A Igreja Católica Romana sempre surpreendeu teologicamente
pela negativa. E a apologética sobre a virgindade de Maria, ulterior ao
nascimento do Senhor Jesus Cristo, é o exemplo manifesto da heresia
predominante no seio do catolicismo. A concepção de Jesus Cristo foi um acto
miraculoso que não teve qualquer tipo de cobertura humana. Foi, isso sim, fruto
da vontade soberana de DEUS para fazer cumprir o Seu Eterno propósito salvífico
para com a Humanidade outrora decaída pelo pecado original de Adão e Eva.
Ora, como ficou registado nos sinópticos, depois do Anjo
Gabriel ter terminado a conversa com José, que estava tomado no profundo sonho,
este “recebeu Maria por esposa; sem terem
tido antes relações conjugais” (Mateus 1:24). Acontece que, em abono da
verdade, depois do nascimento do Senhor Jesus Cristo não temos mais nenhuma
passagem bíblica que sustenta a continuidade da virgindade de Maria, antes pelo
contrário, há indicações e relatos que nos mostram que Maria envolveu-se
maritalmente com José, o seu marido, tendo inclusive outros tantos filhos e
filhas. O exemplo disto foi narrado pelos evangelistas Mateus e Marcos ao
referirem-se à incredulidade e concomitante admiração que Jesus suscitava
perante a multidão aquando do seu regresso à cidade de Nazaré, levando-os a
interrogarem-se de forma surpreendente: “donde
lhe vem a sabedoria e o poder de fazer milagres? Não é este o filho do
carpinteiro? Não é Maria a sua mãe? E não são seus irmãos Tiago, José Simão e
Judas? Não vivem cá também todas as suas irmãs? Donde lhe vem então tudo isto?”
(Mateus 13:54-56; Marcos 6:2-3).
São estes mesmos irmãos do Senhor Jesus, que ao
aproximar-se a "Festa dos
Tabernáculos" dos judeus, "não
criam nele" a priori (João 7:5), contudo ao ressuscitar dos mortos os
tais juntamente com os Seus discípulos e algumas mulheres, entre as quais a Sua
própria mãe, acabaram finalmente por crer Nele, “preservando unânimes em oração” (Actos 1:14). O Apóstolo Paulo,
volvidos três anos da sua conversão nas regiões das Arábias e Damasco, voltou a
Jerusalém tendo apenas a oportunidade de se cruzar com o Apóstolo Pedro e
também "Tiago, o irmão do
Senhor" (Gálatas 1:17-19). Pese embora a divergência doutrinária entre
os teólogos Católicos e Protestantes, levando aqueles a considerar que “os seus irmãos e suas irmãs” não são de
facto irmãos verdadeiros de Jesus, isto é, “irmãos
de sangue”, mas sim aquilo que podemos chamar "meios-irmãos" ou, caso preferirem a expressão comumente
usada, de "primos-irmãos".
Cingindo à linha condutora da interpretação dos versículos em apreço, a
fundamentação dos biblistas Católicos não corresponde à mínima verdade, por
razões muito simples: em primeiro lugar, a multidão começa por falar dos pais
terrenos de Jesus, o carpinteiro José e Maria, falando depois dos seus irmãos e
suas irmãs. Ou seja, vimos aqui o cuidado especial da multidão a dar primazia à
família mais directa de Jesus – que traduz o grau de parentesco mais próximo,
começando com a linha recta para depois entrar na primeira linha colateral. Se
de facto estes “seus irmãos e suas irmãs”
fossem mesmo primos-irmãos de Jesus, tal como alegam os teólogos Católicos,
obviamente que a multidão teria igualmente o cuidado de enumerar também os seus
tios e suas tias como fizeram questão com os primos-irmãos, se verdadeiramente
considerarmos que estes assim o são, uma vez que deveriam viver também estas
pessoas na mesma localidade de Nazaré. Falando a multidão do pai e da mãe de
Jesus para depois saltar e falar dos seus primos-irmãos sem, no entanto, fazer
qualquer tipo de referência aos seus tios e tias, a nosso ver, não tem qualquer
tipo de lógica e coerência interpretativa.
E mais, os tios e tias de Jesus são mais próximos Dele em
termos de parentesco do que propriamente os seus primos-irmãos. Porque razão a
multidão relevará os primos-irmãos do Senhor Jesus Cristo em detrimento dos
seus tios e tias? Objectivamente não faz qualquer tipo de sentido a multidão
omitir a primeira linha colateral do Senhor Jesus, dando contraditoriamente
primazia à segunda linha colateral. Isto somente reforça a convicção que sempre
perfilhamos de que, realmente, “os seus
irmãos e “suas irmãs” são mesmo germanos do Senhor Jesus.
Acresce ainda o facto de, depois de Maria ter dado à luz
Jesus Cristo em Belém de Judeia, o Evangelista Mateus usa a expressão seu “filho primogénito”, contrastando com o
termo do filho “Unigénito de Deus”
empregue por João 3:16 e em inúmeros
outros trechos sagrados. Atentando no significado etimológico da palavra “primogénito” tem-se por certo que
difere no sentido e alcance com o de “Unigénito”.
Dito de outra forma, a palavra "primogénito"
advém de “que ou aquele que nasceu antes
dos outros irmãos; filho mais velho”, ao passo que o “Unigénito” traduz "o
Único gerado por seus pais; Filho único". Nas Escrituras Sagradas, o
Senhor Jesus Cristo encarnou as duas denominações em simultâneo. O termo “Filho de Deus” tem quatros grandes
significados bíblicos, que não interessa estar agora a descortinar. Em relação
ao facto do Senhor Jesus Cristo ser o Filho Unigénito de DEUS, revela a Sua
eterna divindade como a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade. Aqui não se
colocam grandes dificuldades de interpretações, nem tão pouco há divergência
doutrinária sobre isso. A querela doutrinária prende-se mais com a expressão “filho primogénito” de Lucas 2:7, levando os católicos a
entender que o primogénito não é necessariamente o primeiro duma série em
sucessão. Por todos, o agora Papa Emérito Joseph Aloisius Ratzinger, vai ao
ponto de sustentar que “o termo primogénito não alude a uma numeração em ato,
mas indica uma qualidade teológica expressa nas mais antigas coleções de leis
de Israel. E, assim, enfatizando “que o
conceito de primogenitura adquire uma dimensão cósmica: Cristo, o Filho
encarnado, é por assim dizer, o primeiro de Deus e antecede toda a criatura,
que está ordenada para Ele e a partir d´Ele”. Por isso, sumaria, “é também princípio e fim da nova criação,
que teve início com a ressurreição” (in Jesus de Nazaré, Editora, Planeta,
2013).
Não comungamos deste entendimento redutor do Papa Emérito
Bento XVI, não obstante algumas verdades que astutamente encerra. Julgamos que
parte de um pressuposto errado na sua construção dogmática. O primogénito a que
o Evangelista alude no texto sagrado é referente ao recém-nascido filho de
Maria. Não hesitamos em admitir que a mesma expressão vai ganhando contornos
mais abrangentes e esclarecedores nas epístolas paulinas sobre o papel
determinante do Messias no processo da Criação e Salvação da Humanidade. Desde
logo, o facto do Senhor Jesus Cristo ser “o
primogénito entre muitos irmãos (Romanos 8:29)”, não somente consubstancia
a Sua primazia na ordem da dignidade, mas Aquele que inaugura uma nova
Humanidade – o primogénito de toda a criação. Ele é antes de todas as coisas e
nele subsistem todas as coisas, e ele é a cabeça do corpo, da igreja. Ele é o
princípio, o primogénito dentre os mortos para que em todas as coisas tenha a
primazia (Colossenses 1:17-18). É
através Dele que herdamos a vida eterna, mediante o Seu sacrifício expiatório
na cruz do Calvário – todos aqueles que, no Batismo, morreram e ressuscitaram
com Ele.
Uma coisa é Jesus Cristo ser o nosso irmão mais velho pela
Graça de DEUS. Outra coisa, e bem diferente, é Ele ser o "primogénito” de Maria e José. A igreja católica, refugiando-se no
seu preconceito doutrinário, não quer reconhecer esta manifesta verdade, mesmo
indo contra todas as evidências teológicas. Sabe que a partir do momento em que
admitisse a união marital de Maria e José colocaria automaticamente em causa a
divinização dogmática de Maria, apelidada como sendo a verdadeira “mãe de Deus Redentor”, tal como foi
doutrinalmente acolhido e legitimado nos concílios da igreja ao longo dos
séculos.
O Senhor Jesus Cristo, em suma, não foi O único filho de
Maria e José como O foi em relação a DEUS Pai, diferentemente da equivocada
tese teológica que a Igreja Católica procura defender a todo custo, mas sim
primogénito entre muitos irmãos, visto que José e Maria se envolveram
conjugalmente depois do nascimento de Jesus e tiveram filhos e filhas, como
ficou bem patente e demonstrado nos Evangelhos, Actos dos Apóstolos e nas
epístolas paulinas.
Considerando os argumentos expostos, perguntamos: como é
possível a Igreja Católica continuar ainda a negar esta grande verdade e
persistir teimosamente no erro? Se Maria teve outros filhos e filhas como já
ficou biblicamente provado, e pelos vistos não da mesma forma como foi em
relação a Jesus Cristo, como é que ela poderá permanecer virgem tendo-se
envolvido com José seu marido? Caso para dizer que a Igreja Católica continua
fiel a si mesma, ignorando sempre a maioria das revelações Bíblicas, não
obstante as evidências teológicas claras em sentido contrário.