Quando vemos a maioria dos nossos conterrâneos, de forma
conivente ou inocente, a celebrar efusivamente "Setembro
Vitorioso" somente reforça ainda mais a nossa pré-determinada
convicção de que o guineense típico não se enxerga e deixa facilmente levar
pelo "canto da sereia". Tal como já tivemos a
oportunidade de manifestar publicamente aqui neste espaço: consideramos
completamente desvantajoso, e uma opção política errada, o facto do Engenheiro
Amílcar Lopes Cabral ter conduzido a Guiné-Bissau para uma estúpida guerra
armada que, pelos vistos, o país não estava preparado para entrar. Os custos e
benefícios que advêm dela foram manifestamente desproporcionais, com agravantes
abismais daqueles em detrimento destes. Não houve, infelizmente, progressos
assinaláveis do ponto de vista humano-social (LER).
E aos mitómanos que continuam acerrimamente a defender o contrário,
interrogamos-lhes: onde é que estão os nobres Princípios e Valores outrora
apregoados pelo PAIGC na génesis da referida guerra? Os guineenses podem, de
facto, orgulhar-se de 24 de Setembro de 1973? Temos a verdadeira Liberdade, a
Paz e a Democracia que tanto almejamos? Os ideais do progresso estão a ser
paulatinamente prosseguidos no país? Conseguimos estancar a elevada taxa da
mortalidade, máxime materno-infantil, o analfabetismo, a fome, a pobreza
extrema e as tremendas desigualdades sociais? Estamos, com as políticas
públicas que têm vindo a ser desenvolvidas ao longo dos anos, a construir um
futuro bem-aventurado para o nosso desgraçado povo? Somos bem-vistos pelos
outros países? Dispusemos de alguma credibilidade na arena internacional? A
vida dos guineenses melhorou, em termos qualitativos, com todo este penoso
sacrifício feito? Somos um povo realmente feliz e realizado? Temos orgulho
daquilo que construímos até à data presente com a nossa auto-determinação? As
nossas legítimas expectativas para o futuro são auspiciosas? Valeu mesmo a
pena termos tomado a nossa independência de forma sangrenta como foi? O
Setembro é, afinal, vitorioso em quê?
As respostas a todas estas pertinentes questões não
poderiam ser mais do que negativas, por razões manifestamente cognoscíveis. E
voltamos novamente a interrogar: para que serve então a maldita guerra
colonial? Para lutarmos e estarmos pior como estamos agora? Certamente que não.
Partindo deste entendimento jamais apoiaríamos o método violento levado a cabo
na nossa descolonização, uma vez que morreram injustamente um número
incalculável dos guineenses e portugueses sem nada ter sido feito para
compensar o sangue derramado.
Esperava-se, se não fosse o cúmulo da incompetência e
corrupção generalizada dentro do aparelho de Estado, que os nossos dirigentes
criassem políticas de boa governação, com vista a fazer definitivamente a
Guiné-Bissau avançar. Não foi, no entanto, o que aconteceu para infelicidade de
todos nós. Por isso, o Setembro é exclusivamente "vitorioso" para
a "pequena burguesia" de Bissausinho – daqueles que estão a beneficiar com o sistema
corrupto e autoritário que vigora no país; que conseguem viver à grande e à
francesa e, sobretudo, põem os seus filhos em melhores escolas
privadas do país, bem como mandá-los posteriormente para o exterior a fim de continuarem
com a formação académica, livrando-lhes dos tremendos males do país; que as
suas mulheres e concubinas fazem da Europa a sua segunda morada, com todas as
mordomias que isto comporta do ponto de vista económico-social; daqueles que
comem do bem e do melhor que há no país, usufruindo simultaneamente ainda dos
serviços sanitários dos países desenvolvidos para estarem de boa saúde com os
seus familiares, à mercê do erário público; para estes, sim, sem margem para
dúvidas, o Setembro é "vitorioso" e não seguramente
para o nosso humilde e miserável povo.