A Organização Sociopolítica dos Mandigas


“Nos Mandigas, as corporações de ofícios estão divididas em três categorias: Os sapateiros, os ferreiros-agricultores e os comerciantes ambulantes (Djilas). Distinguem-se entre si pelos nomes de ascendência paterna. Cada “casta” emprega um certo tipo de número de nomes. Apenas os nobres utilizam dois nomes: Mané e Sani. A maioria dos nomes da família é de origem tradicional de antes da islamização. As associações socioprofissionais eram apresentadas como castas endogâmicas. 
Artur Augusto da Silva (1968) apresenta a estratificação social tradicional da sociedade Mandiga do seguinte modo: 
– Os escravos, compostos pelos prisioneiros de guerra, homens comprados, aqueles que se davam como penhores para pagamento de dívidas, bem como os seus filhos. Ele distingue uma outra categoria intermédia entre os homens livres e os escravos, constituída pelos servos que poderiam estar ligados à terra ou artesãos trabalhando para os seus mestres;
– Os homens livres, dos quais faziam parte os homens de ofício, os agricultores, os guerreiros e o clero. Este último compreendia três dignitários religiosos que são, nomeadamente, os Almamis, os Fodeos e os Arafans. Qualquer pessoa cultivada poderia ser parte desta categoria independentemente da sua casta de origem.
A sociedade mandiga é uma sociedade organizada em castas de filiação sanguínea, o que significa que uma criança da casta dos ferreiros ou sapateiros permanecerá na sua casta de origem independentemente do ofício que venha a aprender posteriormente. As castas incluem duas categorias de ofícios:
– A categoria de ofícios que os costumes desta sociedade consideram como abjetos, a saber, os sapateiros (karan-keó), os ferreiros (Numó), os tintureiros (Karalo-lá), os actores (Djideu);
– A categoria dos ofícios bem considerados pela sociedade, como os tecelões (Dar-lá), os alfaiates (Karar-lá), os ourives (Sani-numó), etc.
Christian Roche, retém quatro ordens hierarquizadas da sociedade malinké, nomeadamente os contadores de histórias (gritos), músicos, ferreiros e sapateiros.
O casamento é proibido entre homens livres e pessoas de castas, mesmo se é permitido aos homens livres terem concubinas de casta. Os homens de casta não se podem casar nem arranjar concubinas fora da sua casta. Antigamente, esta prescrição era observada com muito rigor, mas, hoje em dia, as coisas mudaram.  As relações entre o homem e a mulher são caracterizadas por um claro domínio do homem a quem estão reservadas as chamadas tarefas nobres: a guerra, o comércio e o proselitismo. A mulher era responsável pelas tarefas manuais que permitiam a sobrevivência da comunidade.
Na base da organização política dos Malinkés figura a família. Cada grupo familiar pertence a uma linhagem e vive numa concessão, o Korda. Este conjunto é regido de acordo com o princípio da avunculocalidade. A comunidade divide-se em dois grupos: o grupo masculino chamado Deboda e o grupo feminino chamado Batunda. O chefe da Deboda é responsável pela distribuição da ração diária de painço enquanto a decana do Korda é responsável por destribuir as rações de arroz retiradas dos celeiros femininos, sendo o arroz uma cultura reservada exclusivamente às mulheres.  
A autoridade da aldeia é confiada ao homem mais velho do ramo mais antigo derivado do fundador da comunidade: o Alkali. Ele representa a aldeia e o rei nos seus contactos com os estrangeiros e nomeadamente com os Europeus: Duas autoridades servem de contrapeso ao poder do Alkali: por um lado, o Conselho dos Notáveis que dá ao seu acordo para qualquer decisão importante implicando a comunidade. Se um trabalho de interesse público fosse necessário, o Alkali reunia o Conselho que, após discussão, lhe concedia ou não autorização para recrutar os membros de uma ou de outra classe de idade para a realização das obras. Por outro lado, com a islamização, uma segunda autoridade aparece na aldeia, o Almaami, chefe religioso, muito respeitado e. por vezes, muito prestigiado. Frequentemente proveniente da primeira família que se converteu ao Islão, o Almaami exerce essencialmente uma autoridade moral. Frequentemente, o seu parecer é predominante nas discussões.
Os Mandigas que conquistaram a região da Guiné-Bissau e o norte do rio Gâmbia praticavam os mesmos métodos de gestão do poder herdados do Mali e baseados sobre a vassalagem. O princípio de uma liderança rotativa entre os membros elegíveis das famílias fundadoras constitui um meio de dissipar os conflitos internos e difundir a sua autoridade. Uma vez definidas as fronteiras, os Estados mandigas revelaram-se de uma notável estabilidade até ao século XIX. Isto testemunha a capacidade da elite dirigente de manter o status quo, através de uma série de astúcia: laços, casamento, mediação de conflitos, técnicas de protecção mútua de interesses, etc.
O transplante das instituições sociais e culturais Mandé para a Guiné-Bissau representava uma vantagem considerável para a elite dirigente mandiga na consolidação do controlo sobre as populações animistas dominadas. Assim, cada elemento da sociedade Mandiga desempenhava um papel bem preciso: a elite e os cidadãos livres impunham os modelos sociais e culturais da sua tradição; os ferreiros, os contadores de histórias e os artesãos transmitiam o seu saber-fazer e a sua prática religiosa. Todos estes possuíam cativos, cujos filhos eram integrados na sociedade mandiga. As populações submetidas, os cativos e muitos homens livres eram progressivamente influenciados pelo modelo sociocultural mandiga, chamado processo de “mandinguização” pelos Portugueses.
Após a desintegração do Império de Mali, nos séculos XV e XVI, as dezenas de Estados mandigas da região da Guiné-Bissau tornaram-se uma federação separada dirigida pelos Mansas escolhidos entre os clãs das famílias Sane e Mané dos Estados de Sama, Jimara et Pachana”.[1]    



[1] Extraído no livro do Professor Tcherno Djaló, in O Mestiço e o Poder [Identidades, Dominações e Resistências na Guiné-Bissau], Veja, 2012, Lisboa, p. 67,68 e 69).