Uma Guerra Pode Ser Considerada Justa?


O mundo em que vivemos está cheio de antagonismos e conflitos. Não precisamos de estar plenamente sintonizados com a realidade político-internacional para disso nos apercebermos. Basta constatarmos os alarmantes sinais que nos vão chegando, de perto e de longe, através dos media, para compreendermos que de facto vivemos num mundo bastante hostilizado e belicoso. Por isso, o grande pensador francês Eustache Deschamps antevendo de longe as abomináveis mutações enfatizadas pelo Iluminismo do séc. XVIII, máxime na sua vertente jacobina, aversivo ao conceito da Moral e dos Bons Costumes, expressava um sentimento geral de desânimo e melancolia face à depravação político-social que observava nos seres humanos do seu tempo, afirmando peremptoriamente que existiam apenas “fêmeas e machos estúpidos”, apontando para o fim apocalíptico do mundo como sendo corolário desta postura belicosa do Homem. 

A guerra a que estamos a referir aqui é no sentido stricto sensu, isto é, do conflito armado entre Estados, ou no caso da denominada guerra civil, o terrorismo dos radicais islâmicos, que envolve mortes de pessoas e destruição em massa. Obviamente que o título do artigo não é inocente, tendo em conta as circunstâncias adversas que se vive há muito tempo no Médio Oriente, mormente o ataque aéreo dos Estados Unidos da América (EUA) na passada sexta-feira que vitimou o comandante da força de elite iraniana Al-Quds, o General Qassem Soleimani (LER). Perante esta atitude dos EUA, que actuou à revelia do Conselho de Segurança das Nações Unidas, a pertinente questão que se levanta é a seguinte: será que podemos considerar uma guerra como sendo justa? A nosso ver, numa perspectiva meramente subjectivista, a resposta é manifestamente negativa por razões várias que pormenorizaremos infra. 

Temos demorado imenso a ponderar sobre essa problemática questão, de difícil posicionamento, procurando na medida do possível formular publicamente uma opinião sensata que vai ao encontro com os ideais bíblicos que abraçamos. E isto levou-nos a vasculhar a doutrina Jus Internacionalista e Cristã para inteirar, de forma detalhada e aprofundada, do assunto. Naquela doutrina os seus defensores são completamente a favor da Guerra Justa, fruto de influência do pensamento do Santo Agostinho, nomeadamente John Locke, Hugo Grócio, Francisco Suares e Francisco Vitória. Para estes conceituados autores, que marcaram profundamente a nossa História, a Guerra Justa serve para “vingar o mal, quando um Estado tem que ser atacado pela sua negligência em reparar males cometidos pelos seus cidadãos, ou em restaurar aquilo que por maldade lhe foi retirado (…) as guerras justas podem incluir guerras por motivos de segurança, guerras para vingar o mal, ou guerras declaradas a países que recusam a passagem a outros”. 

Por influência destes autores, a Carta das Nações Unidas adoptou na integra este postulado, habilitando o Conselho de Segurança a recorrer ao uso da força em caso de ameaça à paz, ruptura da paz e acto de agressão. Quanto aos Estados membros da ONU, a Carta consente o uso da força pelos Estados membros em apenas duas circunstâncias: a) em caso da legítima defesa, individual ou colectiva (artigo 51.º); b) em caso de assistência às próprias Nações Unidas (Artigo 2.º, nº5), como a participação em acções por elas levadas a cabo ao abrigo do capítulo VII ou noutras, a título excepcional (as operações de paz e de ingerência humanitária, por elas determinadas ou admitidas. 

Com algumas surpresas, a doutrina dos autores Cristãos, seguindo a mesma esteira do pensamento do Santo Agostinho, embora com algumas atenuantes amiúde consideráveis, advogam que “a guerra deve ser declarada só quando é necessário, e para reduzir a injustiça; e para que através dela Deus possa livrar os homens da necessidade e preservá-los em paz. Mesmo na guerra, o espírito do pacificador deve ser estimado (…) a sua conduta deve ser justa – manter a fé com o inimigo, cumprir promessas, evitar a violência desnecessária, o espólio, o massacre, a vingança, as atrocidades e as represálias”. A começar, desde logo, por Santo Tomas de Aquino, arrastando posteriormente pelos grandes Reformadores Protestantes, sobretudo Martinho Lutero, João Calvino. O Anabaptista Menno Simões, um dos consagrados precursores da Reforma Protestante, distanciou-se radicalmente deste entendimento, defendendo uma posição mais equilibrada à luz dos Princípios e Valores da revelação bíblica, na qual aderimos sem nenhumas reservas. Menno Simões, sustentando a sua oposição ao conceito da Guerra Justa, baseou-se no facto de “o cristão ser seguidor do Príncipe da Paz, tendo recebido a ordem expressa de amar os seus inimigos e fazer bem aos perseguidores, dando a outra face a quem lhe bater” para rejeitar categoricamente a possibilidade de um Cristão participar na guerra, ou mesmo defendê-la, independentemente de qualquer tipo de situação ou justificação objectiva. 

Feito este brevíssimo enquadramento geral cabe dizer que nada nos surpreende quando vemos pessoas não crentes no Senhor Jesus Cristo a defenderem ideologicamente a legitimidade da “Guerra Justa”. É natural que eles tenham esse entendimento de “ajustes de contas”, visto que não têm o temor de DEUS nos seus corações, diferentemente dos Cristãos. Congruentemente com aquilo que acabamos de dizer, e que defendemos também noutros fóruns da nossa convivência diária, somos inteiramente contra o conceito da Guerra Justa e espanta-nos ver certos Cristãos a defenderem uma posição contrária. Por mais chocante que possa ser uma situação, como tem acontecido múltiplas vezes, de vermos pessoas inocentes a serem maltratadas, mortas de forma bruta e injusta, precisamos sempre de consciencializar que o nosso Eterno DEUS está sempre no controle da situação e que no devido tempo manifestará o Seu soberano poder para repor a Justiça e punir os malfeitores. Nada do que é feito neste mundo transcende o Seu domínio de acção ou, porventura, que ELE não saiba. O papel que nos cabe como seus filhos é, simplesmente, a de dobrar os nossos joelhos em oração, intercedendo incessantemente a favor destes flagelos humanos, pedindo a ajuda Divina e intervenção para a sua eficaz resolução. Jamais esperançando que a guerra é solução ideal dos problemas. Não é com a guerra que se faz a Paz, mas sim com o espírito do diálogo, procurando humildemente alcançar os consensos das partes beligerantes. Só assim poderemos fazer pontes e construir solidamente o caminho da tão ambicionada Paz entre os seres humanos e os povos em geral. 

Perante o exposto, sem qualquer tipo de hesitação, consideramos extremamente desprovido do fundamento bíblico a tese dos grandes teólogos que supra mencionamos e de tantos outros Cristãos que ainda hoje continuam a defender convictamente o conceito da “Guerra Justa” – como sendo solução para os reais problemas que afectam a Humanidade. Tal como o Teólogo Menno Simões, perguntamos a estes nossos irmãos na fé: “Digam-me, como é que um cristão pode defender biblicamente a retaliação, a rebelião, a guerra, o golpear, o matar, o torturar, o roubar, o espoliar e o queimar cidades e vencer países? … Toda a rebelião é da carne e do diabo … Oh abençoado leitor, as nossas armas não são espadas nem lanças, mas a paciência, o silêncio e a esperança e a Palavra de Deus”.