A Disciplina Eclesiástica


A disciplina eclesiástica não é um tema consensual no meio Evangélico-protestante. Além de ser praticamente tabu há, no entanto, denominações e igrejas que não a aplicam nos seus regulamentos internos e, consequentemente, na vida dos seus membros. Outras denominações e Igrejas, diferentemente, aplicam-na nos seus estatutos regulamentares, concretamente na vida dos seus respectivos membros que vivem deliberadamente na prática do pecado, sem a capacidade de reconhecer a sua miserável condição espiritual. Neste diferendo doutrinário cada ala procura esgrimir argumentos bíblicos “irrefutáveis” para fazer vincar a sua posição teológica. É verdade que a Igreja de Cristo não pode ser um espaço de “punição”, tal como, da mesma sorte, em circunstância alguma, pode ser um sítio de legitimar comportamentos indecorosos, desviantes da ética Cristã. 

Por isso, da nossa parte, sem qualquer tipo de hesitação prévia, somos manifestamente apologistas da disciplina eclesiástica, uma vez que está contemplada nas Escrituras Sagradas. A Igreja do Senhor Jesus tem toda a autoridade para aplicar sanções disciplinares aos seus membros desordeiros, que vivem sistematicamente no pecado, sem espiritualmente reconhecer as suas censuráveis condutas Cristãs, contando que não seja uma decisão discricionária e despótica. Ela deve ser, acima de tudo, justificada à luz da impoluta Palavra de DEUS. Dito por outras palavras, deve ser uma decisão espiritual tomada por deliberação comunitária, da Direcção ou Conselho da Igreja, e não se circunscrever meramente ao Pastor ou qualquer outro líder.  Tal extrema decisão deve visar, em última instância, convencer o irmão insubordinado da sua miserável condição espiritual, que teima em não se retratar. É uma forma de chamá-lo para abandonar a prática do pecado, arrepender-se o mais rápido possível e procurar uma vida sacrossanta. 

A disciplina da Igreja pode passar por, entendemos nós, dependendo da situação e gravidade do pecado em questão, perder o privilégio de participar nos ministérios da Igreja, não tomar parte na Ceia do Senhor e, em casos extremos, a exclusão da membresia. Antes da Igreja considerar o infractor de “gentio”“publicano” ou “herege” (Mateus 18:15-17; Tito 3:10) e posteriormente “entregá-lo a Satanás para destruição da carne, para que o espírito seja salvo no dia do Senhor Jesus” (1 Coríntios 5:5), é preciso previamente tentar persuadi-lo das eventuais consequências eclesiásticas em que ele incorre ao permanecer resolutamente no pecado e, deste modo, continuar a confrontar as autoridades da Igreja. A Igreja é chamada a não associar “com aquele que, dizendo-se irmão, for devasso, ou avarento, ou idólatra, ou maldizente, ou beberrão, ou roubador; com os tais nem se deve comer (1 Coríntios 5:11; 2 Tessalonicenses 2:6; 14). Ao homem “faccioso”, “contencioso” ou “herege”, exortava ainda o autor sagrado, “depois de uma e outra admoestação, evita-o, sabendo que esse tal está pervertido, e peca, estando já em si mesmo condenado” (Tito 3:10-11). É importante apenas não o tomar como inimigo, mas admoestai-o como irmão (2 Tessalonicenses 3:15). Se, no entanto, houver por parte do disciplinado a postura de arrependimento e mudança de vida, a Igreja deve recebê-lo novamente como irmão e reintegrá-lo na comunidade, uma vez que “a punição que lhe foi imposta pela maioria é suficiente. Agora, pelo contrário, vocês devem perdoar-lhe e consolá-lo, para que ele não seja dominado por excessiva tristeza. Portanto, eu lhes recomendo que reafirmem o amor que têm por ele”, advertia afectuosamente o Apóstolo Paulo (2 Coríntios 2:6-8)

Entendemos, igualmente, numa perspectiva geral, que uma pessoa disciplinada pela Igreja não pode tomar parte nos ministérios da Igreja, bem como comungar da sagrada Ceia do Senhor, independentemente da gravidade da situação, tendo em conta o seu testemunho manchado. Não está em condições espirituais devidas de assumir nenhum cargo na Igreja e tomar a Ceia. Não se pode confrontar a Igreja, através da prática propositada do pecado, e concomitantemente estar bem com o Senhor Jesus ao ponto de ter responsabilidades na Igreja e consequentemente tomar a Ceia. Quem desafia a Igreja está a desafiar o Senhor Jesus e a Palavra de DEUS. A Igreja pertence ao Senhor Jesus, razão pela qual a partir do momento em que uma pessoa não está bem com a Igreja passa automaticamente a não estar bem também com o Senhor Jesus. Jamais ninguém poderá ter diferendo com a Igreja e, ao mesmo tempo, reclamar a pretensão de ter boas relações com o Senhor Jesus. É completamente falso e um autêntico paradoxo. O relacionamento com o Senhor é manifestamente indissociável da Igreja, visto que Ele é a cabeça da Igreja (Colossenses 1:18) e os crentes fazem parte do corpo de Cristo (1 Coríntios 12:27). Caso diferente, é a pessoa que está disciplinada e que reconhece de facto a sua condição pecaminosa, aceitando de bom grado a disciplina da Igreja, dando sinais evidentes de confissão e arrependimento do seu pecado, parece-nos que não há motivos para ela não se comungar da ordenança da Ceia do Senhor. 

Julgámos desta forma porque, independentemente de a Igreja ainda não levantar a sua disciplina por razões de vária natureza, a pessoa em causa já deu sinais claros que aprendeu a lição com a disciplina e também o Todo-poderoso DEUS já lhe perdoou pelo que está em condições espirituais necessárias de poder voltar a tomar a Ceia do Senhor. Não nos parece sensato privá-lo da Ceia somente porque a Igreja ainda não decidiu levantar formalmente a sanção, até porque em determinados casos, a disciplina pode demorar mais por causa da própria burocracia associada à Igreja. Por isso, não faz qualquer tipo de sentido um crente genuinamente arrependido continuar inutilmente a ser privado dos privilégios dos ministérios da Igreja. Com efeito, somos da opinião que o levantamento da disciplina deve respeitar as mesmas formalidades eclesiásticas da sanção. Ela não pode ser deixada à mercê do Pastor ou qualquer outro líder ou titular da Igreja. Tem que ser feita perante a comunidade, mediante uma reunião deliberativa da Direcção ou Conselho da Igreja. 

Somos, para finalizar este sub tópico, a favor da disciplina da Igreja. Da mesma sorte, somos contra os crentes que estão na disciplina da Igreja comungarem da Ceia do Senhor, exceptuando em condições de claro arrependimento e mudança radical da sua condição pecaminosa, tal como acabámos de defender, dependendo de cada caso em concreto.