«Existem algumas semelhanças
de costumes procedentes do imaginário e da superstição entre os Balantas, os
Manjacos e os Mancanhas no que diz respeito às proibições e à conduta de uma
mulher grávida e dos recém-nascidos. Carreira relata-nos algumas:
– É formalmente interdito a
uma mulher grávida comer carne de animais como macacos ou o tamanduá (timba ou urso-formigueiro).
Proibição de se aproximar ou de tocar em indivíduos anormais ou portadores de anomalias
congénitas (estrábicos, corcundas, lábio leporino, albinos, “dente de riba”) ou
qualquer outro caso de “monstruosidade”. Existe uma crença segundo a qual a
não-observância destas proibições pode provocar a transmissão mágica destes
defeitos à criança[1].
É o que se chama em crioulo Náli. Esta crença está profundamente enraizada nos
costumes destas populações. Assim, pode acontecer que o nascimento de um filho
mestiço depois de um adultério com um branco seja justificado por este fenómeno.
A mulher dirá que o branco estigmatizou (y Náli) o seu filho porque, a um dado
momento, ela ter-se-ia aproximado demasiado dele ou tê-lo-ia olhado com
demasiada insistência. Chama-se Fidjo
Nálido, o resultado de uma vingança ou de feiticeira.
– Interdição de manter relações sexuais desde o início
da gravidez até ao final do período de aleitamento.
– Interdição às mulheres grávidas de executar os
trabalhos difíceis e penosos.
– Interdição às mulheres estéreis
casadas ou que tiveram dificuldades em engravidar, às raparigas que se casam
tarde, de adoptar e de transportar nas costas, como se faz com os bebés, o
fidjo do osso (trata-se de um osso da tíbia de bovídeos, vestido e ornamentado
de jóias). Segundo a tradição, esta prática tem por objectivo permitir que as
filhas solteiras encontrem um marido e que as mulheres estéreis tenham um filho.
(…) A cerimónia ritual de adopção realiza-se junto dos irãs da fecundação ou no
decorrer do ritual de Kabol. Estes bonecos-amuletos são de tal modo levados a
sério que os Manjacos e os Mancanhas os chamam de Napâte (“filho”). Não fazem
distinção ao nível simbólico entre estas pseudocrianças e crianças autênticas».
(Tcherno Djaló, in O Mestiço e o Poder
[Identidades, Dominações e Resistências na Guiné-Bissau], Veja, 2012, Lisboa,
p. 56 e 57).
[1]
Antigamente estas comunidades praticavam o ritual do infanticídio sobre as crianças
“anormais”. Para eles, antes que a criança aprenda a comer e a falar, não pode
ter um nome. Na verdade, ele não é considerado como uma pessoa, mas como um
Anjo; é suscetível de desaparecer a qualquer momento, vítima dos feiticeiros. A
taxa de mortalidade infantil muito elevada, sem explicação lógica, tinha
acabado por desenvolver no imaginário destes grupos superstição inultrapassáveis:
os «espíritos do mal», os «os maus-olhados», os feiticeiros faziam dos bebés
vítimas designadas e “comiam-nos” com muita facilidade. Estes inocentes não
podem defender-se contra as acções destes espíritos. Por esta razão, os recém-nascidos
não podem ter nomes próprios, porque se tivessem um nome, seriam expostos e
facilmente detetados e “comidos” por estes demónios. Então, o único meios de os dissimular e de os
subtrair à cobiça destas forças do mal é chamar a criança pelo nome de “criança”.
Napate, Napote, Pate, Patu, Potu, Pondu, etc.
o período de aleitamento termina quando o bebé aprende a andar, a falar
e a comer normalmente. Isto pode durar 2-4 anos em conformidade com os
resultados de todas as cerimónias mágicas. É unicamente a partir deste momento
que eles consideram que a criança ultrapassou todos estes perigos e que a
cerimónia do Kabol (ritual protetor dos menores) pode ocorrer.