A sonolência espiritual é um tema bastante
recorrente em todas as Escrituras Sagradas. É um dos malévolos vícios que o
Diabo usa sorrateiramente para infiltrar no seio das Igrejas as desconfianças,
querelas, rivalidades, contendas, heresias, sincretismo, divisões e mundanismo,
obstaculizando assim a edificação dos crentes e o avanço progressivo da obra
missionária (LER). Ela encerra efeitos perniciosos na
espiritualidade dos Cristãos e constitui um campo muito fértil para o inimigo
tentar tomar de assalto o Reino de Deus. A sonolência espiritual tem-se tornado
cada vez mais uma realidade transversal nas nossas congregações, infelizmente.
Basta olharmos com atenção o estado indolente das Igrejas para concluirmos esta
manifesta verdade. A começar, desde logo, com o défice acentuado nas lideranças
das igrejas e a falta de autoridade espiritual dos pastores, o descompromisso
com a nobre causa do Evangelho e a proliferação da carnalidade no seio dos
crentes são sinais evidentes e inequívocos desta grande crise da fé que afecta
drasticamente a Igreja de Cristo. Ao invés de se concentrar realmente naquilo
que é o substrato identitário da nossa tão maravilhosa salvação, descura-se deliberadamente
de combater “o bom combate da fé”, dando inutilmente ouvidos “a
fábulas e genealogias intermináveis, que mais produzem questões do que
edificação de Deus, que consiste na fé” (1 Timóteo 1:4), acabando
alguns, em consequência disso, por “naufragar na fé” (1 Timóteo 1:19).
Uma das receitas para uma vida Cristã
bem-sucedida é a constante vigilância espiritual e esta, por sua vez,
remete-nos indubitavelmente para a consagração, a santificação, o serviço e uma
vida piedosa de oração. A oração é um antídoto eficaz para vencermos o Diabo na
força do Espírito Santo[1].
Por isso, o Senhor Jesus adverte-nos a vigiar sempre e orar para que não
entremos em tentação (Mateus 26:41). E na mesma esteira do pensamento, o
Apóstolo Paulo vai ao ponto de admoestar para perseverarmos na oração, vigiando
permanentemente com acções de graças (Colossenses 4:2). A
vigilância liberta-nos da letargia espiritual e leva-nos a estar plenamente
sintonizados com DEUS e a Sua Santa Palavra (LER). E mais, ela habilita-nos a conhecer
melhor o tempo em que estamos a viver e da urgência da nossa salvação (Romanos
13:11-14; Mateus 24:42; Lucas 21:36), bem como ajudar-nos-á ainda a
esclarecer eventuais inquietações que vão surgindo ao longo da nossa
peregrinação terrena (Habacuque 2:1) e, acima de tudo, para
estarmos sempre firmes na fé no meio das adversidades e provações (1
Coríntios 16:13).
Acontece que, por razões de várias ordens,
estas salutares prescrições bíblicas não têm estado a receber um amplo acolhimento
por parte da generalidade dos Cristãos, razão pela qual confrontamo-nos com seríssimas
superficialidades e uma vida Cristã sem qualquer tipo de expressividade. A
Igreja é usada como antro de promiscuidade, convertendo-se em auto-promoções,
tráfico de influências, conluios, rivalidades, ajustes de contas, represálias,
desvios de fundos, enriquecimentos ilícitos, imoralidade sexual, corrupção e
pactos com o Diabo. Ela tornou-se num mercantilismo de ilusões onde os
valores materialistas e “o evangelho da prosperidade” são
enfatizados e explorados até à exaustão, em detrimento da genuína conversão e
santidade da vida Cristã (LER). Todos estes flagelos ameaçadores da
nossa unidade eclesiástica remetem-nos para a sonolência espiritual e esta é
ocasião favorável para o poder do mal. É um profundo entorpecimento da alma,
segundo a sugestivas palavras do Papa Bento XVI, “que não se alarma com
o poder do mal no mundo, com toda a injustiça e com todo o sofrimento que
devastam a Terra. É um embotamento que prefere não se dar conta de tudo isso;
tranquiliza-se com o pensamento de que tudo, no fundo, não é assim tão grave,
podendo deste modo continuar a autocomprazer-se na sua própria vida saturada.
Mas este embotamento das almas, esta falta de vigilância seja quanto à
proximidade de Deus, seja quanto à força ameaçadora do mal confere ao maligno
um poder no mundo”[2].
É preciso, no entanto, com carácter de urgência,
superar definitivamente esta apatia espiritual, revigorando o nosso “primeiro
amor” (Apocalipse 2:4) com vista a dar primazia o Reino de DEUS e a
Sua Justiça (Mateus 6:33), uma vez que “a nossa salvação está
agora mais perto de nós do que quando aceitamos a fé. A noite é passada, e o
dia é chegado. Rejeitemos, pois, as obras das trevas, revestindo-nos plenamente
do Senhor Jesus Cristo (Romanos 13:11-14). Por isso,
exortava ainda o santo Apóstolo Paulo, “desperta, tu que dormes, e
levanta-te dentre os mortos, e Cristo te iluminará” (Efésios 5:14). Só
assim, com este despertamento espiritual, conseguiremos ser eficazmente “sal
e luz do mundo” (Mateus 5:13-14), dando intrepidamente o
testemunho impoluto do Evangelho e consequentemente ganhar muitas almas para o
Reino de DEUS. Que assim seja sempre nas nossas vidas. Que assim seja.
[1] Vide, por todos os exemplos, a
parábola das dez virgens (Mateus 25:1-13), a parábola dos talentos (Mateus
25:14-30), a oração do Senhor Jesus em Getsémani (Mateus 26:36-46; Marcos
14:32-42), a armadura de DEUS (Efésios 6:10-20).
[2] Joseph Ratzinger/Bento XVI, in “Jesus
de Nazaré [Da Entrada em Jerusalém até à Ressurreição”], p. 129, Editora,
Principia, Cascais, 2011.