A Ceia do Senhor, à
semelhança do Baptismo, faz parte do sacramento deixado pelo Senhor Jesus
Cristo antes da Sua gloriosa assunção. É um ritual que nos remete
indubitavelmente ao sacrifício expiatório do Messias em favor dos eleitos de
DEUS e aponta-nos futuramente para o grande banquete celestial das “bodas do
Cordeiro” (Apocalipse 19:9). Foi expressamente narrada nos Evangelhos e
também na 1 Carta do Apóstolo Paulo aos Coríntios 11:23-32, confirmando assim o
carácter importante que ela reveste na história e vida da Igreja. A Ceia do
Senhor, de forma subsumida e abreviada, segundo a profissão da Fé Baptista
Portuguesa, “é um acto de obediência pelo qual os membros da Igreja participam
do pão e do vinho, comemorando juntos a morte de Jesus Cristo e apontando para
a sua segunda vinda. Esta ordenança da igreja local representa também a nossa
comunhão espiritual com Ele, a nossa participação na sua morte e o testemunho
vivo da nossa esperança”.
Não há, no entanto,
patente divergência no meio Cristão sobre o seu sentido teleológico e
teológico. A querela doutrinária prende-se, mais, sobretudo, com a sua datação,
os elementos contidos nela e como se deve ajustar ao dinamismo da Igreja, razão
pela qual procuraremos humildemente tentar descortinar estas seculares
divergências e equívocos teológico-doutrinários. Apesar disso, não tencionámos
abordar a aparente contradição na datação seguida pelos Evangelhos sinópticos e
o Evangelista João, sem prejuízo obviamente da pertinência que o debate em
apreço comporta. A primeira narrativa reduzida a escrito sobre a Ceia do Senhor
foi a do Apóstolo Paulo que, nas sugestivas palavras de alguns reputados
biblistas, terá sido posteriormente seguida pelo evangelista Lucas,
diferentemente da narrativa de Marcos que Mateus seguiu. As quatro narrativas
não diferem umas das outras no seu substrato teológico. Apenas evidenciam
algumas diferenças pontuais que, a nosso ver, têm mais a ver com o estilo
literário dos referidos autores. Por isso, não tencionámos destacar os dois
modelos descritivos sobre a Ceia do Senhor, visto que ambos convergem
manifestamente no seu núcleo e alcance soteriológico.
O Apóstolo Paulo, o
primeiro autor sagrado a escrever sobre esta importantíssima temática
eclesiástica, que Lucas seguiu, insistimos, dizia expressamente: “porque eu
recebi do Senhor o que também vos entreguei: que o Senhor Jesus, na noite em
que foi traído, tomou pão; e, havendo dado graças, o partiu e disse: Isto é o
meu corpo que é por vós; fazei isto em memória de mim. Semelhantemente também,
depois de cear, tomou o cálice, dizendo: Este cálice é o novo pacto no meu
sangue; fazei isto, todas as vezes que o beberdes, em memória de mim. Porque
todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes do cálice estareis anunciando
a morte do Senhor, até que ele venha (1 Coríntios 11:23-26). O Evangelista
Mateus, por sua vez, seguindo na mesma esteira do pensamento de Marcos sobre
esta nobre ordenança, escrevia nestes termos: “e, quando comiam, Jesus tomou
o pão, e abençoando-o, o partiu, e o deu aos discípulos, e disse: Tomai, comei,
isto é o meu corpo. E, tomando o cálice, e dando graças, deu-lho, dizendo:
Bebei dele todos; Porque isto é o meu sangue, o sangue do novo testamento, que
é derramado por muitos, para remissão dos pecados. E digo-vos que, desde agora,
não beberei deste fruto da vide, até aquele dia em que o beba novo convosco no
reino de meu Pai. E, tendo cantado o hino, saíram para o Monte das Oliveiras”
(Mateus 26:26-30). Os intérpretes bíblicos, ao longo da História do
Cristinismo, têm questionado de que forma o Apóstolo Paulo terá “recebido”
do Senhor a narrativa sobre a última Ceia. Alguns admitem a possibilidade de
ter sido através de revelação directa (2 Coríntios 12:1-4; Gálatas 1:12).
Outros, com um entendimento diferente, sustentam que Paulo recebeu as palavras
da Ceia no seio da comunidade primitiva, oriunda dos discípulos. Tendemos mais
para este último entendimento. É o que nos parece mais plausível. Apesar de
argumentos e contra-argumentos que se poderão invocar sobre as duas leituras, a
verdade é que o Apóstolo Paulo “recebeu” do Senhor e fidedignamente “entregou”
a Igreja às sagradas instruções, sem adulterá-las. Já quanto às fontes do
Evangelista Marcos não se levantam grandes questões. Os estudiosos não têm
margem de dúvida que foi através do Apóstolo Pedro. Papias, Bispo de Hierápolis
e mártir da Igreja no segundo século, refere-se a Marcos como o “interprete
de Pedro”.
Depois desta breve
consideração, importa enumerar as três clássicas posições doutrinárias
predominantes sobre o sentido dos elementos pão e vinho na Ceia do Senhor.
Desde logo, a tese da “Transubstanciação”. Ela foi abraçada, desde muito
cedo, pela Igreja Católica Romana. Preconiza que o pão e o vinho tornam-se realmente
o corpo e o sangue de Cristo – a eucaristia. Tal acontece quando o sacerdote
diz: “isto é o meu corpo” durante a celebração da missa. Quando o
sacerdote diz isso, escreve Wayne Grudem na sua Teologia Sistemática, “o pão
é levantado (elevado) e adorado. Esse acto de elevar o pão e de pronunciá-lo
corpo de Cristo só pode ser feito por um sacerdote”. Quando isso acontece,
segundo a doutrina católica, concede-se graça aos presentes ex opere operato,
isto é, “realizada a obra”, mas a quantidade de graça dispensada ocorre
em proporção à disposição subjectiva de quem recebe a graça. Além disso, toda
vez que se celebra a missa, o sacrifício de Cristo é repetido (em algum
sentido) e a igreja católica é cautelosa em afirmar que se trata de um
sacrifício real, embora não corresponda ao sacrifício que Cristo fez na cruz. O
Reformador Martinho Lutero demarca-se deste dogma do Vaticano, formulando a
tese da “Consubstanciação”, isto é, que o pão e o vinho não se
transformam, de facto, no corpo e sangue do Senhor Jesus, mas ganham o seu
cunho. Por outras palavras, o corpo do Senhor Jesus está presente através das
preposições “em”, “com” e “sob” o pão e o vinho da Ceia do
Senhor. Acontece que, por razões de divergências doutrinárias, a generalidade
dos teólogos Evangélico-protestantes discordam liminarmente de Lutero e da
Igreja Católica, formulando um entendimento diferente que consiste na doutrina
da “Substanciação”, ou seja, que os elementos contidos na Ceia do Senhor
não passam meramente da presença simbólica e espiritual do Senhor Jesus. Este é
o entendimento que ganha mais relevo e acolhimento favorável no mundo
Evangélico-protestante.
A nosso ver a doutrina
da “Transubstanciação” defendida pela Igreja Católica Romana não tem
qualquer tipo de suporte bíblico, uma vez que se limita apenas a fazer uma
interpretação literal das palavras do Senhor Jesus sobre os elementos da Ceia.
Uma interpretação, segundo as regras da hermenêutica, não deve cingir-se
unicamente à letra. Deve procurar através da letra o espírito do autor, “pois
a letra mata, mas o Espírito vivifica” (2 Coríntios 3:6). Quando o Senhor Jesus afirma: “isto é o
meu corpo e sangue” estava apenas a
usar de uma análise analógica, tal como tem feito ao longo de todo o Seu
ministério terreno, nomeadamente nas afirmações “eu sou o pão da vida”(João
6:48-59), “eu sou a porta” (João 10:9), “eu sou o bom pastor”
(João 10:11-16), “eu sou a luz do mundo” (João 12:8), “eu sou o
bom pastor”, “eu sou o caminho, e a verdade e a vida” (João 14:6),
respectivamente. É nesta lógica que as palavras “isto é o meu corpo e sangue”
devem ser enquadradas, extraindo depois as verdades salvíficas que elas
encerram. E mais, há ainda uma tamanha incongruência da Igreja Católica de não
servir o vinho aos seus fiéis, limitando-o apenas aos sacerdotes, entrando
assim em flagrante contradição com o sentido da sagrada ordenança – que é para
todos e de todos os fiéis.
Quanto à tese da “Consubstanciação”
também fica bastante aquém. O argumento esgrimido que o pão e o vinho não se
transformam no corpo e sangue do Senhor Jesus, mas ganham o Seu “cunho”
é um raciocínio falacioso. Desde logo, sabemos que DEUS é Omnipresente e “toda
a terra está cheia da sua glória” (Isaías 6:3). Porque, tal como dizia o
Senhor Jesus, “onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu
no meio deles” (Mateus 18:20), confirmando assim a presença constante do
Senhor Jesus nas nossas vidas, bem como em todo o Universo. Logo, nesta ordem
de pensamento, podemos concluir que todas as coisas de alguma certa forma
ganham “cunho” da presença do Senhor Jesus, sem cairmos no erro de
julgar que os elementos da Ceia acompanham o corpo do Filho de DEUS. E, por
fim, a tese da “Substanciação” parece-nos, em abono da verdade, ser a
que se coaduna melhor com a afirmação do Senhor Jesus. O pão e o vinho não
passam exclusivamente de meros elementos. Não mais que substâncias que foram
usadas pelo Senhor Jesus para transmitir a grande verdade soteriológica sobre a
Santa Ceia, razão pela qual subscrevemos integralmente esta tese: há apenas a
presença simbólica e espiritual do Senhor Jesus na Ceia. Os elementos pão e
vinho não sofrem nenhuma metamorfose. Apenas servem como ilustração daquilo que
o Senhor Jesus fez por nós. Julgamos que, sem qualquer tipo de hesitação
prévia, é assim que os discípulos interpretaram as analógicas palavras do
Senhor Jesus sobre o pão e o vinho.