Os Deveres de Ofício


Consigo compreender perfeitamente toda a celeuma criada em torno do indecoro do Primeiro-ministro António Costa na sua chegada ontem a Luanda, Angola (LER). Não esteve bem, infelizmente. Ficou bastante aquém daquilo que deveria ser a sua irrepreensível postura do homem de estado. A república de Angola não merecia, de todo, este irreflectido desdém por parte da terceira figura de Portugal. Na política, tal como se costuma dizer, o que parece é. O facto de António Costa se apresentar de maneira informal e desleixada, usando calças de ganga e mocassins à chegada a Angola, demonstra manifestamente a forma como Portugal olha ainda com alguma sobrançaria para as suas ex colónias. 

Obviamente, neste ponto, é irrelevante invocar "o princípio da subjectividade" que assisti a qualquer ser humano, sobretudo no que toca aos seus gostos indumentários, uma vez que o senhor Primeiro-ministro António Costa não estava num evento de foro particular e tão pouco efectuar uma visitinha qualquer ou encontro de café. Estava a representar Portugal num país irmão. Impunha-se-lhe, por isso, "o dever de ofício" para corresponder com todas as formalidades protocolares inerentes a essas visitas, tendo em conta a posição de relevo que ocupa. Não levar em conta essas observações consubstancia inequivocamente a falta de respeito e consideração para com o país terceiro – a república de Angola. E como alguns pertinentemente questionaram, e bem, se fosse numa visita a um país europeu o senhor Primeiro-ministro ter-se-ia apresentação desta forma desleixada? Isso é maneira de vestir numa visita de Estado? Que sentido de Estado é este? 

Pode parecer, à primeira vista, insignificante esta inobservância do senhor Primeiro-ministro António Costa. No entanto, ela diz tudo da forma como Portugal olha para Angola, insistimos. Na minha Escola, a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, a título de exemplo, os alunos apresentam-se normalmente para os exames orais – tanto de passagem como de melhoria da nota – a rigor, isto é, de forma formal, especialmente quando vão comparecer perante os Excelentíssimos Professores Catedráticos. Espera-se sempre, por parte dos alunos, uma boa apresentação, que se coadune com o nobre curso dos "obreiros da justiça". É um costume enraizado ao longo dos anos. E, neste ponto, a "doutrina" não diverge. Ela é praticamente unânime. Também, nesta óptica, à luz dos costumes e convenções internacionais, é unânime a ideia de respeito pelos outros estados. Acontece que, de forma inconsciente, o senhor Primeiro-ministro António Costa cometeu uma desnecessária gaffe protocolar. 

Não é uma questão de gosto de determinadas peças de roupas que está aqui em causa e, tão pouco, a liberdade individual ou de escolha. É muito mais que isso. Tem a ver com o cargo que se ocupa e a maneira de estar e de se apresentar. É verdade que Angola é um país que está ainda à procura da sua identidade democrática, fazendo com que tenha sido palco de corrupção de várias naturezas e tremendas violações de Direitos Humanos, mesmo assim é um país soberano que merecia mais respeito de Portugal. E não este tratamento menosprezível, que se vai desdobrando em inúmeras prepotências que em nada contribuí para consolidar as tensas relações político-diplomáticas bilaterais entre ambos os estados da CPLP.