Viver Para Contá-la (1)


 Faz hoje precisamente sete meses que deixei, por mera opção pessoal, de comer arroz. Sete meses de abstinência e de completa abdicação de um dos mais relevantes e importantíssimos cardápios alimentares dos guineenses. Sete sucessivos meses de austeridade alimentícia sem precedentes. Inspirado sobretudo na determinada postura vegan do meu irmão mais velho, Roberto Vieira (LER), decidi cortar também o “cordão umbilical” com arroz. 

Procurei, ao longo destes sete meses, indagar com alguns guineenses que são mais próximos de mim sobre esta minha livre e esclarecida decisão. Todas as respostas que recebi foram de reprovação por ter retirado o arroz da minha dieta alimentar. Alguns, inclusive, reagiram com manifesta indignação. A começar, desde logo, com a expressão “és i kal tipu di dieta, ermom?”. “Homi, tem pacênça pará es. Buna prejudica bu saúde rissu”. “Arruz i tá kura mangas di tipu di doenças…”. “Arruz gorah i di nos. I nô cultura”, etc. São conjuntos de várias respostas de repúdio que recebi por parte dos meus conterrâneos guineenses, com o intuito de persuadir-me a voltar a comer arroz. 

Confesso que compreendo muito bem o alcance prático destas reações. O arroz está intrinsecamente ligado aos guineenses e os guineenses ao arroz. A nossa estrutura física e psicossomática estão formatadas com o arroz. Tudo aquilo que somos hoje deve-se ao arroz. O nosso substrato identitário é o arroz. O arroz acompanha-nos do início da vida até ao fim. Desde tenra idade à idade adulta. Está presente em todas as solenidades do nosso povo. Comemos o arroz na festa, no infortúnio e na morte; na pobreza e na riqueza. Os nossos pais, quando estamos doentes, é o arroz que nos dão para recuperar e superar a doença, que se vão desdobrando na típica ementa “candjá”, “badagui”,pitchi-patchi”, etc. Por isso, nesta esteira de pensamento, todos os guineenses, sem excepção, têm um vínculo indissociável e irrenunciável para com o arroz, razão pela qual não é fácil convencê-los a deixar de comer o arroz e, tão pouco, fazer apologia contra este apreciado cereal para eles. 

Esta minha opção de não comer arroz constitui uma dupla incompatibilidade identitária: Primeiro por ser guineense (não faz parte do imaginário guineense renunciar ao arroz, tal como acabei de explicar). Segundo por eu ser da etnia pepel. Isto porque há todo um mito urbano que se atribui à minha etnia que associa à beleza, à robustez, à saúde e bem-estar ao arroz. Ora, não estando eu a comer arroz pode ser entendido como uma forma de renegar a identidade e colocar em causa o paradigma alimentar guineense assente na convicção de obrigatoriedade.  No entanto, mesmo assim, importa salientar que não estou vinculado a nenhum tipo de hábitos, convenções, costumes e padrões humanos a todos os níveis. O único e permanente vínculo que tenho é com o Senhor Jesus Cristo e o Seu Evangelho da Salvação. Sou um homem inteiramente livre para fazer as opções que julgar serem mais oportunas para melhorar a minha vida. 

Em suma, pode ser por resignação, capitulação e conformação que eu venha um dia a voltar a comer a “bianda” dos guineenses. Mas, para já, sem qualquer tipo de hesitação, não quero liminarmente nada com o arroz.