Estou ainda a digerir o Brexit do
Reino Unido da UE, tal como a generalidade das pessoas. Os britânicos sempre
foram imprevisíveis, puristas e protestantes na sua mundividência sociológica.
É um povo ultranacionalista e com bastantes complexos de superioridade face aos
outros. Consideram-se timoneiros dos povos e baluarte da Modernidade. Ostentam
um orgulho pátrio inexaurível – tanto no bom como no mau sentido. Tais
peculiares características prendem-se sobretudo com o facto de ser um dos
países mais influentes, prósperos e poderosos do mundo (LER). Reclamam para si, as mais das
vezes, a primazia em tudo aquilo a que estão associados. A começar, desde logo,
no plano político, social, religioso, militar, comercial, cultural, científico
e no quadro das relações bilaterais com outras nações. Quando este pressuposto
não está preenchido é motivo para criarem pretextos de desvinculação. Foi
exactamente o que aconteceu no longínquo séc. XVI com a renúncia da Inglaterra
à autoridade papal e o rompimento definitivo com a poderosa Igreja Católica,
que dominava então o mundo neoclássico, através da Res
publica Christiana, culminando com a dissolução dos mosteiros e subsequente
fundação da Igreja Anglicana. O rei Henrique VIII, da Casa de Tudor, usurpava
assim o poder eclesiástico autoproclamando-se o seu chefe supremo. A princípio
este acto do rei poderia parecer irreflectido, visando apenas suprir o seu
capricho carnal de divorciar-se da inofensiva Catarina de Aragão e casar com
Ana Bolena. No entanto, tudo isto está subjacente à ideia da inquestionável
soberania da Inglaterra e o complexo de superioridade que os britânicos têm
face aos outros povos. Foi, igualmente, o que sucedeu quando o país se
apercebeu do seu fracasso político nos territórios colonizados e, para não se
reduzirem a um papel irrelevante, decidiram simplesmente retirar-se.
Por isso, a história do Brexit tem que
ser vista neste prisma (LER). Só assim poderá ser holisticamente
entendida. A Grã-Bretanha jamais aceitaria ser liderada pelo eixo franco-alemão
na UE. Foi devido a essa desconfiança, que não entraram de “corpo e alma” aquando
da sua adesão em 1973, manifestando sempre reservas pontuais sobre o
funcionamento da instituição e os poderes “abismais” que os seus
órgãos foram albergando ao longo dos anos. Se o Reino Unido tivesse a primazia
que a Alemanha e a França possuem na UE certamente a história seria bem
diferente. Não se colocaria, em circunstância alguma, a hipótese de
abandoná-la. Podemos extrair essa conclusão no artigo de opinião de um dos mais
acérrimos apoiantes do Brexit, o conservador e anti-europeu Boris Johnson, no The Daily Telegraph, que vai
ao ponto de refutar o argumento daqueles que defendem que o Reino Unido seria
mais “influente” no
seio da UE do que propriamente fora dela, considerando que “isto convence-me cada vez menos.
Só 4% das pessoas que dirigem a Comissão são cidadãos britânicos, ao passo que
o Reino Unido representa 12% da população da UE. Não percebo porque é que a
Comissão haveria de estar mais bem posicionada para conhecer as necessidades
das empresas e indústrias britânicas, ao invés dos numerosos funcionários da
agência UK Trade & Investment ou do Ministério da Economia”, rematava.
Mais do que argumentos esgrimidos de
ambos os lados antagónicos sobre o futuro do Reino Unido, a meu ver, a questão
determinante para este inesperado Brexit tem mais a ver com a mundivisão
puritana, ultranacionalista e o complexo de superioridade que caracteriza o
povo britânico, tal como supra sublinhei.
Apesar desta peculiaridade que ostenta, não tenho margem para dúvida de que o
país vai dar volta à situação e ultrapassar definitivamente o imbróglio
político instalado, máxime a imposição dos mercados financeiros e o clima de
inevitabilidade que os “donos de opinião” vaticinam ao país num
futuro breve. É um povo valente que não se verga às pressões exteriores e tão
pouco se resigna facilmente. Deram inequívocas provas disso ao longo da
História. E vão novamente triunfar perante esta desnecessária crise, que
resolveram estouvadamente criar. Assim espero para o bem-estar de todos.