Um Epílogo Sentimental de Quem Muito Sofre V


«O homem está na terra a cumprir duro serviço,
os seus dias são semelhantes aos de um assalariado.
Como um escravo, suspira pela sombra,
como um assalariado, anseia pela paga.
A sorte que me coube foram meses a esperar em vão,
o que me deram foram noites e noites de sofrimento.
Quando me deito, penso:
“Quando conseguirei levantar-me?”
A noite é longa e farto-me de dar voltas até de manhã.
O meu corpo está coberto de vermes e pó,
a minha pele, cheia de chagas purulentas.
Os meus dias passam mais rápidos que uma lançadeira
e chegam ao fim sem qualquer esperança. 

Lembra-te de que a minha vida é como o vento
e nunca mais voltarei a ver a felicidade.
Quem olhar para mim deixará de me ver,
porque o teu olhar caiu sobre mim e me aniquilou.
Como nuvem que se desfaz e desaparece,
também o que desce ao sepulcro não volta a subir.
Não regressa mais à sua casa
e a sua morada nunca mais o reconhecerá.
Por isso, não vou deixar de falar;
falarei da angústia que me oprime,
darei a conhecer a minha amargura.
Será que sou algum dos monstros marinhos,
para voltares contra mim o teu olhar?  
Ainda pensei que, se me deitasse, estaria sossegado,
que isso aliviaria as minhas queixas.
Mas tu aterrorizas-me com pesadelos,
fazes-me ver coisas que me metem medo,
de modo que eu preferia morrer estrangulado
a viver com este meu horrível esqueleto
Não posso viver para sempre;
deixa-me, que os meus dias não passam de uma ilusão!» 

(Queixa de Job a DEUS, in A Bíblia Sagrada, Job 7:16, A Boa Nova Em Português Corrente, Lisboa, Sociedade Bíblica de Portugal, 2004).