Não censuremos nos outros aquilo que
também nos atinge, diz sabiamente o brocardo popular. Seguindo na mesma esteira
do pensamento, escrevia o reputado Filósofo Plutarco, na sua célebre obra “Como
Tirar Proveito dos Inimigos”, que Platão ao encontrar-se com homens que agiam
torpemente, costumava perguntar a si mesmo: «por acaso, serei igual a eles?».
Todo aquele que censura a vida de outro, e em seguida olha para a sua própria
vida e a modifica, orientando-a e corrigindo-a, retirará algum proveito da
censura que, de contrário, parece ser, e é, inútil e vazia. Por isso,
prosseguia advertidamente, a maioria das pessoas ri-se se um calvo ou um
corcunda censuram e troçam de outros pelas mesmas razões, e, em geral, é
risível censurar e troçar de qualquer coisa que pode devolver-lhe a
censura.
E, de seguida, vai dando
especificamente o exemplo do Leão, o Bizantino, que tendo sido injuriado por um
corcunda pela enfermidade dos seus olhos, lhe disse: «Deitas-me em cara uma
desgraça humana, quando levas aos ombros a vingança divina». E também, não
injurieis outro por ser adúltero, se tu mesmo fores louco pelos jovens; nem por
ser desregrado, se tu mesmo és ruim: «És da mesma estirpe da mulher que matou o
marido», disse Alcmeão a Adrasto. Que fazia aquele, na verdade? Não deitava em
cara a injúria de outro, mas a sua própria: «E tu és o assassino da mãe que te
gerou», respondeu-lhe na mesma medida o primeiro.
E Domicio[2] disse a Craso[3]: «Não
choraste tu pela moreia[4] que alimentavas no teu viveiro?». E Craso
respondeu-lhe: «Não enterraste tu três mulheres sem derramares uma única
lágrima?». Não é necessário que aquele que vai injuriar seja gracioso, de voz potente
e audaz, deve, contudo, ser irrepressível e inatacável. Pois, o conselho da
divindade «conhece-te a ti mesmo» parece aplicar-se sobretudo àquele que vai
censurar outro, para que, ao dizer o que quer, não vá escutar o que não quer.
Certamente pessoa deste tipo «quer», segundo Sófocles, soltando a sua língua em
vão, ouvir involuntariamente aquelas palavras que diz voluntariamente,
sentenciava o Filósofo.
(Inspirado no livro de Plutarco, in “Como Tirar Proveito dos Inimigos”, Coisas de Ler, p. 9,18,19, Lisboa, 2008).