Invictus
«Out of the night that covers
me,
Black as the Pit from pole
to pole,
I thank whatever gods may be
For my unconquerable soul. -
In the fell clutch of
circumstance
I have not winced nor cried
aloud.
Under the bludgeonings of
chance
My head is bloody, but
unbowed. -
Beyond this place of wrath
and tears
Looms but the horror of the
shade,
And yet the menace of the
years
Finds, and shall find me,
unafraid.
It matters not how strait
the gate,
How charged with punishments
the scroll,
I am the master of my fate;
I am the captain of my soul».
(O poema de William Ernest
Henley, que sempre acompanhou e inspirou Mandela na sua difícil luta).
Não se pode falar da luta política de Nelson Mandela, sem
previamente falar de Martin Luther King. Da mesma sorte, não se pode falar de
Luther King sem, no entanto, lembrar o Pan-africanismo. E lembrar o
Pan-africanismo é falar, em última instância, da legítima resistência histórica
da raça negra que, ao longo dos séculos, foi sistematicamente subjugada e
escravizada pelos colonialistas europeus.
Na busca insaciável dos ideais da Liberdade, da Unidade,
da Igualdade, da Solidariedade, da Fraternidade, da Democracia e sobretudo da
Autodeterminação – valores intangíveis e inerentes a qualquer ser humano – os
grandes vultos africanos e afro-americanos lutaram intransigentemente para
afirmar inequivocamente tais Princípios e Valores humano-sociais, no sentido de
devolver a dignidade e a liberdade plena ao homem negro. Mesmo sabendo que as
suas vidas poderiam ser postas em causa pelo regime opressor em que estavam
inseridos, tiveram a ousadia e suficiente coragem de confrontar a realidade tal
como ela é, defendendo os supremos Direitos do Homem até às últimas
consequências. Muitos deles, por vicissitudes várias, infelizmente, foram brutalmente
assassinados; outros, de forma arbitrária, foram espancados e presos
injustamente. Apesar da oposição atroz que enfrentaram no seu dia-a-dia,
conseguiram fazer valer resolutamente as suas legítimas reivindicações.
É nestas emergentes convulsões políticas do domínio e
supremacia da raça branca para com a raça negra, nomeadamente no contexto do
regime fascista do Apartheid da África de Sul, que a vida e
obra de Nelson Mandela brotou e se projectou com toda a força e carga
ideológica nos corações dos homens, influenciando-os positivamente com o seu
ideal e testemunho exemplar de vida, conquistando assim o unanime
reconhecimento e enorme admiração do mundo inteiro. A história moderna da
África de Sul é, sem dúvida alguma, a história do herói Nelson Mandela. Viveu o
seu tempo orientado, de forma tremendamente extraordinária, por Princípios,
segundo Sócrates, de um homem Sábio, Honesto e Bom, demonstrando
inequivocamente tais elevadas virtudes morais na sua irrepreensível postura de
estar e de encarar a vida, especialmente com o próximo.
Não obstante os dissabores e tamanha contradição que
enfrentou dos malditos homens, somando as razões suficientes que teve para ter
uma conduta bem diferente daquela que nos ensinou[1], Nelson Mandela nunca se
vergou perante as agruras e circunstâncias adversas da vida. Quando tudo
parecia irreversível demonstrou sempre resiliência, determinação e enorme
grandeza da alma. Foi um político de envergadura excepcional, com uma visão
humanista bem apurada. Arauto da democracia e, provavelmente, um dos melhores
filhos que África alguma vez teve. Figura emblemática na luta intransigente de
causas humano-sociais e de grande consenso universal. O homem da paz e ícone
máximo da nossa era pós-moderna.
Longe de mim a hipocrisia generalizada do mundo Ocidental que
estão agora efusivamente a celebrar/homenagear Nelson Mandela pela sua
vida e obra, mas que outrora colocaram-no na lista negra como sendo um
terrorista; ou de julgar que a África de Sul já vive plenamente o ideal da
Democracia Participativa encarnado por Mandela. A luta que Madiba travou,
juntamente com os seus correligionários do partido e milhares dos seus
patrícios, de modo nenhum está ainda concluída. O princípio da igualdade entre
os brancos e os negros sul-africanos foi apenas circunscrito e reduzido na
constituição formal do país, ficando ainda muito aquém da sua real
concretização em vários domínios da convivência social, nomeadamente no que
toca o nível económico-financeiro. E como reconhece o sul-africano Mondli
Makhanya, in Jornal Público, "a maior parte do
dinheiro está em mãos brancas, a classe média é predominantemente branca e os
negros são pobres. A maioria ainda vê a cor da riqueza como branca, e a cor da
pobreza como negra", concluiu, dizendo que "isso
afecta as relações". Dito por outras palavras, há ainda enormes
desigualdades entre os cidadãos, com prejuízo abismal para com a raça negra.
Realidade que urge mudar o mais rapidamente possível, com vista a assegurar
definitivamente a igualdade de oportunidade de todos os cidadãos perante a lei.
Infelizmente, esta triste realidade não se limita apenas à
África de Sul, existindo praticamente em todo o continente africano onde à
maioria da população continuam ainda a ser flagrantemente negados, de forma
deliberada e consciente, os direitos fundamentais pelos seus autoritários e
corruptos líderes, que somente pensam nos seus interesses egocêntricos. Tal
como nos anos 50 do século passado precisamos, como nunca, de ressurgimento de
homens e mulheres valentes para pôr fim a este abuso de poder e tremenda
violação de Direitos Humanos.
Em suma, identificando-me plenamente com a peremptória
afirmação de Clayborne Carson, não tenho a mínima dúvida de que Nelson
Mandela será lembrado, ao lado de Luther King e Ghandi, como um dos três
grandes nomes da liberdade humana e dos direitos humanos do século XX. Espero,
de facto, que o seu legado possa perpetuar nos corações dos homens e mulheres
de boa vontade e, principalmente, nas consciências empedernidas e que todos
nós, limitados seres humanos, possamos lutar a cada dia que passa para
construir saudavelmente uma sociedade cada vez mais Democrática, Ordeira, Justa
e Progressista para o Bem-estar de todos.
[1] foi preso quando a filha tinha 4 anos e só
saiu quando já era avô. Passou 10 mil dias numa cela tão pequena que nem
conseguia abrir os braços. Mas nunca se quis vingar de ninguém, sintetiza
na sua capa a revista Sábado, in Edição
Extra do dia 8 de Dezembro.