O Ministério do Púlpito (2)


No dia 25 do mês passado estive a pregar no culto da tarde da minha igreja, a Evangélica Baptista da Amadora, a convite do Pastor Marcos Mendes Ferraz. Não foi a primeira vez que Ferraz me convidou para partilhar, com os irmãos da nossa congregação, a Palavra de DEUS. Tem sido prática habitual nos últimos anos, razão pela qual aproveito aqui publicamente para agradecer-lhe, penhoradamente, esta maravilhosa e gratificante oportunidade que me tem proporcionado para crescer espiritualmente. 

Antes de pregar, coube-me, ainda, a nobre tarefa de dar a Escola Bíblica Dominical (EBD) na classe de Jovens, na qual sou professor há oito anos. O tema do estudo nesse dia (na Revista da Convenção Baptista Portuguesa que sempre seguimos) foi "Quando Deus Chama", baseado no trecho sagrado de Génesis 12:1-9, reflectindo sobre a vida e a chamada do patriarca Abraão, bem como a sua irrepreensível postura de corresponder na íntegra os propósitos divinos, num acto heróico de fé que é bastantemente elogiado pelos autores bíblicos. 

O patriarca Abraão tinha inúmeros pretextos plausíveis, tal como a generalidade das pessoas do mundo fazem ainda hoje, para declinar desobedientemente a chamada de DEUS: estava já em avançado estado de idade e tinha praticamente a sua vida feita junto da sua parentela, amigos e conhecidos. Mesmo assim, respondeu positivamente ao apelo de conversão da velha vida pagã, que outrora levava, para Nascer de Novo em DEUS. Aceitou todos os difíceis condicionalismos antropológicos, lançando-se numa incrível aventura espiritual, que não conhecia por completo (Hebreus 11:8). Ancorava-se apenas no poder miraculoso do Altíssimo. E assim foi durante toda a sua peregrinação terrena. 

O nosso DEUS quando chama também providencia amparo, protecção e bênçãos materiais e espirituais para os seus eleitos filhos, sem prejuízo de termos que passar, muitas das vezes, pelo "vale da sombra da morte" como prova para confirmarmos a nossa fé Nele. Foi o que aconteceu com Abraão, nas inúmeras adversidades que teve que enfrentar, juntamente com a sua família. Conseguiu resistir inabalavelmente, mantendo-se no centro da vontade de DEUS. A concretização da "promessa abraâmica" (Génesis 12:1-3 ; 17:1-22) deve-se, em parte, à obediência plena do patriarca Abraão. 

Não obstante o exemplo louvável da fé de Abraão, que somos todos encorajados a seguir, ele não era perfeito, tal como nenhum outro ser humano o é. Tanto por esta razão teve depois algumas recaídas na sua espiritualidade ao longo da vida. Um dos casos foi o dolo que usou para ludibriar os egípcios, ocultando-lhes a sua verdadeira relação marital com Sara, obrigando esta a dizer que ambos eram meramente irmãos (Génesis 12:13-14), expondo-a ao risco do pecado na casa do Faraó. Felizmente não aconteceu o pior, porque o próprio Senhor "puniu o Faraó e a sua casa com grandes pragas, por causa de Sara, mulher de Abraão". Em consequência disso, foram autorizados a ir embora do Egipto com tudo o que possuíam. (Génesis 12:17-20)

Terminei o estudo invocando três importantes verdades que nunca devemos esquecer: (1) A salvação é um acto unilateral de DEUS para com o pecador. É DEUS, que na Sua Eterna e infinita Misericórdia, chama as pessoas para o arrependimento e genuína conversão de vida; (2) seguir o Senhor não significa automaticamente que tudo vai correr sempre na perfeição, não obstante termos a promessa da vida eterna, tendo, inclusive, a presença permanente Dele para nos ajudar e orientar naquilo que precisamos; (3) Não é pela nossa boa conduta que somos salvos. A salvação é única e exclusivamente pela graça de DEUS, uma vez que "não há um justo, nem um sequer. Não há ninguém que entenda; Não há ninguém que busque a Deus. Todos se extraviaram, e juntamente se fizeram inúteis. Não há quem faça o bem, não há nem um só" (Romanos 3:10-12). Na nossa caminhada Cristã ninguém pode afirmar categoricamente que leva bastante tempo sem pecar, isto porque não habita nenhum bem em nós, tal como reconhece e sustenta o Apóstolo Paulo (Romanos 7-15-24). Somente o favor imerecido de DEUS para nos justificar dos nossos delitos e pecados (Efésios 2:1-10). 

Já no culto da tarde, numa primeira experiência, tive o privilégio de conduzir toda a actividade litúrgica de início ao fim. Desempenhei o papel de dirigente do louvor, da oração e do pregador. O sermão foi sobre "Quem Vai Morar com DEUS no Céu?", baseado no texto bíblico do Salmo 15:1-5. Fiz, primeiramente, um enquadramento teológico sobre os livros dos Salmos, começando pelos seus inspirados autores, a data em que foram escritos, os diferentes temas que encerram e os propósitos espirituais que visam alcançar. 

Depois destas importantes considerações dogmáticas, comecei a explorar hermenêuticamente cada uma das passagens bíblicas em apreço. Nos primeiros dois versículos o salmista David começa com uma interrogação: "quem, Senhor, habitará no teu tabernáculo ou morará no teu santo monte?" A adjectivação do "tabernáculo" ou "santo monte", empregue pelo autor sagrado, aponta para a morada celestial do Senhor. 

No êxodo judaico, do Egipto para a Terra Prometida, o tabernáculo era o "domicílio" onde DEUS aparecia para interagir com o seu povo na transitória jornada que percorria (Êxodo 40:35). E com a construção do templo, mais tarde, pelo rei Salomão, no Monte de Sião, os judeus passaram a entender, até hoje, que é ali que acontece a teofania. Este entendimento redutor tornou-se ainda manifesto no diálogo de Jesus com a mulher samaritana. E o Senhor Jesus teve, felizmente, a amabilidade de ensinar à adúltera mulher que DEUS ultrapassa todos os círculos locais e territoriais, que os humanos querem limitadamente impingir-Lhe, isto é, está em todos os sítios e lugares do mundo. O mais importante é recebê-Lo no coração e adorá-Lo em espirito e em verdade (João 4:20-24). Tanto a palavra "tabernáculo" como o "santo monte" tinham a mesma ideia – a do lugar onde DEUS aparece – a Shekinah. No entanto, podemos entender hoje as duas formulações como sendo o Céu, o paraíso celestial, onde DEUS, de facto, habita com os seus santos anjos (Isaías 6:1-4 ; Mateus 6:9-10 [LER])

A pergunta, em princípio, aparenta não ser difícil de responder. Mas o segredo não estava em respondê-la correctamente ou sabê-la na perfeição. Havia algo mais no seu sentido holístico. Aliás, algo que continua a fazer imensa confusão a muita gente, inclusive, no remoto tempo de Jesus. O leitor, certamente, recordar-se-á do jovem rico que se abeirou de Jesus para perguntar-Lhe como fazer para herdar a vida eterna (estar com DEUS, bem entendido [Lucas 18:18-23]). Vimos que o jovem até sabia de cor os mandamentos que conferem "a chave do Reino" para entrar nele. Mesmo assim, não estava ainda habilitado para tomar posse da vida eterna, uma vez que deixou inundar o seu coração com as riquezas mundanas. Também muitos fariseus tinham autoridade para explicar a Lei de Moisés, contudo "fecham a porta do reino dos céus na cara das pessoas. Não entram, nem deixam entrar os que gostariam de o fazer" (Mateus 23:2-13). Tudo isto para concluir, inequivocamente, que o mérito não está em saber responder à referida pergunta, mas sim vivenciar a sua prescrição. 

Por ser uma questão tão importante e pertinente, o salmista David voltou a levantá-la no Salmo 24:3. Da mesma sorte prontificou-se, igualmente, a responder-lhe naquilo que os teólogos apelidam de "liturgias de entrada". Na sua resposta, de quem vai morar com o Senhor, o salmista começa com aquele que "vive com a integridade, e pratica a justiça, e, de coração, fala a verdade". As virtudes da integridade, justiça e verdade são indissociáveis. Estão completamente interligadas. Um Homem íntegro é, ao mesmo tempo, habilitado a trilhar os caminhos da rectidão e a praticar a justiça em todos os seus actos. Não avalia as pessoas por aquilo que são ou pelo seu estatuto social. Procura dar a cada um aquilo que merece – quer seja rico ou pobre; civilizado ou menos civilizado. Sente-se devedor tanto a sábios como a ignorantes (Romanos 1:14). Não discrimina ninguém pela sua humilde condição social. Apenas direcciona a sua conduta com os critérios da equidade e fala a verdade, doa a quem doer, independentemente da situação e dos riscos associados a isso, visto que sabe que somente a verdade o libertará (João 8:32)

O aspirante à morada de DEUS é bastante cauteloso com a sua língua, pondo mordaça nela (Salmo 39:1). Mede muito bem as implicações práticas das suas palavras, antes de pronuncia-las, porque sabe que "a língua é como um fogo; é um mundo de maldade. Sendo uma pequena parte do nosso corpo, pode contaminar a pessoa inteira e pode queimar a vida toda com o seu fogo infernal" (Tiago 3:6). Por isso evita falatórios inúteis, sobretudo desperdiçar o seu precioso tempo a falar mal da vida alheia e, muito menos, pôr em causa a reputação dos outros. Não entra em bisbilhotice, nem toma parte na roda dos escarnecedores (Salmo 1:1). Aplaca muito bem a sua língua para não ofender o seu próximo que deve, acima de tudo, amar. E mais, ele despreza tudo aquilo que entra em contradição com a impoluta Palavra de DEUS, satisfazendo-se apenas naquilo em que há virtude e boa fama (Filipenses 4:8). Deleita-se com as coisas do Senhor (Salmo 122:1), e com aqueles que almejam estar na perfeita comunhão com Ele. 

O aspirante à morada de DEUS é completamente intransigente nas promessas que faz com os terceiros. Procura cumpri-las todas, mesmo sendo em seu prejuízo total, e não se retracta. Prima, acima de tudo, pela palavra dada. É o fluir natural da sua boa conduta, que reflecte manifestamente o seu carácter interior e testemunho exemplar de vida. Daí que empresta o seu dinheiro sem exigir juros. É demasiado generoso, não tira dividendos adicionais com os favores pecuniários que presta aos carenciados. Não havia qualquer problema em emprestar o dinheiro e, em contrapartida, receber depois o pagamento com os juros legais (Mateus 25:27; Lucas 19-23), mas ele abdica desse aliciante lucro em prol do próximo. 

Da mesma forma que não cobra os juros, também não reclama o pagamento imediato perante os seus devedores. É um credor tolerante, diferentemente do credor incompassivo (Mateus 18:28-30). Eles pagam-lhe quando tiverem disponibilidade e meios financeiros para tal, e se não tiverem as condições necessárias para pagar-lhe ele não faz questão de cobrar-lhes por coacção. Tem a consciência social bem apurada. Não se deixa subornar contra o inocente. Ele procura defender a causa dos humildes e marginalizados da sociedade; ou pessoas vítimas de injustiças, ajudando-as naquilo que for necessário para superarem as dificuldades que enfrentam. Ele não pactua com as arbitrariedades cometidas pelos poderosos, mas folga-se com a verdade. Está permanentemente ao lado dos fracos para coadjuvá-los. A verdade, a fé, o amor, a bondade, a humildade, a integridade, a rectidão, a misericórdia, a justiça, a paz, a benignidade, o gozo da salvação são grandes virtudes que norteiam o decoro do aspirante à morada de DEUS, consubstanciando os frutos do Espírito (Gálatas 5:22). É tudo isto que o sacia. 

Todo aquele que encarna na íntegra estes virtuosos ensinos na sua vida quotidiana, tal como termina peremptoriamente o salmista, jamais sucumbirá. Não desfalecerá porque ama a DEUS acima de todas as coisas. É "limpo de mãos e puro de coração, não entrega a sua alma à vaidade, nem jura enganosamente" (Salmo 24:4). Por isso nunca será confundido na sua fé em DEUS e no Senhor Jesus Cristo. Está definitivamente limpo e não precisa tomar mais banho, a não ser lavar os pés (João 13:10). Está aqui, implicitamente, a ideia de garantia da salvação. As pessoas que nasceram, de facto, de novo têm seguramente a salvação assegurada. Aconteça o que acontecer. Ninguém poderá arrebatá-las das mãos de Jesus (João 10:27-28), e tão pouco separá-los do amor de DEUS que há em Cristo Jesus (Romanos 8:35-39), porque, como asseguram as Sagradas Escrituras, "os que confiam no Senhor serão como o monte de Sião, que não se abala, mas permanece para sempre"(Salmos 125:1). E assim, como o aspirante ao céu confiou inteiramente em DEUS durante a sua peregrinação terrena, entrará na casa do Senhor e ficará com Ele para todo o sempre (Salmo 23:1 ; Mateus 25:34-40 ; Apocalipse 21:3-7). 

Em suma, o salmista elenca dez requisitos ético-morais, no capítulo todo, como impreteríveis para herdar a vida eterna. Com efeito, estes requisitos devem ser interligados com outros preceitos bíblicos, sobretudo os relacionados com a ordem vertical – que dizem respeito directamente à pessoa de DEUS e ao nosso relacionamento especial com Ele. Apesar do autor sagrado não realçar esse importante pormenor no texto, dá para extrai-lo no elemento teleológico dos requisitos mencionados. E não há margem de dúvida que o aspirante à morada de DEUS tem clara noção disso, especialmente dos Dez Mandamentos (Êxodo 20:1-17) que se vão desdobrando pormenorizadamente, com o maior alcance teológico, pelo Evangelho no Novo Testamento. 

Foi essa mais ou menos a síntese da mensagem que partilhei com os meus estimados irmãos da igreja. Uma experiencia única e gratificante como sempre. Agradeço à minha igreja pela oportunidade que me proporcionou. A DEUS toda a glória eternamente. Ámen.