Nos últimos dias,
tenho sido bastante pressionado pelos meus amigos africanos, sobretudo por
alguns conterrâneos Guineenses, para não apoiar Portugal no jogo de hoje com o
Gana, com pretexto que este é um país africano e irmão, em detrimento dos
portugueses que são europeus. Dito por outras palavras e, de uma forma sumaria,
segundo o ardiloso entendimento dos meus amigos, temos mais ligação com os
ganeses do que propriamente com os portugueses.
A meu ver, estes
argumentos não procedem. E passo rapidamente a elencar as suficientes razões
pelas quais vou continuar apoiar Portugal, inclusive hoje no decisivo jogo com a
selecção do Gana, que são as seguintes:
As de ordem sociocultural.
O meu País, a Guiné-Bissau, tem fortes laços de amizade com Portugal, fruto de
cinco séculos de colonização. E justamente por esta razão, que temos o
português como a nossa língua oficial e somos considerados lusófonos. E mais,
Portugal é neste momento, um dos maiores e importantes parceiros de desenvolvimento
da Guiné-Bissau, somando o país que mais acolhe a comunidade Guineense em
diáspora. A economia da Guiné-Bissau, em certa medida, depende muito de
Portugal, uma vez que é através das "remessas" que os emigrantes, de forma
sacrificada, enviam todos os meses que consigam sustentar as inúmeras famílias
no nosso País, caso contrário, muitos Guineenses estariam a passar fome. A
nível da saúde, Portugal apoia incondicionalmente a Guiné-Bissau, através de
programas de junta médica concedidos gratuitamente todos os anos aos doentes Guineenses,
que são sempre bem tratados nos hospitais portugueses, sem pagarem nenhum
tostão para o efeito. A nível da educação, há milhares de Guineenses a estudar
aqui em Portugal, nos vários ciclos de ensino, a começar no básico, secundário,
licenciatura, mestrado e doutoramento. Actualmente Portugal figura nos países que
mais formam os quadros Guineenses, e, algumas dessas pessoas, são contempladas
com a bolsa de estudo pelo estado português;
As de ordem pessoal.
Desde a tenra idade, a semelhança de muitos Guineenses, sempre apoiei Portugal,
não somente por ser um "puro" benfiquista como também a selecção portuguesa
é a minha favorita. E não vejo agora suficientes razões, para com os meus 30
anos de idade, mudar dessa firme opção. Acresce ainda o facto de a maioria das
coisas que sei hoje deve-se ao nobre educação que recebi aqui em Portugal. Tenho
muitos e excelentes amigos portugueses, além de tudo isto possuo a
nacionalidade portuguesa, que me confere um outro tipo de estatuto. Não
obstante estas importantes razões pessoais, para mim o factor determinante para apoiar
a equipa das "quinas" prende-se com a
forte ligação histórico-cultural que a Guiné-Bissau tem com Portugal, tal como
ficou descrito.
Quanto ao Gana, a
única relação que a Guiné-Bissau tem com este país, é o facto de os dois serem
da África Ocidental e pertencerem, concomitantemente, ao espaço da União
Africana (UA). Do resto, não existe mais qualquer a proximidade entres ambos. Somos
lusófonos e o Gana é um país anglo-saxónico, com mundividências completamente
distintas um do outro. Tanto por este motivo que não existem Guineenses a emigrarem
para Gana e muito menos a quererem ir lá estudar. E mais, por aquilo que eu
saiba nunca vi os nossos líderes a tratar o Gana como "país irmão", mas sim "país vizinho", contrariamente o trato afectuoso que é dado a Portugal como um "país irmão". Só este pormenor é bastante elucidativo para perceberem o alcance
prático do meu apoio a Portugal. Estou certo, que a maioria dos Guineenses, estará
a torcer hoje pela vitória de Portugal.
Por imperativo da
consciência, mormente por uma questão de gratidão, sinto-me penhoradamente em dívida
moral com Portugal. No entanto, tenho a clara noção que a gratidão, tal como
escreve o Jansenista, é um impulso muito pouco darwinista, um
daqueles cuja espontaneidade depende do hábito de uma vida inteira. A gratidão
genuína traz muito pouca recompensa, ou quase nenhuma, e por isso não admira
que os moralistas, ou pelo menos os moralistas que sabem identificá-la,
insistam em que a absorvamos, a internalizemos, para que a convertamos numa
vantagem em si mesma (algo que alegadamente nos confortaria interiormente e
dispensaria ulteriores indagações sobre a sua função). E para não correr sérios riscos de ser ingrato, que procuro diariamente adoptar uma postura de
gratidão, indo muitas das vezes contracorrente dos nossos dias "pós-modernos".
Respeito integralmente
a opinião dos africanos que não vão apoiar hoje Portugal, principalmente de
alguns Guineenses (cada um é livre de fazer as escolhas que bem lhe apetece), o
que não aceito são os raciocínios falazes que usam para influenciar os outros a
seguirem as suas ardilosas ideias. Sem margem de dúvidas, vou estar a torcer pela
vitória expressiva de Portugal frente ao Gana, de preferência por uma goleada,
esperando simultaneamente que o resultado dos EUA e Alemanha possa, de facto, desequilibrar-se
de tal forma que permita a Portugal passagem para os oitavos-de-final.