A Mulher Guineense: Uma Análise Crítica da Sua Integração em Vários Quadrantes da Sociedade


Celebra-se, este mês, em todo o Mundo, o "Dia Internacional da Mulher". Uma efeméride bastante importante para reflectirmos sobre os inúmeros flagelos com que milhões de mulheres são confrontadas diariamente não dispondo, muitas das vezes, de protecção legal para fazer valer os seus legítimos Direitos. Ao longo dos tempos, temos assistido pacificamente uma diferença abismal no tratamento entre o Homem e a Mulher que urge alterar. E é justamente sobre esse fosso de desigualdades sociais que centralizaremos a nossa abordagem, procurando, na medida do possível, descortinar aquilo que, a nosso ver, consideramos ser um dos males e causa de tremendas injustiças praticadas contra as inofensivas mulheres, máxime no contexto específico da Guiné-Bissau. 

Para falar da integração da Mulher na nossa famigerada sociedade, é preciso ter uma visão holística daquilo que são as matrizes e pressupostos valorativos que caracterizam a filosofia dos guineenses. E isto, remete-nos, desde logo, para um enquadramento cultural com vista apurar o substrato sociocultural que separam os dois géneros. Este enquadramento sociocultural, no entanto, prende-se com o facto da sociedade guineense ser composta por múltiplas mundividências, desde o plano Étnico, Religioso e Social, que sumariamente analisaremos infra. Todos estes factores acabam por não contribuir, em nada, para uma autêntica integração das mulheres, nomeadamente no que toca aos Direitos Fundamentais que lhes assistem e que continuam a ser-lhes flagrantemente negados, que são: 

a) A Diversidade Étnica – esta baseada nos poderes autóctones limita significativamente a intervenção das autoridades na concretização do Estado de Direito Democrático na esfera jurídica dos particulares. Como se sabe, pelo menos por aqueles que conhecem bem a realidade concreta do nosso país, a maioria das etnias da Guiné-Bissau firma as suas arreigadas crenças na supremacia do Homem face à Mulher, que já vinham de tradições remotas herdadas pelos nossos antepassados. Esta obsoleta ideologia está profundamente enraizada na concepção da generalidade do nosso povo, obstando assim a autonomia das mulheres no sentido de comprovarem devidamente o seu potencial humano; 

b) A Ordem Religiosa – destaca-se também como um dos factores de acentuação das desigualdades e injustiças sociais, mormente no que concerne à submissão total das mulheres/esposas em relação aos homens/maridos e certos privilégios que somente são reservados a estes. Os animistas defendem manifestamente essa redutora mundividência, juntamente com os islâmicos (por mais que possam surgir objecções contrárias acerca disso, a forma como estas duas religiões encaram e tratam a Mulher torna passível extrair delas a conclusão que acabámos de afirmar). A única excepção são os Cristãos, que têm uma postura um pouco diferente, embora não tão nítida como deveria ser à luz dos impolutos Princípios e Valores Bíblicos, uma vez que todos os homens são filhos de Deus e Cristo veio para todos salvar, a universalidade dos fundamentos e da mensagem Cristã tem como consequência a afirmação de uma regra de igualdade entre todos os homens. Por isso, o Apóstolo Paulo vai perentoriamente afirmar que "não há judeu, nem grego; não há servo, nem livre; não há homem, nem mulher" (Gálatas 3:28)

c) A Ordem Sociológica – sobre a qual assenta a tradição de usos e costumes (este último caracterizado pela prática reiterada com convicção de obrigatoriedade), que a sociedade guineense imana e incorpora no seu seio, tal como qualquer outra sociedade, e com as suas múltiplas tendências para um machismo exacerbado, consubstanciando na sua essência uma mundividência "di machundadi", que se traduz na subalternização do sexo feminino e na inquestionável primazia do homem em todas as circunstâncias da vida. Todas essas vicissitudes comportamentais acabam, naturalmente, por ter repercussões extremamente negativas na forma de ver e considerar a figura da Mulher na Guiné-Bissau. 

Feito este brevíssimo enquadramento, estamos agora na altura necessárias de poder enumerar directamente os grandes desafios que, a nosso ver, se colocam ainda hoje às nossas marginalizadas mulheres. Desde logo, a desproteção legal, a injustiça social e do mercado laboral, o não acesso à educação, a mortalidade materno-infantil, o flagelo do HIV, a ofensa à integridade física e psicológica, que engloba a prática da mutilação genital, a violência domestica e o casamento forçado, a que a maioria é submetida em nome da religião ou tradição, e que resultam sempre nos danos psicológicos irreparáveis e, em determinados casos, na morte prematura das visadas. Todos estes gritantes males cometidos contra “nô padiduris”, que não têm merecido uma atenção especial dos nossos sucessivos governantes, pelo menos, por enquanto, violam flagrantemente os Princípios e Valores consagrados na Declaração Universal dos Direitos do Homem, que a Guiné-Bissau ratificou e adoptou na sua Constituição da República, conhecidos como direitos irrenunciáveis e inderrogáveis a qualquer pessoa humana. São conjuntos de direitos inatos ao Homem e que configuram os chamados Direitos Fundamentais, transcendendo o próprio Estado na sua actuação com os particulares. 

Perante as verdades expostas, levanta-se a pertinente questão de saber como é que a sociedade guineense poderá responder positivamente a estas graves discriminações e ofensas praticadas contra as mulheres? A resposta não podia ser mais do que taxativa, por razões óbvias, dado que todos nós sabemos o que deve ser feito para resolver cabalmente essa calamidade pública, inclusive as próprias autoridades. Acontece que, por vicissitudes várias e supervenientes, os discursos a que temos assistido por parte dos contínuos governos sobre este assunto não passam mais de raciocínios falazes e tautológicos, que visam unicamente engodar a opinião pública e assim continuar a perpetuar o real combate deste flagelo humano. 

Afirmamos isto de viva convicção, porque há um desinteresse do Estado perante tais manifestos abusos. Basta vermos as lacunas legislativas existentes que temos no país e a impunidade desmedida sobre as reiteradas violações que as mulheres sofrem quotidianamente, sem praticamente resultar em nada contra os infractores, para concluirmos que de facto estamos ainda muito aquém de superar tais "cancros" sociais. Por outras palavras, o Estado guineense mostra-se "cego" e incapaz perante uma realidade cognoscível e tão fácil de solucionar. 

Para colmatar definitivamente a marginalização a que as nossas mulheres são votadas no seu quotidiano, é preciso que o Estado guineense assuma de facto as suas responsabilidades politico-governativas e reforce o seu papel interventivo na esfera jurídica dos particulares (algo que jamais teve coragem de fazer em termos práticos), através de mecanismos exequíveis que visem resolver na íntegra as injustiças perpetradas contra as mulheres. Criar-lhes, acima de tudo, condições dignas de acesso a boa educação, promover campanhas de sensibilização à sociedade civil, elaborar leis mais “vigorosas” para criminalizar todos os abusos que ofendem a dignidade da Mulher, tal como supra descrevemos. O Estado não se pode conformar somente em fazer leis punitivas "bonitas" e reduzi-las a um mero formalismo legislativo, mas sim demonstrar a sua força jurídica no âmbito da sua aplicação prática na vida dos cidadãos. 

Se as autoridades guineenses proporcionarem condições dignas para as nossas mulheres se aculturarem, obviamente que isso teria um reflexo bastante positivo na sociedade: contribuiria para reduzir drasticamente muitas das ofensas cometidas contra elas, bem como facultar-lhes as ferramentas indispensáveis para se saberem defender das violências físico-psicológicas a que são permanentemente sujeitas perante os grunhos homens. Ademais, ajudaria a controlar as doenças infecto-contagiosas, gravidez precoce e indesejadas, que continuam ainda hoje a atingi-las com índices bastante preocupantes. Em suma, possibilitar-lhes-ia melhores condições de vida para se auto-realizarem e, deste modo, ganharem a sua completa autonomia, libertando-se da dependência dos homens. Tudo isto ajudaria consideravelmente a equilibrar a balança no tratamento dos dois géneros e reforçaria a concretização plena do Princípio da Igualdade entre ambos os sexos. 

Esperamos, de facto, do fundo do coração, que num futuro breve estas nossas aspirações sejam atendidas pelas autoridades. E que todos nós, mulheres e homens, acima de tudo, seres humanos, possamos viver em espírito de Igualdade, Harmonia, Fraternidade e Progresso para o bem-estar de todo o povo Guineense.