A Guiné-Bissau Não é Um País Para Engenheiros


Guiné-Bissau não é um país para engenheiros. Nunca os engenheiros foram uma classe bem-sucedida no país. São frequentemente vistos, de forma redutora, pela maioria da população, como profissionais circunscritos à docência e à construção civil. Não têm grande proeminência político-governativa e poucos ocuparam cargos de relevo, com exceção dos engenheiros Carlos Correia, Cipriano Cassamá e Nuno Gomes Nabiam. A maioria encontra-se como professores no ensino liceal, uma pequena parte nas faculdades e como técnicos superiores na função pública — e pouco mais. Ser um engenheiro honesto na Guiné-Bissau é, sem dúvida, estar condenado à pobreza e ao fracasso.

Quem realmente triunfa no país é o “machu dunu”, que se desdobra etimologicamente no “dubriado” e nos pseudo-doutores que, pela astúcia e malandrice, controlam tudo e todos à sua volta, vivendo à margem das regras sociais convencionadas. O “machu dunu”, apesar de viver na aldrabice e na corrupção, domina a habilidade de contornar o sistema e qualquer oposição que se lhe apresente. Por isso, consegue sempre ter dinheiro, poder, mulheres e pessoas à sua disposição, manipulando-as a seu bel-prazer. Para ele, os fins justificam sempre os meios. É, por isso, admirado como “dubriado”, “homi di bardadi” ou “machu dunu”, porque triunfa nos seus propósitos, ainda que censuráveis. 

A maioria dos engenheiros guineenses não consegue afirmar-se do ponto de vista político-social. Muitos são condenados à pobreza e à miséria galopante. E os que conseguiram sobressair fizeram-no à custa de subjugação, servilismo e “bari padjá” ou “mutrundadi” à moda guineense, para poderem ser “alguém” na vida — como, por exemplo, os engenheiros Nuno Gomes Nabiam e Cipriano Cassamá. No entanto, todas as regras têm exceções; não podemos colocar todos no mesmo saco. 

É curioso notar que, por vicissitudes várias, o primeiro quadro superior que a Guiné-Bissau teve foi um engenheiro: Amílcar Lopes Cabral. Tinha a ambição de criar uma “Nova Sociedade” guineense e um “Novo Homem Africano”, capaz de trilhar com sucesso o “Programa Maior” de desenvolvimento sustentável da Guiné-Bissau. Contudo, como sabemos, isso não aconteceu. O engenheiro Amílcar Cabral foi barbaramente assassinado em Conacri pelos seus detratores, frustrando o seu projeto para a Guiné-Bissau e Cabo Verde.

Cabral atraía inúmeros inimigos entre os seus correligionários do PAIGC, apesar do seu humanismo, bem retratado nas narrativas da guerra. Era extremamente culto, defensor acérrimo de causas sociais e amava profundamente o seu povo — independentemente da leitura que se faça hoje da exequibilidade do seu projeto político. Foi um político brilhante e excecional no seu tempo. Ainda assim, os opositores atribuíam-lhe epítetos pejorativos para desmobilizar a luta pela independência: “Cabral gosta mais di caboverdianus di qui guineenses”, “Cabral na fassi guerra pá cabrianus bim dpus manda riba di nos”, “Cabral ika guineense”, entre outras difamações que culminaram no seu assassinato. 

A história que hoje envolve o engenheiro Domingos Simões Pereira (DSP) apresenta paralelismos com a de Amílcar Cabral. DSP é um homem humilde, afável, altamente qualificado e com vasta experiência político-governativa. É um dos maiores quadros e políticos mais reputados que o país possui, amplamente reconhecido a nível internacional. Apesar disso, os seus inimigos não cessam de criar narrativas falaciosas para o arruinar politicamente — desde a mentira de que não gosta de muçulmanos e de pessoas do interior, até à acusação de ser corrupto e disposto a vender as riquezas nacionais a estrangeiros. Por causa deste falatório, DSP foi impedido de chegar ao poder por duas vezes e correu sérios riscos de perder as últimas eleições presidenciais Guiné-Bissau (ALI) (AQUI)

O engenheiro DSP não é apenas detestado por guineenses menos esclarecidos, que acreditam cegamente nesses boatos, mas também por setores mais instruídos da sociedade. A crescente “domingos-fobia” é fruto da maldade, da inveja e do ódio dirigido contra quem procura ser melhor no que faz. O guineense típico não aprecia pessoas inteligentes, com ideais progressistas, quadros sérios e comprometidos com valores nobres e com o desenvolvimento do país. Quem demonstra tais qualidades torna-se automaticamente um alvo a abater. Assim aconteceu com o engenheiro Amílcar Cabral há quarenta e sete anos, e assim tentam fazer com o engenheiro Domingos Simões Pereira. 

Tanto um como outro não encarnam o epíteto do “machu dunu” (DSP só tem “Matchu” por nome e mais nada). Por isso, não triufa(ra)m na sociedade guineense, agravado pelo facto de serem ambos engenheiros. A Guiné-Bissau, infelizmente, para desgraça nossa, não é um país para engenheiros.