A Dupla Face dos Políticos

Não tenho convencionalmente uma ideologia política. Não defendo nenhum partido e político em particular. A minha ideologia política é ser fielmente Cristão e comprometido inteiramente com os ideais do Evangelho do Senhor Jesus Cristo. Sou, por livre opção, um convicto abstencionista. Com isso, não tenho uma mundividência redutora, pessimista e fatalística da política. Concebo, antes pelo contrário, a acção político-governativa dentro dos restritos parâmetros da Democracia Participativa e na absoluta primazia dos Direitos Humanos Universais. 

Gosto, nesta ordem de ideias, da Ciência Política e de alguns raríssimos políticos sérios que ainda vamos tendo connosco. Reconheço o papel nobre, preponderante e determinante da política na Res Publica, sobretudo dos políticos que procuram diariamente na sua agenda governativa encarná-lo e zelar pelos interesses colectivos. No entanto, a experiência prática tem-nos provado que nem sempre aqueles que apregoam efusivamente os “superiores interesses” do país coadunam com eles na sua acção e vivência prática. E a maioria dos políticos, então, neste aspecto, para desgraça nossa, são uns autênticos hipócritas e patronos de fraude. 

A concepção ideológico-política que os políticos têm seguido nas últimas décadas não se distancia tanto do modelo preconizado pelo filósofo alemão Hegel, que ficou conhecido como “a dupla face”, apelidado posteriormente pelos moralistas do século XVIII como “astucia da razão”, que se traduzia num artifício interpretativo hipostasiado, através do qual se apreciaria o efeito colectivamente benéfico da alienação individual. Na filosofia hegeliana está claramente subjacente a ideia de que o Estado deve procurar, acima de tudo, preservar a universalidade, elevando-se acima dos interesses corporativos e da sociedade civil, integrando em si os interesses particulares e os interesses colectivos, fazendo com que ambos os interesses apenas adquirem plena satisfação no Estado. Até aqui tudo bem e nada de anormal. Com efeito, Hegel vai ainda mais longe ao ponto de salvaguardar ambígua e contraditoriamente os interesses particulares das colectividades integrantes da sociedade civil, isto é, que estes devem estar subordinados ao interesse superior do Estado. 

Podemos concluir com esta ambígua concepção de Hegel uma completa divinização do papel de Estado na esfera jurídica dos particulares e, concomitantemente, passando uma ideia de transpersonalismo do indivíduo dentro do mesmo Estado. Hegel, numa única formulação, tanto hipervaloriza o Estado como o indivíduo, considerando este último como razão última da intervenção daquele, ou seja, defende uma coisa para depois voltar a defender o seu contrário (uma contradição completamente insanável, não é?). 

A “dupla face” de Hegel ou “astúcia da razão” foi sempre a imprescindível bitola e modus operandi da maioria dos políticos, consubstanciando subtileza, falácia, hipocrisia, manipulação e mentira para, de forma rápida, chegarem ao poleiro governativo e consolidarem-se nele.