Dia da Mulher Africana

Celebra-se hoje em todo o continente negro o “Dia da Mulher Africana”. Uma efeméride bastante importante para reflectirmos sobre os inúmeros flagelos com que milhões de mulheres africanas são confrontadas diariamente, não dispondo muitas das vezes de protecção legal para fazer valer os seus legítimos direitos. Ao longo dos tempos, temos assistido pacificamente a uma diferença abismal no tratamento entre o homem e a mulher que urge alterar. É justamente sobre esse fosso de desigualdades de género que centralizaremos a nossa abordagem, procurando fidedignamente descortinar aquilo que, a nosso ver, consideramos ser um dos males e causa de tremendas injustiças praticadas contra as mulheres africanas, obstaculizando desta forma a sua maior e melhor integração na sociedade. 

Para falarmos na integração da mulher no continente africano, é preciso ter uma visão holística acerca das matrizes e pressupostos valorativos que caracterizam a filosofia dos africanos. E isto remete-nos para um enquadramento cultural com vista a apurar o substrato sociocultural que separa os dois géneros. Este enquadramento humano-sociológico prende-se com o facto da sociedade africana ser composta concomitantemente por múltiplas idiossincrasias e mundividências. A começar, desde logo, no plano étnico, religioso e social. Todos estes factores conjugados acabam por não contribuir em nada para uma autêntica emancipação das mulheres, nomeadamente no que toca aos Direitos Fundamentais que lhes assistem e que continuam a ser-lhes flagrantemente negados.  

a) A Diversidade Étnica. Esta, baseada nos poderes autóctones, limita significativamente a intervenção das autoridades na concretização do estado de direito democrático na esfera jurídica dos particulares. Como se sabe, pelo menos por aqueles que conhecem bem a realidade concreta de África, a maioria das etnias africanas firma as suas arreigadas crenças na supremacia do homem face à mulher, que já vinham de tradições remotas herdadas pelos antepassados. Esta obsoleta e machista ideologia está profundamente enraizada na concepção da generalidade do povo africano, obstaculizando vigorosamente a autonomia e afirmação das mulheres no sentido de comprovarem devidamente o seu potencial humano. 

b) A Ordem Religiosa. Destaca-se também como um dos factores de acentuação das desigualdades sociais, mormente no que concerne à submissão total das mulheres em relação aos homens e certos privilégios que somente são reservados a estes. Os animistas defendem manifestamente essa redutora mundividência, juntamente com os islâmicos (por mais que possam surgir objecções contrárias acerca disso, a forma como estas duas predominantes religiões em África tratam a mulher torna passível extrair delas a conclusão que acabámos de afirmar). A única excepção nesta matéria prende-se com o Cristianismo, que tem tido uma postura um pouco diferente das duas religiões mencionadas, embora não tão nítida como deveria ser à luz dos impolutos princípios e valores bíblicos. A universalidade dos fundamentos e da mensagem do Evangelho tem como consequência a afirmação de uma regra de igualdade entre todos os seres humanos. O Apóstolo Paulo, nesta mesma esteira do pensamento, vai peremptoriamente afirmar que “não há judeu, nem grego; não há servo, nem livre; não há homem, nem mulher” (Gálatas 3:28). 

c) A Ordem Sociológica – sobre a qual assenta a tradição de usos e costumes (este último caracterizado pela prática reiterada com convicção de obrigatoriedade), que a sociedade africana emana e incorpora no seu seio, tal como qualquer outra sociedade, e com as suas múltiplas tendências para um machismo exacerbado, consubstanciando na sua essência um monopólio absoluto do homem face à mulher, através da encarnação do hierárquico  titulo de “chefe de família”, isto é, uma subalternização completa do sexo feminino e na inquestionável primazia do homem em todas as circunstâncias e dinâmica da vida. Todas essas vicissitudes comportamentais acabam, naturalmente, por ter repercussões extremamente negativas na forma de ver e considerar a figura da mulher em África. 

Importa ainda salientar que um dos grandes e urgentes desafios que se colocam ainda hoje às mulheres africanas prende-se com o analfabetismo, a desprotecção legal, a mortalidade materno-infantil, o flagelo do HIV, a injustiça social e do mercado laboral, a ofensa à integridade física e psicológica que engloba a prática da mutilação genital, a violência doméstica e o casamento forçado, a que a maioria é submetida em nome da religião ou tradição, e que resultam sempre nos danos psicológicos irreparáveis e, em casos extremos, na morte prematura das visadas. Todos estes gritantes males cometidos contra as inofensivas mulheres africanas, que não têm merecido uma atenção especial dos sucessivos governantes do continente, violam flagrantemente as disposições consagradas na Declaração Universal dos Direitos do Homem, que os países africanos ratificaram nas suas respectivas constituições da república, conhecidas como Direitos Fundamentais a qualquer pessoa humana. 

Por isso, ser mulher em África não é uma tarefa nada fácil. Comporta enormíssimos riscos e obstáculos praticamente inultrapassáveis. A mulher africana carrega dolorosamente sobre si todas as desgraças deste mundo – e com todas as implicações humano-sociais que isto acarreta no seu quotidiano e na sua autonomia e autodeterminação. Continua ainda arbitrariamente a ser reduzida e votada cegamente à ignorância, à objectificação, ao abuso, à miséria, à prostituição, à violência e à violação, etc. 

Num dia como o de hoje, em que se celebra o “Dia da Mulher Africana”, impõe-se uma genuína reflexão a todos os homens e mulheres de “boa vontade”, no sentido de contribuir resolutamente para uma cabal melhoria da condição humilhante e deplorável em que se encontram a generalidade daquelas que constituem as nossas esposas, mães, avós, filhas, irmãs, tias, primas, companheiras e mulheres em geral. Que assim seja.