A imagem que o islão
projecta para o exterior é a de uma religião obsoleta, intolerante, apoiante de
regimes teocráticos e ditatoriais, que oprime as pessoas, sobretudo as mulheres, e assaz violenta. Justamente por esta razão, o imperador bizantino Manuel II
Paleólogo (1350-1425), no seu famoso diálogo com um muçulmano erudito persa,
sobre a religião, reduziu o Islão, de forma peremptória, a estes termos: "mostra-me
o que Maomé trouxe de novo. Só encontrarás coisas más e desumanas, como o
direito a defender pela espada a fé que ele persegue". Na mesma
esteira do pensamento, Samuel Huntington, o conceituado politólogo americano,
chegou em 1939 à seguinte conclusão: “as fronteiras do Islão estão
manchadas de sangue.”[1] São,
infelizmente, estas pejorativas marcas a que as várias denominações dentro do
Islão nos têm habituado ao longo dos tempos, fazendo com que ganhasse, no Ocidente, a alcunha de "imagem
do inimigo”.
Não é preciso ser um perito
religioso para compreender esta grande verdade. A realidade dos factos fala por si. O islão não está inocente em todo este imbróglio do fundamentalismo islâmico que
tem estado a ameaçar, de forma galopante, as sociedades abertas. Isto porque,
desde a sua génesis, é uma religião pautada pela violência. O mote lançado por
Maomé no séc. VII era o de fazer uma guerra santa sob
o pretexto de, quem nela perdesse a vida, ter lugar reservado junto a Deus no
paraíso. A guerra santa é contra qualquer tipo de infiel que se recusa submeter aos
preceitos islâmicos. Os quatro primeiros califas, ditos "os bem
guiados" (entre 632 e 661, ou seja, desde a morte de Maomé até ao
estabelecimento da dinastia dos Omíadas, apesar das constantes rivalidades
internas que tiveram) adoptaram esta maléfica máxima e projectaram-na nas suas
posteriores conquistas e escrupulosamente seguida até aos dias coevos.
Esta teologia de combate
está subjacente em muitos textos do alcorão, principalmente no que diz respeito
ao ódio declarado aos Judeus e Cristãos, tais como: "combatei [os
cristãos e os judeus] até eles pagarem directamente o tributo, depois de se
terem submetido.” (Corão, 9:29); «… [os judeus] as palavras dos seus
antepassados [isto é, são politeístas]. Que Alá os combata! Como se afastam da
verdade!» (Alcorão 9:30); “Não tomeis os judeus e os cristãos como aliados: são
aliados uns dos outros. Se algum de vós os tomar por aliados será um deles.
Deus não guia os traidores (Corão, 5:51); "Já sabeis o que aconteceu àqueles,
de entre vós, que profanaram o sábado. A esses dissemos: “que sejais
transformados em símios desprezíveis! E foi um castigo que servirá de exemplo
para os seus contemporâneos e para os seus descendentes, e uma exortação para
os tementes a Deus (Corão, 2:25 e 66). O alcorão está repleto de
inúmeros textos deste género, que instigam manifestamente a violência. Os
islamitas radicais não hesitam em citá-los para justificar as suas acções
terroristas.
A nosso ver o problema do
fundamentalismo islâmico não reside apenas nos crentes radicais, mas sobretudo
em certos líderes e teólogos muçulmanos que deviam ter uma hermenêutica pacifista
sobre o alcorão, enquadrando-o nos cânones do mundo pós-moderno em que vivemos.
Sucede, infelizmente, que tal realidade não tem vingado, por vicissitudes
várias e/ou supervenientes. São as pessoas que mais instigam, disfarçadamente, a
mensagem do ódio e do terrorismo, tal como literalmente está encerrado no
alcorão.
Um dos piores males do
islão prende-se com a jihad (palavra que na sua raiz etimológica
significa empenho, consubstanciando a luta interior e exterior em nome de Alá)
e a sharia (legislação – o primado da lei islâmica face a qualquer
tipo de Direito). Para superar as forças dos ímpios, pode ser necessário
lançar mão da jihad contra os infiéis, o que por sua vez pode
significar, em casos extremos, recorrer à guerra
santa. O martírio está na essência do estado de pureza religiosa. Como
afirma Hassan al-Banna, fundador e líder da Irmandade Muçulmana, assassinado em
1949: "o Corão é a nossa constituição, o Profeta é o nosso guia; a
morte em nome da glória de Alá é a nossa maior ambição”[2]. O
principal objectivo de todas as acções humanas, escreve ainda Manuel Castells, deve
ser o estabelecimento da lei de Deus para toda a humanidade, colocando assim um
ponto final na actual oposição entre Dar al-islam (o mundo muçulmano) e Dar
al-Harb (o mundo não muçulmano). Verificado este processo "natural”
de harmonização deixa, automaticamente, de haver subjectividade e tudo se passa
a desenrolar por meio de umma (comunidade de fiéis, em que
todos são iguais na sua submissão perante Alá): o individuo torna-se parte da
comunidade dos fiéis, um mecanismo básico de igualdade que oferece apoio mútuo,
solidariedade e significados compartilhados. Tudo isto fundando-se com base na sharia, que
prevalece sobre a ideia do Estado-Nação e vincula toda a comunidade muçulmana.
A jihad e
a sharia são conceitos maleáveis, objecto de múltiplas interpretações
dos teólogos muçulmanos ao longo da história da religião islâmica. Talvez seja
por esta razão que não há um único documento oficial que aborda, de forma nítida,
as duas realidades, fazendo com que o islão enveredasse por uma deriva
doutrinária e profunda crise de fé, com sérias repercussões negativas na vida
das pessoas, bem como num radicalismo religioso sem precedentes.
O austríaco Karl Popper
(1902-1994), considerado por muitos intelectuais como um dos grandes pensadores
do séc. XX, na sua emblemática obra "A Sociedade Aberta e os seus
Inimigos" rejeita o uso da violência, proclamando a tolerância
nos domínios político, religioso e ético. No entanto, adverte, como
meio de prevenção, que a sociedade aberta não é uma forma plena e
garantida, antes comporta inimigos, personificados nos nomes de Platão, Hegel e
Marx, e nas ideias do historicismo, colectivismo e o naturalismo ético[3].
Afinal de contas, ele estava completamente equivocado nas suas redutoras previsões. De
facto a miscigenada sociedade Ocidental confronta-se com inúmeros inimigos,
quer a nível interno, quer a nível externo. Ali, desde logo, a relativização de
grandes Princípios e Valores que outrora nortearam-na, especialmente a sua
identidade Cristã que há muito foi posta em causa, somando isto às
ideologias extremistas – tanto de Esquerda como de Direita, que têm vindo a
crescer paulatinamente no seu seio. Aqui a ameaça real vem mesmo do islão e na
maioria dos seus alucinados seguidores.
Parece-nos, em abono da
verdade, que o islão não está minimamente preparado para conviver num mundo
globalizado e civilizado. É uma religião que marginaliza a Liberdade, a
Democracia e os Direitos Fundamentais. Não folga com as diferenças ideológicas
e o pluralismo de ideias. Quer sempre impor-se a todo custo, mesmo que para
isso haja derramamento de sangue. Guia-se, acima de tudo, pelos princípios e
valores autoritários e absolutistas. Os países mais atrasados do mundo são, na
sua esmagadora maioria, muçulmanos não obstante disporem de enormes recursos
naturais e serem objectivamente ricos. Rejeitam o secularismo a pretexto de ser
um produto Ocidental – uma maldição, afirmam vivamente. Contudo, os produtos
que consomem, até à exaustão, chegam-lhe do Ocidente. Um autêntico paradoxo!
A liminar recusa em aceitar
o modelo da laicidade do Estado, faz com que muitas pessoas de outras
confissões religiosas sejam permanentemente perseguidas nos países islâmicos.
Negam-lhes os Direitos Fundamentais que lhes assistem e, em determinados casos,
são injustamente colocadas na cadeia ou mortos de forma arbitrária. Tal
realidade é notória no Paquistão, Arábia Saudita, Irão, Eritreia, Egipto,
Afeganistão, Sudão e Iraque (LER).
O nível da intolerância religiosa vai ganhando contornos preocupantes quando um
crente muçulmano pode livremente desposar uma Cristã, ao passo que as mulheres
muçulmanas não podem, em circunstância alguma, ter um caso amoroso com um
Cristão, tão pouco casar com ele, pois isso constitui uma tremenda apostasia e
é digno de punição vigorosa. Esta limitada forma de pensar faz com que um
forasteiro que viva num país islâmico seja obrigado a viver, praticamente, como
um muçulmano, condicionando-o significativamente na sua liberdade e autonomia
privada. Em sentido contrário, tal já não se pode verificar: um fiel muçulmano
pode livremente viver no estrangeiro, sem qualquer tipo de constrangimento,
professando a sua fé. Os Cristãos são impedidos de evangelizar nos países
islâmicos e, muito menos, construir igrejas sob pena de incorrerem em infracções
graves. Já um muçulmano sente-se no pleno direito de propagar a sua fé noutros
países, nomeadamente aqui na Europa.
De Paz o islão está
inteiramente desprovido, apesar de se autoproclamar debalde pacifista e
apropriar-se do sentido etimológico da palavra árabe "salam" (LER). É
uma religião associada à violência e ao derramamento de sangue. E como
justificava sabiamente o imperador bizantino Manuel II, "tal
violência é contrária à natureza de Deus e à natureza da alma. Deus não ama o
sangue e agir de maneira irracional é contrário à natureza de Deus. A fé é o
fruto da alma e não do corpo. Aquele que quiser conduzir outros na fé deve ser
capaz de falar bem e pensar de forma justa e não pela violência e ameaça",
encerra advertidamente. Cada ser humano deve ser livre de pensar e de
professar a religião que bem entender, uma vez que a religião forçada não é
mais religião mas sim uma arbitrária imposição. E mais, quem prega a Paz e o
Amor jamais é intolerante ao ponto de matar insensivelmente pessoas em nome de
um "deus", tal como faz a religião islâmica.
Obviamente que nem todos os
muçulmanos adoptam esta maléfica forma de estar na vida. Felizmente. Há muitos
fiéis que remam contra a maré, procurando, na medida do possível, ter uma
abordagem religiosa de tolerância e de amor para com o próximo, nomeadamente
com as pessoas que professam outra crença religiosa. Mesmo assim, não conseguem
com o seu testemunho de vida "cobrir" os tremendos
horrores dos fundamentalistas islâmicos.
Os apologistas que defendem
que o islão não é responsável pelas atrocidades cometidas em seu nome não são,
de todo, razoáveis. Enquanto os líderes islâmicos não propuserem uma
interpretação substancialmente pacifista do alcorão, parafraseando Hicham Bou
Nassif, tanto os Judeus como os Cristãos e os Ocidentais (tidos como infiéis)
continuarão a ser perseguidos e assassinados, como, aliás, têm sido
reiteradamente. É este o motivo pelo qual os argumentos que proclamam a "inocência
do islão" são inexactos e contraproducentes [4].
Não fazem mais do que atrasar o exame de consciência que os muçulmanos têm de
fazer imperativamente, por si e pelos outros, para o supremo bem da Humanidade.
Por isso, é preciso uma
impreterível reconversão do Islão no sentido de abandonar, definitivamente, a
cultura da intolerância religiosa e ajustar a sua hermenêutica corânica aos
avanços civilizacionais do séc. XXI: respeitar, acima de
tudo, os Valores da Democracia Participativa e a Vida Humana
na sua verdadeira essência. Só assim estaremos em condições necessárias de
construir um Mundo mais Justo, Harmonioso e Pacífico, onde todos, sem excepção,
possam viver em clima de Amor e Fraternidade uns para com os outros,
independentemente da mundividência que cada um adopta e ostenta na sua rotina de
vida diária.
[1] Hans Küng,
Islão
[Passado, Presente, e Futuro],
Edições 70, Lisboa, 2010, p. 25
[2] Manuel
Castells, O Poder Da Identidade [A Era da Informação: Economia, Sociedade e
Cultura], Fundação Calouste Gulbenkian, 2007, p. 14.
[3] Paulo
Otero, Instituições Políticas e Constitucionais [Volume I], Almedina,
Coimbra, 2007, p. 416
[4] Estará
o Islão Inocente, título do artigo de Hicham Bou Nassif publicado na
Revista Courrier Internacional, p. 52, Número 225, Novembro, 2014.