Um Epílogo Sentimental de Quem Muito Sofre IV


«Aqui estou eu: Filosofia,
Medicina e Jurisprudência, (…)
Estudei a fundo, com paciência.
E reconheço, pobre diabo,
Que sei o mesmo, ao fim e ao cabo!
Chamam-me Mestre, Doutor, sei lá quê,
E há dez anos que o mundo me vê
Levando atrás de mim a eito
Fiéis discípulos a torto e a direito –
E afinal vejo: nosso saber é nada!
É de ficar com alma amargurada.
Sei mais, é claro, que todos os patetas,
Mestres, doutores, escribas e padrecas;
Nem escrúpulos nem dúvidas eu temo,
E não receio nem Inferno nem demo –
Mas não me resta réstia de alegria,
Nem me iludo com vã sabedoria,
Nem creio que tenha nada a ensinar
À humanidade, que a possa salvar.
Também não tenho bens nem capitais,
Nem glórias ou honras mundanais.
Até um cão desta vida fugia!
Por isso me entreguei à magia,
Para ver se por força da mente
Tanto mistério se abre à minha frente;
Para que não tenha, com o fel que suei,
De dizer mais aquilo que não sei;
Para conhecer os segredos que o mundo
Sustentam no seu âmago mais fundo,
Para intuir forças vivas, sementes,
E largar as palavras indigentes. 

Ah, visses tu, doce luar,
Envolver minha última dor!
Tu, que por noites adentro
Esperei a esta banca, atento:
Sobre a livralhada babilónica
Vinhas, amiga melancólica!
Ah, pudesse eu por esses cumes
Andar sob teus brandos lumes,
Pairar em grutas com seres alados,
Ao teu crepúsculo errar pelos prados,
E, livre das névoas do saber,
Em teu orvalho renascer!

Horror! Estou ainda encarcerado,
Neste maldito antro abafado.
Até a luz celestial
Se turva ao entrar pelo vitral!
Por pilhas de livros limitado,
Que o pó recobre e as traças roem,
E até ao tecto abobado
É só papel que fumos corroem;
À minha volta há caixas, redomas,
Instrumentos já não cabem mais,
Quinquilharias ancestrais –
É este o teu mundo! Um mundo lhe chamas! 

E ainda estranhas que o coração
No peito se te aperte angustiado?
E que uma dor assim sem razão
Da vida te traga apartado?
Em lugar da vida Natura,
Das criaturas por Deus criadas,
Cercam-te a podridão mais escura,
Bichos mortos e humanas ossadas.» 

(Johann W. Goethe, in Fausto, Relógio D'Água Editores, Lisboa, 2013, p. 45, 46).