«Os autores portugueses
situam a chegada dos primeiros Fulas ao território da actual Guiné-Bissau em
meados do século XV. Os primeiros grupos de pastores nómadas teriam chegado de
Ferlo (Senegal) para se instalarem pacificamente no Gabú. Estes pioneiros
viviam em paz com as populações Mandiga, Beafada, Bambara e constituem as primeiras
colónias. Durante a segunda metade do século XV chega a segunda vaga de Fulas
tendo na liderança o seu lendário chefe guerreiro Koli Tenguela. Desta vez, não
se fala de imigração mas de invasão de natureza guerreira. Com esta invasão,
constituem-se novas colónias, Fuladugús, em Pirada, Pachisse e Chanha. Os Fulas
livres (Fulas-Foros) e os Fulas-Pretos fazem parte desta vaga. Hoje em dia, são
chamados pelo termo genérico de Fulacundas. Será preciso esperar pelo século
XIX para assistir à chegada massiva dos Fulas do Fouta Djallon, que vêm
islamizar massivamente os Fulacundas, os Mandigas, os Beafadas, os Sossos e os
Nalús. António Carreira (1964) assinala a presença dos Fulas, considerados
mestiços de Sereres e de semitas nómadas na Guiné Portuguesa desde o século
XVIII.»
A História
Política
«De acordo com René
Pélissier, os Fulas constituem o “elemento perturbador” da história guineense
na segunda metade do século XIX. Este grupo pertence à grande família dos povos
que, através de migrações, invasões e sucessivas mestiçagens alterou permanentemente
a história da África Ocidental. Os Fulas estão
longe de ser homogéneos. Apenas na Guiné-Bissau distinguem-se os Futa-Fulas
(Fulas do Fouta-Djallon) que tinham destruído o reino mandiga do Gabú, libertando
assim os seus primos, os Fulacundas ou Fulas-Forros, da dominação Mandiga.
Estes revoltaram-se contra os seus anfitriões Mandigas que acabaram por
expulsar ou eliminar. Os Fulas-Forros,
ou pelo menos os seus chefes, conduzem com o apoio dos Almamys (reis) do
Fouta Djallon e da sua principal província, Labé, uma intensa política de
islamização na Guiné-Bissau. No decorrer da sua expansão, islamizam os Soninkés,
os Beafadas e outros grupos animistas. Esta política de islamização não pode
ser dissociada da escravização[1]
e da absorção cultural de alguns povos conquistados como os Mandigas e os
Beafadas que, quando são “fulanizados” e islamizados, se tornam Fulas de “segunda
categoria”, ditos Fulas-Pretos[2]
ou Fulas cativos.
Após a declaração da guerra santa em 1725, a Federação islâmica do Fouta Djallon organizava frequentemente saques e pilhagens contra as populações fetichistas. Foi por isso que atravessaram várias vezes o território da actual Guiné-Bissau em direcção da Gâmbia, submetendo e convertendo ao Islão as populações derrotadas. Os prisioneiros são levados com o produto das pilhagens para o Fouta onde trabalhavam como escravos.
Entre as mais
importantes expedições dirigidas contra a actual Guiné-Bissau assinalamos as campanhas de Koli Tenguela do
Corubal Superior; de Abdulai Bá Demba (Almamy Alfaya), por volta de 1804; de
Abdul Gadiri contra Niokolo e Gabú; de Almamy Sorya Abubakar contra o Braço
(região de Farim) com a formação de um principado em Pachisse e Pakau sob a
autoridade de Bokary Koy; a derrota de Almamy Umaru e Ibraima Candjai contra os
Fulas Houbbou dirigidos por Mamadú Djué; as expedições contra os reis de
Ianguiçaio e Djankê Wali durante a batalha de Turuban, que acabou com a hegemonia
mandiga no Gabú e a coparticipação dos Alfas de Labé nas lutas de emancipação
entre os Fulas-pretos e os Fulas-Forros em Rio Grande.
A derrota dos mandigas
levou ao estabelecimento de uma hegemonia fula. Os Fulas de Foréa, a partir de
então chamados de Forros, isto é, livres da denominação mandiga e beafada,
assumem o controlo de toda a região de Gabú. Os Almamys do Fouta confiam o
comando do Gabú e de Foréa ao chefe Tchikam Embaló, que toma o nome de Alfá
Bakar Guidáli, o fundador da família real dos Embalocunda do Gabú.»
(Extraído no livro do
Professor Doutor Tcherno Djaló, in O Mestiço e o Poder [Identidades, Dominações
e Resistências na Guiné-Bissau], Veja, 2012, Lisboa, p. 70, 71 e 72).
[1] A
palavra “escravo” é utilizada aqui no sentido africano do termo. Tendo em conta
o seu estatuto sociopolítico na sociedade, seria mais correcto falar de cativo
do que de escravo.
[2] Os Fulas-Pretos
são mestiços mais ou menos “negritizados”, dos quais fazem parte os Jolofs ou
Wolofs, os sereres, os antigos Biafadas, os Padjadincas e os cativos mandigas “Machúbê”.
Eles invadem os territórios dos Mandigas, dos Cassangas, dos Banhuns e dos
Brames, onde se entregam a grandes devastações.