Exercitava a memória a propósito da tão propalada dívida
grega que tem sido exaustivamente comentada pelos governos europeus e
objecto de inúmeros debates pelos “donos da opinião” nos
media. Até aqui nada que se afigure anormal. A poluta postura dos credores internacionais e dos tendenciosos analistas prende-se, sobretudo, com a prepotência
que têm ostentado nos seus comentários, arrogando-se de "visionários políticos" que tudo sabem e ensinam na matéria das finanças
públicas, conotando, explicitamente, a Grécia de prodigalidade
orçamental.
Longe de mim tal pretensão de querer julgar o governo
helénico sobre os seus desequilíbrios financeiros. Não apenas não tenho autoridade
moral para isso, como tenho imensas dívidas de gratidão para com a Grécia. Na
minha passagem por aquele maravilhoso país recebi benesses que jamais
tive em muitas terras pelas quais passei. Primeiramente estive em Atenas e
posteriormente em Corinto. Durante a minha estadia nessas duas magnificas
cidades, fui poupado a gastar aquilo que realmente deveria. Visitei os
fabulosos monumentos gregos à borla. Comi na cantina da Universidade de Atenas
sem pagar nenhum tostão. Andei de transportes públicos de forma praticamente
gratuita, pagando apenas metade do preço do custo das viagens. Tudo saboreado à
grande e à francesa. Na Grécia os alunos beneficiam de muitas isenções que, da
mesma sorte, abrangem também os estudantes estrangeiros. E como transporto
sempre o meu cartão de estudante para qualquer sítio que vou (que serve também
de multibanco) acabei por aproveitar as regalias do "estatuto
especial do aluno" consagrado na lei do país.
Acresce ainda o facto que, para além dos “débitos” pessoais
elencados, tenho ainda uma dívida religiosa e cultural para com a Grécia,
nomeadamente a herança Judaico-cristã e Greco-romana de que sou produto. Da
mesma forma, os Cristãos e o mundo Ocidental são aquilo que são graças à
genialidade dos gregos. Reconhecendo esta grande verdade, o P. Gonçalo
Portocarrero sustenta que "se a herança judaica situa a mensagem
cristã no contexto da história de um povo, o pensamento helénico prepara o
espírito humano para a compreensão da doutrina de Cristo como verdadeiro conhecimento" (LER), enfatiza.
Subscrevo na íntegra esta inequívoca leitura. De facto a
nossa espiritualidade seria mais pobre em todos os aspectos se não tivéssemos
as epístolas de Paulo às igrejas de Tessalonicenses, Coríntios e Filipenses
para sedimentar as nossas convicções doutrinárias. Não seriamos aquilo que
somos hoje e tão-pouco a Europa teria granjeado o prestígio internacional ao
ponto de ser considerada uma grande civilização ao longo da História. E tudo
isto deve-se, em última instância, à sagacidade e argúcia dos gregos, a começar
pelos seus distintos filósofos e a importância que tiveram no pensamento Ocidental, o contributo inegável da Democracia na valorização e afirmação do
Princípio da Igualdade entre os seres humanos e a língua grega como trampolim e
projecção do Cristianismo na Europa e no mundo inteiro.
Obviamente que o tratamento especial que recebi na
Grécia e a "formatação helénica" de que sou produto
não se traduzem na dívida pecuniária, mas sim no espírito de enorme gratidão
que guardo comigo. É verdade que a Grécia precisa fazer reformas estruturais
para relançar a sua débil economia e, deste modo, saldar a exorbitante
dívida pública para com os credores internacionais. No entanto, os governos
europeus coadjuvados pelas ululantes vozes de "fazedores de opinião",
não precisam de estar permanentemente a marginalizar os gregos e a
lançar anátemas contra o seu país. Tal postura não se coaduna com os Princípios
e Valores da União Europeia. É preciso compreensão e solidariedade para com o
governo helénico, bem como ajudá-lo, com enorme paciência, a superar crise que
a tem tornado refém dos mercados financeiros.
Muitos países podem julgar-se neste momento justos credores da
Grécia, mas se fizerem um esforço de memória e forem sinceros na sua
auto-analise concluirão, de facto, que são eles os eternos devedores da Grécia
e não vice-versa. Não é dívida em dinheiro, tal como ficou patente. É muito mais que isso. Não há
nenhum valor pecuniário que consiga pagar a nossa identidade. É esta dívida que
todos os cidadãos e países europeus têm com a Grécia.