Banhos Públicos: Voluntarismo ou Autopromoção?


O Voluntarismo é um termo bastante rico nos seus múltiplos significados que atraiu ao longo dos tempos. Talvez seja esta a razão pela qual tem despertado o interesse dos grandes pensadores mundiais que marcam, e marcaram, profundamente a nossa História Universal. 

O debate sobre as implicações práticas do termo começou, precisamente, com Santo Agostinho de Hipona e demais filósofos coevos. Posteriormente, ganhou mais relevo e projecção com o Teólogo Escolástico Guilherme de Ockham, que "santificava" completamente a vontade humana, e concomitantemente a liberdade individual, em detrimento de qualquer tipo de realidades subjacentes ao ser humano. Com os moralistas do séc. XVII e XVIII ficou tudo diferente. O Voluntarismo passou a ser objecto de rigorosa avaliação, não apenas por aquilo que representa do ponto de vista filosófico, mas também pelo fim que visa atingir e como este é atingido. 

É no âmbito destas construções dogmáticas que surge Immanuel Kant, que veio relançar decisivamente o debate, rejeitando a priori a enfase perfeccionista do conceito. Para Kant "a boa vontade não é boa por aquilo que promove ou realiza, pela aptidão para alcançar qualquer finalidade proposta, mas tão-somente pelo querer, isto é em si mesma, e, considerada em si mesma, deve ser avaliada em grau muito muito mais alto do que tudo o que por seu intermédio possa ser alcançado em proveito de qualquer inclinação, ou mesmo, se se quiser, da soma de todas as inclinações" (In Fundamentação da Metafisica dos Costumes, pág. 23, Edições 70, Lisboa, Portugal, 2005). Com efeito, vai traçar o conceito do Dever Ser como a única máxima de todo o conteúdo moral, concluindo peremptoriamente que qualquer acção que não seja revestida do Imperativo Categórico não passa de uma intenção meramente egoísta, desprovida de qualquer significado valorativo do ponto de vista humano-social. 

Da minha parte, não se pode falar do Voluntarismo sem primeiro se falar do Livre-arbítrio e, consequentemente, da Autodeterminação (LER). E falar destes três conceitos em simultâneo torna o problema ainda mais complexo e de difícil posicionamento, uma vez que envolve vários mistérios e enigmas que, as mais das vezes, não conseguimos penetrar e muito menos decifrar. Do Livre-arbítrio e Autodeterminação do homem pode-se esperar tudo, desde a encarnação de excelentes virtudes morais, que traduzem as práticas de boas obras, até aos actos individualistas que visam apenas autopromoção, ou até mesmo, em circunstâncias anormais, de actos bárbaros. 

Vem todo este intróito a propósito dos banhos públicos. A grande questão que se coloca é a seguinte: será que a generalidade de pessoas que têm aderido em massa a esta nobre campanha de solidariedade e de sensibilização, mormente as figuras públicas, com vista angariar dinheiro em favor da associação ALS, que visa ajudar pacientes e investigadores no combate da doença esclerose lateral amiotrófica (ELA), também conhecida por Lou Gehrig, estão verdadeiramente a praticar um acto voluntário, ou um mero acto de autopromoção (LER)? A resposta desta pergunta não é nada pacifica. Há profundas divergências de opiniões sobre o assunto. E cada parte tem algum pano de verdade por detrás. Jamais conseguiremos aferir na íntegra onde acaba o Voluntarismo e começa a Autopromoção. É uma linha bastante ténue. 

Sem querer propriamente assumir uma posição no debate instalado, confesso que sou ainda mais céptico em relação à boa vontade humana. Não acredito minimamente nela, ou seja, na sua impoluta moralidade na prática dos actos. Razão pela qual me identifico plenamente com a concepção pré-determinista de João Calvino, da Depravação Total, posteriormente abraçada pelo bispo de Ypres, Cornelius Jansen, conhecido por Jansenismo, que consiste na impossibilidade do homem só por si ter suficientes capacidades de praticar o bem na sua imaculada essência. O Livre-arbítrio do homem, está inteiramente manchada pelo pecado original de Adão e Eva no início da criação no jardim do Éden, ao ponto dele ficar muito aquém do ideal da sua boa vontade. Se avaliarmos, cuidadosamente, no ínfimo pormenor todas as acções do homem, chegaremos à sábia conclusão de que ela está sempre viciada de egoísmo, realização pessoal, calculismo, vaidade, autopromoção e outros adjectivos pejorativos que se lhes pode aplicar, sem prejuízo, obviamente, de se ter em conta os pressupostos valorativos que as sociedades convencionam e traçam como modelo a seguir nos relacionamentos que as pessoas vão desenvolvendo uns com os outros ao longo da transitória vida terrena, que podemos apelidar de acções legítimas (LER)

Sobre a verdadeira motivação das pessoas que estão aderir os banhos públicos há um facto indesmentível que importa salientar, quer queiramos, quer não: o desafio lançado com intuito de ajudar a causa da esclerose lateral amiotrófica tem tido um impacto mediático universal positivo. Não interessa se as pessoas que aderiram a proeza estão a fazê-la com intuito de ajudar a referida causa, ou estão, tão-simplesmente, a querer dar nas vistas por outras razões ocultas, desde que isso não prejudique o trabalho  que se propõem fazer. E parafraseando o Molomil, o que importa são os resultados. Se, no terreno, a autopromoção fizer algo de bom por quem precisa, então, viva a autopromoção (LER)