunto.
 
Agora não tenho a mínima dúvida, tal como a maioria dos portugueses, que este Orçamento de Estado contém normas de carácter muito duvidosa e até mesmo inconstitucionais, desde logo os cortes nos salários dos pensionistas e dos reformados, e a redução drástica dos escalões de IRS, que eram 8 para passar a ser somente de cinco, o que certamente viola manifestamente os Princípios da Igualdade, Proporcionalidade e de Equidade disciplinados na Constituição da República.

Esta será a razão principal do arraiar de vozes de inúmeros portugueses contra o dito Orçamento, apelando à intervenção do Presidente da República para que este o envie para o Tribunal Constitucional, a fim de que esta instituição se pronuncie o mais rápido possível sobre as suas normas se são ou não inconstitucionais.

Com efeito, indo mais além da análise do Jurista Pedro Lomba, no seu artigo de opinião na quinta-feira passada no jornal Público, que traçava um cenário político difícil entre o Presidente da República e o Parlamento em caso do jumbo do Orçamento pelo Tribunal Constitucional: A meu ver, admitindo as coisas neste cenário de Pedro Lomba, não tenho a mínima dúvida que Portugal entraria automaticamente numa crise política, ou seja, estaríamos imediatamente perante as eleições antecipadas.

 Não acredito que  Pedro Passos Coelho estará novamente disposto em arranjar outras medidas alternativas em caso do chumbo do Orçamento para apresentar ao parlamento, fragilizando-se ainda mais a sua imagem que já por si desgastada pela política de austeridade que tem seguido desde início da legislatura; até porque poderemos questionar: que medidas alternativas mais haverá neste momento, que não entra em contradição com o espírito da Constituição? Será porventura as de corte de 4.000 milhões de euros para Fevereiro do próximo ano que a Troika aconselhou o governo a fazer? Terá já o governo para onde cortar? Como é que fica então o debate político da refundação do Estado Social que o governo lançou para aos partidos políticos e a sociedade civil em geral? Eis a grande questão para reflexão de todos.

Acresce ainda o facto de existirem sequelas profundas no seio do governo da coligação, que evidênciam uma eventual ruptura entre Passos Coelho e Paulo Portas, devido as constantes e notórias divergências políticas sobre a gestão do país, que vieram acentuar-se consideravelmente com a imprudente afirmação de Passos Coelho na sua última entrevista na TVI em relegar Paulo Portas para o número três do governo; e este, em retaliação ao de leve desalinhou com a posição formal do governo, que decidiu não pedir as mesmas condições favoráveis que o Eurogrupo atribuiu a Grécia na última reunião em Bruxelas e ainda dos conselheiros do CDS recusar convidar  Victor Gaspar no debate que o partido promove amanhã sobre o processo do Orçamento do Estado.

No bem ou no mal, uma coisa tenho a certeza: pesando na balança os argumentos e contra-argumentos expostos, e por aquilo que o Presidente Cavaco Silva nos tem revelado ao longo destes 6 anos da sua presidência, julgo que ele decidirá por não requerer a fiscalização preventiva do Orçamento do Estado, mas sim, promulgá-lo logo a primeira, evitando assim uma eventual crise política no país, como também satisfazer as exigências dos mercados financeiros tudo "em nome do interesse nacional", como habitualmente se costuma dizer, mesmo estando em causa os invioláveis preceitos da Constituição.