A Encarnação do Senhor Jesus: Sinal de Divisão Entre Homens


A vinda do Senhor Jesus Cristo ao mundo foi a forma mais sublime, que o Todo-poderoso DEUS preferiu para se reconciliar com a Raça Humana outrora decaída pelo “pecado original” (João 1:14; 2 Coríntios 5:18-19). Contrariamente, ao que seria de supor, de uma recepção bastante calorosa e positiva do Messias, a mensagem do Evangelho encarnada por Ele acabou por ser motivo de escândalo entre os Homens, tal como ficou patente na afirmação do velho Simeão "que esperava a consolação de Israel” – depois de se ter encontrado com o menino Jesus que tinha sido levado pelos pais pela primeira vez ao templo para ser apresentado de acordo com a enraizada tradição judaica (Lucas 2:25; Gálatas 4:4-5). Para o servo de DEUS, o Senhor Jesus seria "a luz de revelação para os pagãos e glória para Israel; e para muitos em Israel motivo de ruína ou salvação" e, por fim, "sinal de divisão entre os homens, para revelar os pensamentos escondidos de muitos" (Lucas 2:32; 34:35). Sobressai, nesta afirmação profética, a manifesta dicotomia que assistirá o Senhor Jesus Cristo ao longo de todo o Seu ministério terreno: vai influenciar decisivamente o curso da História tanto a nível secular como espiritual, dando início ao cumprimento da tão aguardada promessa abraâmica e davídica (Génesis 12:3; 2 Samuel 7:1-16), estabelecendo assim o Pacto da Nova Aliança, através da Sua morte expiatória na cruz do Calvário. 

A encarnação do Senhor Jesus não é algo indiferente a nenhuma criatura. Por isso, o Natal começou com uma liminar rejeição por parte dos insensíveis homens que não queriam hospedá-Lo em suas aconchegadas casas, bem como os que deliberadamente prontificaram para Lhe prestar o devido culto, depois de receberem “as boas novas de grande alegria para todo o povo” transmitida efusivamente pelo anjo (Lucas 8:10). O autor sagrado, realçando este autêntico paradoxo, considera que “enquanto estavam em Belém, chegou o momento de Maria dar à luz. Nasceu-lhe então o menino, que era o seu primeiro filho. Envolveu-o em panos e deitou-o numa manjedoura, por não conseguirem arranjar lugar na casa”. (Lucas 2:6-7). Dito por outras palavras, o Senhor Jesus "veio para o seu próprio povo e o seu povo não o recebeu" (João 1:1-11), confirmando assim a Sua triste e humilde condição humano-social de não dispor para “onde reclinar a cabeça” (Mateus 8:20). 

Esta teima em rejeitá-Lo vai tendo o seu clímax nas constantes e reiteradas oposições que a Sua mensagem de amor suscitaria perante os seus ouvintes, persistindo a mesma resistência até aos dias de hoje. Tudo isto para concluir que, de facto, o Senhor Jesus nunca foi bem-recebido como era de esperar. Talvez fosse por esta mesma razão que o próprio, no auge do Seu ministério terreno, admitiu o antagonismo que a Sua vinda ao mundo envolveria, uma vez que não pensem, disse Ele em tom de advertência, “que vim trazer a paz à Terra. Não vim trazer a paz, mas a guerra. Vim, de facto, trazer a divisão entre filho e pai, filha e mãe, nora e sogra: os inimigos de uma pessoa serão os da sua própria família" (Evangelho s. Mateus 10:34-36; Lucas 12:49-53). Evidencia-se aqui, nestas fortíssimas palavras, o verdadeiro significado do discipulado Cristão, que consiste sobretudo na renúncia total de tudo aquilo que são os valores do “presente século mau”

A partir do momento da conversão de uma pessoa ela, para todos os efeitos, coloca-se definitivamente em inimizade e guerra espiritual contra o mundo. É um processo natural à luz das Escrituras Sagradas, pois ninguém pode servir a dois senhores: ou não gosta de um deles e estima o outro, ou há de ser leal para um e desprezar o outro (Mateus 6:24). Não podem servir a Deus e ao Diabo simultaneamente. Daí a urgente necessidade de o crente procurar estar revestido de todas as armaduras de DEUS para poder defender-se das setas incendiárias do Diabo (Efésios 6:14-18). Conhecendo o crente o alcance prático do “nascer de novo” passa a ter cuidados espirituais redobrados, visto que "ninguém que, tendo posto a mão no arado, olha para trás é apto para o Reino de Deus” (Lucas 9:59-62; Mateus 8:21), isto éo Senhor Jesus Cristo passa automaticamente a ser a única prioridade na sua vida; não já a família como é tendência natural, ou qualquer outra realidade exterior que possa minar a sua genuína fé. Estou crucificado com Cristo, escrevia peremptoriamente o Apóstolo Paulo, "por isso, já não sou eu que vivo; é Cristo que vive em mim. E a minha vida presente vivo-a por meio da fé no Filho de Deus que me amou e deu a sua vida por mim” (Gálatas 2:19-20). 

Pondo em prática esta grande verdade soteriológica, o crente no Senhor Jesus não tem outra alternativa viável senão entrar mesmo em rota de colisão com aqueles que lhe rodeiam e que continuam a resistir à salvífica graça de DEUS. E tais pessoas podem ser os nossos conhecidos ou desconhecidos. Podem, igualmente, ser amigos e até mesmo os elementos familiares. A mensagem da cruz é só por si sinónimo de humilhação, sofrimento, traição, inimizade, ódio, perseguição, morte e a vida em última instância (Salmo 14:4-6; Mateus 10:22-25; 24:9-13; Marcos 13:13; Lucas 21-17; João 15:18-21; Hebreus 11:35-38). Uma, em suma, “contradição”. Apesar desta dura realidade inicial, a vitória do crente continua inteiramente assegurada sobre todos estes elevados desafios espirituais (Romanos 8:37), uma vez que Cristo venceu e nós também venceremos na força do Seu Poder (João 16:33). Foi por este motivo que ELE, os Santos Apóstolos e todos os Grandes Heróis da fé do Cristianismo foram injustamente condenados à morte ao longo dos séculos. 

A divisão que a encarnação do Senhor Jesus Cristo representa não se limita apenas à dualidade de aceitação & rejeição. Tal facto vai ganhando contornos completamente imprevisíveis no decorrer de todo o Seu ministério terreno: muitos, infelizmente, ouvem a Sua Palavra e reagem com total descrença, como é o caso bem representado pelo rei Herodes e os demais incrédulos (Lucas 2. 3-6; 2:13); outros, por sua vez, ouvem-na de bom agrado e procuram corresponde-la à sua vida prática, tal como é o caso dos pastores de Belém, os Magos do Oriente e todos os devotos Cristãos de todos os tempos (Lucas 2:1-2; 11). Esta dicotomia sobre a pessoa do Filho de DEUS incorporará várias adjectivações bíblicas, nomeadamente (I) a “Videira Verdadeira” onde Jeová é descrito como sendo o agricultor. Ele corta todos os ramos que em Jesus não produzem frutos, e limpa os que dão fruto para que dêem ainda mais (João 15:1-3; Isaías 5:1-4); (II) à "Pedra de Sião" (Actos 4:11), que servirá para a salvação de todos aqueles que nela crêem e concomitantemente à perdição daqueles que a rejeitarão (Isaías 28:16; Romanos 9:33; 1Pedro 2:6-8); (III) a "Porta Estreita" e a "porta larga" que estão sempre em constante oposição uma com a outra. A primeira traduz o caminho que vai dar à vida eterna e são poucas as pessoas que a encontrarão, ao passo que a segunda representa o espaçoso caminho, que a princípio poderá parecer o mais viável aos polutos olhos humanos, mas que vai dar à perdição eterna. São muitas as pessoas que para ali se encaminharão (Mateus 7:13-14). Os que andam na "Porta Estreita" são os que têm a marca indelével de Cristo nas suas vidas e vivem com Ele para toda a eternidade. Os da "porta larga" são os dissolutos que pertencem ao Diabo e aos seus demónios, que jamais aceitarão a graça redentora do Evangelho. São os mesmos que no Julgamento Final vão ser apelidados de "cabras" e postos à esquerda do Senhor Jesus, enquanto as "ovelhas" ficarão à Sua direita. Dirá o Senhor Jesus para estes, em tom de reconhecimento: “venham, abençoados de meu Pai! Venham receber por herança o reino que está preparado desde a criação do mundo”. E para aqueles que estiveram à Sua mão esquerda, as ditas "cabras", dirá o Senhor: “vão para o fogo eterno que foi preparado para o Diabo e para os seus anjos". Todos eles serão enviados para o castigo eterno, inversamente aos que aceitaram em vida o Senhor Jesus (Mateus 25:31-46). 

O único propósito da vinda do Senhor Jesus Cristo ao mundo prende-se com o Seu incondicional amor para com a Humanidade perdida pelo lamaçal do pecado (João 3:16). Se não fosse essa razão, jamais teríamos o Natal, permaneceríamos mortos nos nossos deleites e pecados que nos sentenciariam à morte eterna, porque "o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna, por Cristo Jesus, nosso Senhor" (Romanos 6:23). No entanto, DEUS no Seu infinito e indiscritível  amor entendeu que não deveria desamparar o Homem, concedendo-lhe a Graça, o Perdão e a Reconciliação com Ele, mediante o nascimento virginal do Senhor Jesus Cristo e Sua morte expiatória na Cruz do Calvário e ressurreição (Romanos 5.10.11, 11.15; II Coríntios 5:18; Mateus 28:1-10; Marcos 16:1-10; Lucas 24:1-12; João 20:1-10). A História, portanto, da encarnação do Senhor Jesus é a História da redenção da Humanidade depravada e do confronto directo com a sua miserável condição pecaminosa. Ela é também de divisão entre os Homens, uma vez que Ele há de batizar “no Espírito Santo e no fogo ao mesmo tempo. Tem nas mãos a pá e vai separar, na sua eira, o trigo da palha. Guardará o trigo no celeiro e queimará a palha numa fogueira que não se apaga» (Mateus 3:11-12). Interiorizando esta grande verdade teológica, o Papa Bento XVI sustenta que "Cristo é sinal de uma contradição que, em última análise, tem em vista o próprio Deus. Sempre de novo, o próprio Deus é visto como a limitação da nossa liberdade, uma limitação que tem de ser eliminada para que o homem possa ser completamente ele mesmo. Deus, com a sua verdade, opõe-Se à múltipla mentira do homem, ao seu egoísmo e à sua soberba. (…) Redenção não é bem-estar, um mergulho na autocomplacência, mas libertação do autofechamento no próprio eu. Essa libertação tem como preço o sofrimento da Cruz. A profecia sobre a luz e a afirmação acerca da Cruz caminham juntas"[1]

Por isso, meus caros amigos, em suma, é importante ponderarmos seriamente sobre estas importantes verdades da salvação e não nos deixarmos ludibriar com as astúcias e artimanhas dos homens, a que assistimos sempre que estamos nesta quadra, que não reflectem o real significado do nascimento do Filho de DEUS. Somos todos convocados a procurar adequar à verdadeira essência da mensagem do Natal nas nossas vidas. E tudo isto passa, acima de tudo, em confiarmos inteiramente as nossas vidas ao Senhor Jesus Cristo e à Sua Preciosíssima Palavra. Só assim poderemos usufruir na íntegra da dádiva da salvação concedida com a Sua encarnação. Que assim seja. 



[1] Joseph Aloisius Ratzinger, in Jesus de Nazaré [A Infância de Jesus], p. 74,75, Principia, 2012.