É inquestionável reconhecer que o povo
guineense é bastante sofredor. É um facto notório. As mulheres muito mais,
tendo em conta a cultura "di machundadi" e de
objectificação a que elas têm sido reduzidas desde os primórdios da nossa
História (LER).
Se há, por isso, camada na Guiné-Bissau que merece beneficiação e primazia é
seguramente a das mulheres, razão pela qual somos apologistas que haja uma
maior e melhor Justiça Social para a dignificação e libertação definitiva das
nossas inofensivas mulheres. Somos também defensores da integração das mulheres
em todos os quadrantes da sociedade, especialmente que se emancipem e ganhem
autonomia intelectual, financeira, política e sexual; que se valorizem e saibam
valorizar-se perante terceiros, máxime que não se conformem em estar subjugadas
aos caprichos individualistas dos grunhos homens a troco de um dote
efémero. Queremos que elas disponham suficientemente do livre-arbítrio, ganhando assim plenamente a liberdade e a
independência. Tudo o que é genuinamente para defender, apoiar, valorizar e
enaltecer a Mulher somos manifestamente a favor (LER).
No entanto, não contem connosco para alimentar "o politicamente
correcto", que se consubstancia no falso moralismo hipócrita
do tão propalado "princípio da igualdade",
que acaba por não resultar em nada, antes pelo contrário visa meramente
coadjuvar os interesses contrários à República, apenas para o "inglês
ver", tal como tem sido prática reiterada no nosso país. A aprovação
da recente lei de quotas no país é um exemplo manifesto disso (LER).
Foi uma aprovação oportunista, inoportuna, irrealista e ferido de tamanha
ilegalidade. Uma utopia sem precedente.
Não estamos, com isso, contra as mulheres. Não
estamos contra as difíceis lutas de várias associações, ONGs e Homens de "boa
vontade" para empoderar a mulher guineense. Não estamos contra as
legitimas expectativas de todas as nossas pobres mulheres. Não estamos contra
que haja igualdade de género e de oportunidades entre ambos os sexos no
exercício dos cargos públicos. Não somos, da mesma sorte, insensíveis aos
horripilantes dramas quotidianos que as nossas mulheres enfrentam no seu
quotidiano. Longe de nós tais torpezas machistas e sexistas. Somos
manifestamente pró-mulheres em todos os aspectos, insistimos (VER).
Porém, o que realmente somos contra é a hipocrisia, o cinismo, o aproveitamento
político e os nossos corruptos governantes e políticos em geral. E a aprovação
desta ardilosa lei de quotas encerra todos estes malefícios. Afirmamos
convictamente isto por que ela vai ser inexequível no país, tendo em conta
vários factores conjugados que obstaculizarão a sua vigorosa asserção. Por
outras palavras, a aprovação desta nova lei, "é pôr a carroça à frente
dos bois".
Desde logo, não foi uma "lei
genuína". Ela foi baseada meramente no oportunismo
político-eleitoralista dos biltres deputados, com vista a atraírem mais votos
da ala feminina, somando ao facto de ser completamente inoportuna. Neste
momento, em abono da verdade, não nos parece ser prioritário estar a aprovar
uma lei deste calibre, visto que envolve sérios pressupostos sociais,
culturais, políticos e jurídicos e um levantamento exaustivo que não foram
atendidos nos trabalhos preparatórios do anteprojeto lei. Ademais, a
generalidade do país está toda focada na realização das próximas eleições
legislativas marcadas para o próximo Novembro, tendo praticamente todas as
instituições do Estado paralisadas, pelo que não é o momento ideal para
deliberar sobre uma lei desta envergadura. É uma imprudência. Entendemos ainda
que a lei em apreço é, acima de tudo, irrealista. Não propriamente irrealista
por aquilo que promove, mas sim por aquilo que não vai ser nos próximos tempos.
Ela não se coaduna com a mundividência da sociedade guineense, uma
vez que esta continua altamente machista a todos os níveis da convivência, com
todas as implicações político-sociais que isso acarreta na marginalização das
mulheres, ou seja, vai apenas ficar reduzida ao mero formalismo legislativo,
sem qualquer tipo de expressividade e exequibilidade[1].
Vejamos, meus caros leitores, a título de
exemplo: tem havido a punição dos promotores da hedionda excisão feminina no
país? Aboliu-se o cancro do casamento forçado, a pedofilia galopante praticada
contra as nossas desprotegidas meninas e a violência doméstica? Erradicou-se,
porventura, o assédio sexual, o abuso e a violação contra as mulheres? Sabiam
que todas essas abominações sociais foram criminalizadas nas nossas leis da
República, especialmente no Código Penal? Estas leis têm vincado? Obviamente
que não (uma clara inconstitucionalidade por omissão). E acham que esta
fantoche lei de quotas vai triunfar? Se temos ainda abusos flagrantes cometidos
contra a Dignidade e os Direitos Fundamentais das mulheres que, infelizmente,
não têm merecido uma atenção especial das nossas autoridades, acham que esta
lei de quotas vai ter desfecho diferente das restantes? Acresce
ainda, além de todas estas derivas denunciadas, o facto dos actuais deputados
não disporem de legitimidade constitucional para aprovar esta importante lei,
visto que cessaram os seus mandatos há cinco meses. Somente têm que se
conformar em assegurar a gestão corrente do país, sem comprometer a próxima
legislatura. Por isso, este projecto lei viola flagrantemente a Constituição da
República. Qualquer cidadão que eventualmente no futuro se sentir prejudicado
por ela pode simplesmente impugná-la nos tribunais, sob pena de verem estes
declará-la inconstitucional com força obrigatória geral, pois está ferida de
ilegalidade.
São todos estes factores que, lucidamente, nos
levam a concluir que esta lei de quotas na Guiné-Bissau não passa de um delírio
eleitoralista. Uma, em suma, utopia para infelicidade de todos nós.
[1] Acresce
ainda o facto de esta putativa lei de quotas circunscrever-se unicamente ao
poder Legislativo, sem englobar o poder Executivo e Judiciário, entrando assim
em flagrante contradição com a "universalidade" das leis de quotas e com o argumento a fortiori
de "quem pode o mais, pode o
menos".