As Dimensões Inquestionáveis da Democracia


O turbilhão político que se vive na Ucrânia desde Novembro passado, opondo-se duramente os movimentos pró-ocidente e pró-russo encabeçados, respectivamente, pelos partidos da oposição e pelo Governo do país, sobretudo por este ter recusado assinar o acordo de Associação com a União Europeia (LER), pode ser visto de dois prismas diferentes na forma de conceber o Poder Político e a Democracia Participativa: os defensores dos postulados de Jean-Jacques Rousseau e de Alexis Tocqueville. O primeiro autor, no seu "Contrato Social", dá inteira primazia à vontade da maioria, conferindo-lhe a natureza do poder absoluto. Diferentemente, o segundo restringe, em determinados casos, a vontade popular, considerando que ela não tem sempre o direito de fazer tudo o que quiser, ou seja, há limites inultrapassáveis e invioláveis para a vontade da maioria (um entendimento também acolhido por Benjamin Constant). Ianukovitch abraça as concepções de Tocqueville, ao passo que a oposição segue as construções dogmáticas de Rousseau. Uma contradição que somente a correcta interpretação da Democracia pode resolver. 

Num Estado de Direito Democrático, a legitimidade popular é condição indispensável para qualquer governo, independentemente deste passar pelo crivo de sufrágio eleitoral. Não há mandato governativo sem o consentimento popular. O poder é exclusivamente do povo e reside apenas nele. É ele que voluntariamente o delega nos órgãos de soberania para representá-lo e pode a qualquer momento – se assim entender – avocá-lo para si quando as suas legítimas expectativas não estão a ser correspondidas na íntegra pelo poder político (obviamente, dentro dos parâmetros estritamente constitucionais pré-estabelecidos por cada país). 

Na Democracia Participativa não existe "o Estado Leviathan", tal como concebido por Tomás Hobbes, nem a "razão do Estado", de Nicolau Maquiavel e, muito menos, "Estado de obediência", de Martinho Lutero. Existe sim, o Estado de Direito Democrático onde as Liberdades e os Direitos Fundamentais são realidades concretizáveis na esfera jurídica dos cidadãos, e, principalmente, o triunfo da maioria sobre a minoria. A vontade do povo é soberana. Resta apenas o poder político conformar-se e ajustar os seus actos de governação com ela. Tudo o que extravasa este âmbito é pura tirania e manifesto desvio de poder. 

Não há margem de dúvida que Viktor Ianukovitch não tem neste momento as condições necessárias para continuar a ser Presidente da República, uma vez que perdeu a legitimidade requerida dos ucranianos. E perder a legitimidade popular é simultaneamente perder o poder. Por isso, o único caminho que lhe resta agora é demitir-se o mais rápido possível, evitando assim eventuais consequências piores do aquilo que a crise já causou ao país.