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Nos últimos dias tenho-me desdobrado em vários
debates sobre a situação política que se vive na Guiné-Bissau. Não somente nos
artigos de opinião que tenho veiculado aqui e no Facebook, como também vídeos que tenho produzido e publicado no meu canal no
youtube (VER). Na sexta-feira passada fui convidado pela direcção do Núcleo de Estudantes
Africanos da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (NEAFDL) como um
dos oradores da tertúlia submetida ao tema "Actual Crise Política na
Guiné-Bissau: Implicações Sociais, Investimento Estrangeiro e Futuros
Desafios". Depois de fazer um diagnóstico apurado do marasmo obstrutivo que o
país tem vivido ininterruptamente desde a sua história de autodeterminação, e
apresentar soluções exequíveis para ultrapassá-lo, imputei todo este colapso
político-governativo ao PAIGC e PRS, tendo aquele naturalmente a maior quota de
responsabilidade na situação.
Já ontem tive novamente a grata oportunidade
de participar como um dos oradores no programa da nossa "Dama de Ferro" Sali Mané Semedo,
juntamente com três ilustres conhecidos da nossa praça, sob o tema: "Até que
Ponto o Modelo Constitucional Guineense é um Entrave ao Desenvolvimento do
País?". Na minha humilde explanação, tal como se pode constatar no vídeo
incorporado à publicação, fiz primeiramente um enquadramento jurídico do modelo
constitucional que nos norteia, que é o semipresidencialismo, bem como o regime
de separação de poderes entre os órgãos de soberania. Entendi que o tema em
apreço nos remete para duas leituras concomitantemente, isto é, não
consubstancia entrave ao desenvolvimento do país como, da mesma sorte, tem sido
entrave ao desenvolvimento do nosso país. Uma aparente contradição, a priori,
insanável.
Começando com a primeira leitura: não me
parece, em abono de verdade, que o nosso modelo esteja mal. É um modelo normal
que encarna os grandes Princípios e Valores da Democracia Participativa,
nomeadamente no que toca à Dignidade da Pessoa Humana nas suas várias vertentes
dentro do Estado, a Laicidade do Estado, a Soberania Nacional residir no Povo e
este por sua vez exercendo o Poder Político directamente ou através dos órgãos
de Poder Eleitos Democraticamente, à Legitimidade Governativa, à Separação de
Poderes entre os Órgãos da Soberania, ao Exercício do Poder pelos Titulares de
Cargos Públicos e à sua Limitação de acordo com as regras e trâmites da
Constituição, à Liberdade Individual e à Igualdade de todos perante a Lei, bem
como aos Direitos Fundamentais Inerentes à condição Humano-social de cada
cidadão, a Liberdade de Expressão, o Pluralismo de Ideais, etc.
Ora, com estes elevados Princípios e Valores
civilizacionais temos todos os ingredientes necessários para fazer avançar o
nosso país. Mas, tendo em conta a cultura anti- democrática dos nossos
sucessivos actores políticos, razão pela qual tem havido reiteradas usurpações de
competências e consequentemente atropelos à Constituição da República, acabando
assim por criar sérios entraves ao desenvolvimento do país ao longo dos anos.
Não propriamente porque a nossa Constituição seja ambígua, contraditória ou má,
insisto, mas tão-simplesmente há um défice acentuado de cultura democrática dos
nossos políticos e governantes em particular.
Por isso, na minha segunda abordagem, concluí
que o modelo em questão tem sido obstáculo ao desenvolvimento do nosso país. E
com base nisto avancei com uma proposta para mudarmos do semipresidencialismo,
que actualmente temos, para o modelo presidencialista, uma vez que o maior foco
do problema reside mais na incapacidade de coabitação entre o Presidente da
República e o Primeiro-ministro, sobretudo por aquele abusar demasiadamente dos
seus "poderes implícitos" e querer todo o protagonismo governativo para ele o
que, de todo, entra flagrantemente em contradição com o substrato do regime
semi-presidencial. Isto aconteceu com todos os Presidentes da República, que a
Guiné-Bissau desgraçadamente teve, obviamente com graduação diferente entre
eles, ou seja, uns piores que outros. Mas, sem excepção, todos eles acabaram
por ficar além daquilo que são as suas prerrogativas constitucionais. É verdade
que os sucessivos governos também têm a sua quota parte no problema. Não
podemos concluir que são “virgens ofendidas”, uma vez que todos eles foram e
são corruptos e não possuem qualquer tipo de agenda progressista para dinamizar
o nosso pobre país. Foram governos permeáveis ao clientelismo, nepotismo,
partidarismo, mediocridade e a corrupção. É este conjunto de factores
conjugados que me levam a optar neste momento por um outro modelo governativo,
nomeadamente o Presidencial. Mesmo que não alteremos o modelo actual ao menos
que confiramos aos próximos Presidentes da República poderes executivos,
dando-lhes mais protagonismo como os antecessores têm implicitamente reclamado
nos seus actos. O modelo francês ajustar-se-ia bem à nossa realidade ou, em
última instância, o modelo russo. E porque não o presidencialismo angolano?
Sei muito bem que há pessoas que discordam
deste entendimento, invocando o argumento que o país estaria a abrir caminho à
ditadura do Presidente da República. Este argumento, a meu ver, não colhe pelas
seguintes razões: em primeiro lugar, se houver alguma alteração no nosso
sistema tem que haver igualmente mecanismos constitucionais para travar os
possíveis ímpetos ditatoriais do Presidente da República. O poder não ficaria a
seu bel-prazer para ele fazer aquilo que lhe dá na gana. E mais, refutando
ainda este argumento esgrimido, pergunto: o que temos vivido até à data
presente é Democracia? Porque chamam então o actual presidente de ditador? Não
estou com isso a advogar que se mudarmos o modelo resolveremos definitivamente
os nossos problemas. Não, não é nada disso, visto que já salientei em cima que
o problema tem mais a ver com o défice democrático dos nossos políticos. Simplesmente,
é tentar outras alternativas para ver se poderão ajudar-nos a minimizar o nosso
crónico problema de que continuamos sistematicamente a tomar debalde "remedi ku kata kura".
Sem entrar mais em prolegómenos, disse mais
coisas que poderão ouvir no vídeo e tirar também as vossas ilações. Tenham um
bom proveito. Obrigado.