O Leviatã das Redes Sociais


Desde a Revolução Francesa do século XVIII, convencionou-se no Ocidente que os media se ajustariam melhor ao epíteto de “quarto poder”, em contraposição aos tradicionais poderes estatais — o legislativo, o executivo e o judiciário —, sendo, deste modo, os exímios fiscalizadores da ação governativa e, concomitantemente, o reduto último das sociedades. Uma premissa, aliás, que já vinha do “poder moderador”, formulada doutrinalmente pelo ilustre Benjamin Constant, servindo subsequentemente de bitola constitucional em diversos Estados europeus e no continente americano. 

O ideal do “quarto poder” dos media, numa primeira avaliação, funcionou. Funcionou de facto, não obstante a forte oposição inicial e a difusa agenda ideológica contrária ao progressismo moderno por parte de uma parcela significativa dos reputados jornais, rádios e revistas mundiais. Mesmo assim, essa “obscura agenda” não triunfou. Foi graças, máxime, à imprensa ocidental que se catapultaram as grandes mudanças político-governativas e sociais, consolidando os postulados da democracia participativa e todos os ganhos inerentes que esta comporta até à atualidade nas sociedades modernas — abertas, bem entendido. 

No entanto, o surgimento das redes sociais, nos finais do século passado, veio obstruir significativamente a vigorosa asserção do “quarto poder” dos media. Em vez de estas novas plataformas de comunicação se circunscreverem meramente ao reforço das democracias liberais e à reafirmação do primado dos Direitos Humanos, tornaram-se, inversamente, espaços onde proliferam cada vez mais a desinformação, arrastando de forma conspurcada os media tradicionais. Hoje, é preciso um discernimento apurado e cuidados redobrados relativamente às notícias que vamos ouvindo, vendo e lendo, uma vez que parte delas é viciada pelas fake news, tendo as redes sociais como principais vanguardistas. 

É nelas, para grande infelicidade nossa, que germinam mensagens de intolerância de várias ordens — mormente de ódio, racismo, sexismo, autoritarismo, insultos a terceiros, instituições e países —, bem como manipulação da opinião pública, violação de direitos de personalidade no seu conceito lato sensu e toda a sorte de despotismos que por aí pululam a uma velocidade impressionante. 

As redes sociais tornaram-se, sem dúvida, o leviatã das nossas vidas. Têm o poder de adulterar a realidade, transformando, aparentemente, a verdade em mentira e esta em verdade. Têm ainda o poder de impor agendas e, em consequência disso, de influenciar as massas. Possuem igualmente um poder que a maioria das pessoas não imagina, um poder que se desdobra em grosseiras arbitrariedades, violações e abusos. É um mundo bastante perigoso em que se está inserido. Por isso, com caráter de urgência, impõe-se uma regulamentação das redes sociais pelo poder político dos países, com vista a estancar definitivamente as patentes arbitrariedades impunes que grassam no seu seio (LER)

Apesar de todos os recuos que elencámos relativamente às redes sociais, continuamos a defender convictamente que elas vieram, naturalmente, revolucionar e conferir uma nova dimensão à liberdade de expressão, proporcionando a todos — sem exceção —, de forma igualitária e justa, as ferramentas indispensáveis para se darem a conhecer ao mundo, quer no aspeto positivo, quer no negativo. Tudo isto, no cômputo geral, é um bom sinal e bastante benéfico para a sociedade. É a melhor “pulsação” da democracia participativa (LER), desde que sejam escrupulosamente fiscalizadas pelo poder político, através do princípio da responsabilidade e da responsabilização dos agentes que violam os Direitos, Liberdades e Garantias nas redes sociais.